Tornozeleira violada, vigília e histórico são conjunto sólido para prender Bolsonaro, dizem especialistas

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A combinação de elementos como a convocação de uma vigília, o histórico de descumprimentos anteriores e o alerta de violação da tornozeleira eletrônica dão base para a decretação de prisão preventiva de Jair Bolsonaro (PL), na avaliação majoritária de especialistas ouvidos pela Folha.

A Polícia Federal prendeu o ex-presidente na manhã deste sábado (22) em Brasília por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Jair Bolsonaro estava em prisão domiciliar desde 4 de agosto deste ano e foi levado a uma unidade da PF.

A defesa de Bolsonaro diz que a medida causa “profunda perplexidade”, porque decorre do chamamento de uma vigília de orações. Os advogados afirmam que a prisão do ex-presidente pode colocar a vida dele em risco e que vão apresentar recurso cabível.

Advogados e professores de direito ouvidos pela reportagem afirmam que, apesar do caráter religioso da vigília chamada pelo senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente, o contexto específico justificava a medida.

A decisão partiu de pedido da PF seguido de parecer da PGR (Procuradoria-Geral da República). A autoridade policial apontou risco de fuga a partir de notícia de violação da tornozeleira eletrônica à 0h08min deste sábado, indicando tentativa de rompimento.

A data coincide com o dia marcado para o ato convocado pelo filho do ex-presidente para ocorrer em frente ao condomínio do pai. O congressista pediu orações e, com referências bíblicas, afirmou que era preciso pedir a Deus que aplicasse a Sua Justiça.

O ex-presidente afirmou que fez uso de “ferro quente” para tentar abrir a tornozeleira. A declaração está registrada em vídeo e num relatório da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal.

O advogado Fauzi Hassan Choukr, promotor aposentado do Ministério Público de São Paulo, diz que a preventiva era inevitável diante da suspeita de tentativa de rompimento da tornozeleira, algo que, afirma ele, deixa registros técnicos mesmo quando o dispositivo permanece inteiro.

Segundo ele, a vigília não é o problema em si. O que pesou foi a avaliação de que ela poderia servir de fachada para uma tentativa de fuga. O ato em si está dentro do direito constitucional de manifestação legítimo, não tem problema algum, diz.

Para Ricardo Yamin, sócio do YFN advogados, a decisão de Moraes está bem fundamentada. Segundo o doutor em direito pela PUC-SP, embora a situação da vigília seja isolada, ela foi colocada dentro de um contexto mais amplo pelo ministro.

“São manifestantes perigosos, de característica golpista, que participaram do 8 de Janeiro e que ele [Moraes] entendeu que não seria uma mera vigília e que sim poderia ser a construção de um cenário para uma fuga”, afirma Yamin.

O Código de Processo Penal autoriza a decretação da prisão preventiva para garantir a ordem pública ou econômica, o andamento do processo ou a aplicação da lei. A preventiva também pode ser decretada em caso de descumprimento de medidas cautelares.

“O ex-presidente é o único responsável pela própria prisão”, diz Oscar Vilhena, professor da FGV Direito SP e colunista da Folha.

“A manifestação convocada por seu filho e a interferência no sistema da tornozeleira eletrônica são indícios da tentativa de frustrar a aplicação da pena. Neste caso, não pode a autoridade judicial tomar outra decisão que não a decretação da prisão. Essa é a ferramenta para assegurar a autoridade da lei.”

O professor de direito penal da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Antônio José Teixeira Martins afirma que, embora prisões preventivas precisem ser analisadas cautela, a decisão parece bem fundamentada diante da combinação de elementos.

“A simultaneidade da convocação da vigília nos termos em que foi feita pelo senador Flávio Bolsonaro (…) e a constatação de alguma eventual tentativa de violação da tornozeleira eletrônica justificam efetivamente a prisão preventiva”, afirma ele.

Avaliação semelhante faz a advogada Dora Cavalcanti, conselheira do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), para quem “é difícil de se imaginar algo mais característico do rompimento de uma medida cautelar” ante a tentativa de rompimento da tornozeleira registrada.

“É uma situação muito constrangedora até para os advogados do ex-presidente. Não há justificativa para a atitude do cliente”, afirma o advogado Fernando Augusto Fernandes, doutor em ciências políticas pela UFF (Universidade Federal Fluminense) e mestre em criminologia.

Na mesma linha vai o advogado Thiago Tezani, especialista em direito penal econômico e europeu pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Segundo ele, havia argumentos e contra-argumentos ao risco de fuga e à mobilização da vigília, mas a violação da tornozeleira acabou patente.

Já Fábio Medina Osório, advogado-geral da União durante o governo Michel Temer, avaliou que “Bolsonaro não fez nenhum corte sutil na tornozeleira”. “O que houve foi uma coisa bruta. Ele está pedindo socorro.”

Para ele, Moraes deveria avaliar condições de saúde mental do ex-presidente e seria difícil falar em risco de fuga ante o monitoramento diuturno da PF em frente à residência de Bolsonaro.

Também defende avaliação médica do ex-presidente o advogado Daniel Bialski, mestre em direito penal pela PUC-SP e que já defendeu Michelle Bolsonaro. “Não há que se falar em risco de fuga se o ex-presidente era vigiado o tempo todo.”

Na decisão, o ministro também retomou episódios anteriores do processo —como a suposta intenção de refúgio na embaixada da Argentina— para concluir que a combinação entre o rompimento do equipamento e o movimento de apoiadores elevou o risco de fuga.

O trajeto de 13 quilômetros entre a casa onde Bolsonaro cumpria prisão domiciliar e o Setor de Embaixadas Sul, percorrível em menos de 15 minutos, reforçou o alerta.

A referência a aliados que deixaram o país diante de medidas judiciais, entre eles os deputados Alexandre Ramagem, Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro, também foi usada pelo ministro para ilustrar um padrão de comportamento que, na sua leitura, exige uma resposta cautelar mais dura.

O criminalista Eduardo Maurício acha que o fato de apoiadores se reunirem diante do condomínio do ex-presidente, ainda que estimulados pelo senador, não se enquadra como elemento suficiente para justificar a prisão.

De acordo com o advogado, a vigília estaria ligada a um manifestação religiosa e, por isso, não atenderia aos requisitos previstos no artigo do Código de Processo Penal que exige demonstração concreta de ameaça à ordem pública ou risco efetivo de fuga.

O criminalista e constitucionalista Adib Abdouni afirma que será difícil a defesa conseguir que a medida seja revertida. “Como é uma cautelar, já diversas vezes foi alertado sobre o cumprimento integral […] dificilmente vai ser voltada atrás, a não ser que apareça algum fato grave de doença.”

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