SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Fundação Humanitária de Gaza, organização apoiada pelos Estados Unidos e por Israel para levar ajuda ao território palestino, anunciou nesta segunda-feira (24) o encerramento de suas operações após seis meses de atividade durante os quais centenas de palestinos foram mortos enquanto tentavam chegar aos centros de distribuição.
A entidade anunciou em um comunicado “o sucesso na conclusão de sua missão de emergência em Gaza após distribuir mais de 187 milhões de refeições gratuitas diretamente aos civis, como parte de uma operação humanitária recorde que garantiu que a ajuda alimentar chegasse às famílias palestinas de forma segura e sem desvio pelo Hamas ou outras entidades”.
A operação, no entanto, foi marcada por violência. De acordo com a ONU, do final de maio, quando o grupo começou a operar, até julho, pelo menos 1.373 palestinos foram mortos enquanto tentavam pegar comida 859 deles nas proximidades dos locais de distribuição da fundação e 514 ao longo das rotas dos comboios de alimentos.
A organização começou a fornecer ajuda quase três meses depois de Israel impor um bloqueio a todos os produtos que entravam no território, àquela altura já em crise humanitária grave devido a mais de um ano de bloqueio parcial por Tel Aviv. Posteriormente, a ONU declarou oficialmente um cenário de fome na Faixa de Gaza.
Quando começou a operar, o sistema tinha apenas quatro pontos de entrega para atender mais de 2 milhões de pessoas, enquanto a infraestrutura anterior, coordenada pela ONU, contava com 400 centros. Os pontos ficavam no sul de Gaza, longe da maior parte da população e de onde estavam os focos de fome.
Isso obrigou os palestinos a percorrerem longas distâncias a pé para receber ajuda que nem sempre conseguiam alcançar. Nas ocasiões em que pessoas foram mortas, o Exército israelense disse ter aberto fogo contra quem se aproximava dos soldados versão contestada por testemunhas em Gaza.
Desde o primeiro momento, organizações que atuam no território se recusaram a colaborar com o recém-criado órgão devido ao seu modo de funcionamento, considerado pouco transparente. O governo de Donald Trump forneceu dezenas de milhões de dólares para financiar as operações da fundação, que se recusou repetidamente a dizer quem mais a financiou.
As entidades internacionais diziam ainda que, por ser apoiado por EUA e Israel, o órgão não era neutro. Segundo autoridades israelenses, a fundação vai verificar se as famílias atendidas têm envolvimento com o grupo terrorista Hamas antes de distribuir a comida.
Resoluções da Assembleia-Geral da ONU, no entanto, determinam que a ajuda deve se guiar apenas pela necessidade das pessoas afetadas, sem qualquer distinção religiosa, política ou ideológica, e deve ser supervisionada por uma parte neutra.
Às vésperas do início da operação, o próprio chefe da fundação naquele momento, Jake Wood, abandonou o cargo sob a justificativa de que a organização não conseguiria aderir aos “princípios humanitários de humanidade, neutralidade, imparcialidade e independência”.
Israel justifica a mudança sob a acusação de que o Hamas rouba suprimentos, embora um relatório produzido em junho pela Usaid, a agência de ajuda externa americana, tenha constatado que não havia provas de roubo sistemático de comida pelo grupo terrorista. Em junho, a ministra das Relações Exteriores da Áustria, Beate Meinl-Reisinger, falou em Jerusalém, ao lado de seu homólogo israelense, que a fundação não era uma parceira confiável.
A fundação suspendeu as operações em Gaza quando o cessar-fogo de 10 de outubro entre Israel e o Hamas entrou em vigor, mas repetidamente afirmou que a suspensão era temporária.
O futuro da organização estava incerto desde que Trump anunciou seu plano de 20 pontos para encerrar a guerra de dois anos. Uma cláusula desse plano afirma que “instituições associadas de qualquer forma ao Hamas ou a Israel” não participariam da distribuição de ajuda.
A despeito das mortes, o diretor executivo da fundação, John Acree, afirmou em comunicado que um centro de coordenação multinacional liderado pelos EUA em Israel, que supervisiona o plano de Trump para encerrar a guerra em Gaza, “adotará e expandirá o modelo” que a organização havia implementado inicialmente.
“Como resultado, estamos encerrando nossas operações, pois cumprimos nossa missão de demonstrar que existe uma maneira melhor de fornecer ajuda aos habitantes de Gaza”, disse ele.