Sem recursos para fiscalizar, agência de mineração vê perda de R$ 5 bi por ano com sonegação

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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A ANM (Agência Nacional de Mineração), órgão federal responsável por fiscalizar as atividades de exploração mineral no Brasil, corre o risco de perder até R$ 5 bilhões anuais em arrecadação dos royalties do setor por não ter hoje dinheiro para pagar uma conta de R$ 500 mil por mês.

Esses recursos são necessários para manter ativo o sistema de tecnologia da informação usado no combate à sonegação de impostos.

O caos financeiro vivido pela agência foi detalhado, num documento ao qual a reportagem teve acesso, pela agência à CGU (Controladoria-Geral da União), que monitora os problemas estruturais vividos pela ANM.

No relatório, a ANM alerta que aumentar o recolhimento da Cfem (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais), como é chamado o royalty da mineração, depende da continuidade de um novo sistema desenvolvido pelo Serpro, empresa pública federal que cuida da área tecnológica do governo.

Esse sistema cruza informações fiscais declaradas pelas mineradoras com dados de produção mineral e notas fiscais registradas na Receita Federal. O cruzamento permite identificar divergências, simular cenários de arrecadação e apontar sinais de sonegação.

Foi a partir desse sistema que o TCU (Tribunal de Contas da União) concluiu que aproximadamente 70% dos processos minerários ativos entre 2017 e 2021 não recolheram Cfem espontaneamente e que, entre os que recolheram, cerca de 40% apresentavam sinais de sonegação.

O Serpro gastou cerca de R$ 2,7 milhões na construção do sistema, sem contrapartida da ANM. Agora, porém, para mantê-lo em funcionamento e expandi-lo, é preciso que a agência banque a manutenção e a evolução tecnológica, estimada em R$ 6 milhões por ano.

À CGU, a ANM disse que não tem como pagar esse valor para aperfeiçoar o sistema. “Chega-se ao ponto em que a solução [tecnológica] precisa evoluir para aumento do número de portarias em fase de lavra (sujeitas a recolhimento de CFEM). Neste ponto a ANM deverá iniciar pagamento da solução, estimada em R$ 6 milhões anuais, valor do qual não dispõe”, diz a agência no relatório.

A ANM diz que haverá queda na arrecadação se o Serpro paralisar o sistema ou suspender o suporte técnico. “Essa descontinuidade provocaria um retrocesso nos mecanismos de fiscalização e poderia gerar queda expressiva na arrecadação, afetando diretamente os repasses de recursos aos estados e municípios”, afirma.

Sem o cruzamento automático de informações fiscais, a detecção de fraudes volta a depender de análises manuais, que, segundo a agência, são incapazes de acompanhar a atividade minerária no país.

“O combate à sonegação possui potencial para elevar a arrecadação anual da ANM dos atuais R$ 7 bilhões para cerca de R$ 12 bilhões, apenas com o cumprimento integral da legislação vigente”, afirma.

A paralisação do sistema é apenas um dos problemas do órgão. Ligada ao MME (Ministério de Minas e Energia), a agência que acabou de ganhar a atribuição de criar áreas específicas para cuidar dos “minerais críticos e estratégicos”, conjunto de elementos essenciais para a transição energética e cobiçados por países europeus, Estados Unidos e China.

A ANM afirma ainda que o orçamento é insuficiente há anos e que em 2026 terá R$ 109 milhões para despesas discricionárias (não obrigatórias por lei), quando o mínimo necessário seria de R$ 162 milhões.

Segundo a agência, as fiscalizações de rotina, como as de barragens e operações minerárias regulares, estão praticamente suspensas nos últimos meses, mantendo-se apenas as realizadas por ordem judicial.

Questionada pela reportagem, a ANM enviou o conteúdo de uma nota que divulgou em outubro, na qual diz que “enviou comunicação oficial aos ministérios que compõem a Junta Executiva Orçamentária do governo federal informando que não dispõe de recursos suficientes para garantir a continuidade de suas atividades legais a partir de outubro de 2025”.

O documento descreve “um cenário de colapso orçamentário que compromete a execução de fiscalizações, a gestão do setor mineral e a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais”.

O Ministério do Planejamento e Orçamento disse que “contingenciamentos e bloqueios são realizados para que se cumpram as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal e do Regime Fiscal Sustentável, como a meta de resultado primário e o limite de despesas”.

O MME afirmou que, em setembro, foram autorizadas as nomeações de 216 novos servidores para a ANM aprovados no concurso de 2024, uma expansão de aproximadamente 30% no quadro permanente.

O ministério disse ainda que tem acompanhado o impacto dos bloqueios de recursos com atenção. “Nesse sentido, tem reforçado, junto aos órgãos centrais de orçamento, as demandas apresentadas pela agência, buscando soluções conjuntas que viabilizem sua recomposição orçamentária”, declarou.

O objetivo, segundo a pasta, é garantir a continuidade das atividades essenciais de fiscalização, regulação e gestão mineral. O MME lembra, no entanto, que “a ANM possui autonomia orçamentária” e que essa “tal prerrogativa lhe confere competência para tratar diretamente” com o Ministério do Planejamento, “cabendo ao MME prestar apoio institucional complementar”.

O Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), que representa a maior parte das mineradoras do país, declarou que “a garantia de recursos e de estrutura à ANM é essencial para promover uma mineração segura, responsável e devidamente fiscalizada no país”.

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