BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A situação dos Correios pode ter um impacto ainda maior nas contas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2026, disse nesta segunda-feira (24) o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan.
Neste ano, o Executivo precisou congelar R$ 3 bilhões em despesas para compensar o estouro da meta fiscal das estatais federais, que piorou em decorrência do déficit nas contas dos Correios. A empresa negocia um empréstimo de R$ 20 bilhões, como revelou a Folha de S.Paulo, e pretende usar o dinheiro para quitar dívidas atrasadas e implementar seu plano de ajuste.
“Existe um risco de [o impacto] ser maior do que a gente está vendo neste ano”, disse Durigan, que exerce a posição de ministro interino neste momento, devido à viagem de Fernando Haddad à cúpula do G20, na África do Sul. “Como o problema é grande, a gente considera o risco de ser um impacto maior.”
Neste ano, o déficit primário dos Correios deve ficar em R$ 5,8 bilhões, segundo as estimativas do governo. O dado que considera apenas receitas e despesas decorrentes da atividade da empresa, sem considerar transações de ordem financeira -ou seja, o dinheiro do empréstimo não entra na conta.
É diferente do prejuízo divulgado pela empresa em suas demonstrações contábeis, nas quais a companhia registra um rombo de R$ 4,4 bilhões no primeiro semestre (considerando, inclusive, receitas e despesas financeiras). Ambos os números, porém, retratam a situação de desequilíbrio.
O secretário disse não ter números fechados sobre qual será o impacto dos Correios nas contas do governo em 2026, um ano eleitoral, mas explicou que a ideia é compensar qualquer efeito com um congelamento extra de verbas ou mediante a busca de resultados melhores nas demais estatais federais.
Segundo ele, não há discussão neste momento para alterar a meta fiscal das estatais, que autoriza um resultado negativo de até R$ 6,75 bilhões no ano que vem (mais R$ 5 bilhões extras em investimentos do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento). “Não tenho uma demanda nesse sentido”, disse Durigan.
Neste ano, a meta das estatais federais permite um déficit de até R$ 6,2 bilhões, além dos R$ 5 bilhões extras do PAC. Com a deterioração dos Correios, no entanto, o resultado efetivo (sem o PAC) ficou negativo em R$ 9,2 bilhões, daí a necessidade de compensação. O alvo das estatais também é fixado na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), assim como a meta do governo central (que engloba as contas do Tesouro Nacional, da Previdência Social e do Banco Central).
Em 2025, a equipe econômica já tem recorrido ao resgate de dividendos de suas empresas para reforçar o caixa e garantir o cumprimento da meta fiscal, que é de déficit zero, mas permite um resultado negativo de até R$ 31 bilhões.
No movimento mais recente, o governo acertou com a estatal Emgea (Empresa Gestora de Ativos) o pagamento de R$ 2,6 bilhões em dividendos neste ano. A empresa é presidida por Fernando Pimentel, que já havia antecipado a discussão em entrevista à Folha. O recurso foi incluído no relatório de avaliação de receitas e despesas do quinto bimestre e ajudou a evitar uma necessidade ainda maior de travar gastos do Executivo.
“A Emgea tem mais de R$ 2 bilhões em caixa e R$ 2,6 bilhões na conta de reserva de lucros. Eu próprio falei com o Pimentel: assim como a gente faz com as outras empresas, gostaria de usar esses recursos para fins fiscais”, afirmou o secretário.
A Emgea foi criada em 2001 para administrar parte da carteira de crédito habitacional da Caixa com inadimplência elevada. Seu principal ativo são os créditos bilionários do FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais), criado na década de 1960 para garantir o pagamento integral dos contratos do antigo SFH (Sistema Financeiro de Habitação).
A dívida é paga anualmente pelo Tesouro Nacional, por meio de despesas financeiras -ou seja, não afetam as regras fiscais. O lucro obtido pela Emgea com essas operações, por sua vez, poderá retornar ao Tesouro como receita primária, ajudando o governo a cumprir as regras.
Questionado se a triangulação poderia gerar ressalvas fora do governo, Durigan se disse tranquilo com a transação. “Não há nenhum receio em relação à Emgea, ela gera resultado enquanto personalidade jurídica. Ela tem sua atividade, não me cabe dizer se ela está indo bem ou mal em sua atividade”, disse.
“Ela é uma empresa que tem lucro, e esse lucro pode ser dividido com seu acionista”, acrescentou. Segundo o secretário, o governo poderá pedir mais dividendos à empresa em 2026, caso haja disponibilidade de recursos.
Segundo Durigan, o governo pretende monitorar as estatais “mais de perto” para evitar que alguma situação se agrave para só então agir, como aconteceu com os Correios. De acordo com o secretário, os Correios são “a bola da vez”, mas o caso serve de alerta para a necessidade de fazer o acompanhamento.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, outras estatais estão em situação de dificuldade, como a Eletronuclear, que pede um aporte de R$ 1,4 bilhão para honrar dívidas e evitar o risco de um buraco no caixa.
No relatório de reavaliação do Orçamento de 2025, o governo também liberou R$ 644 milhões em despesas discricionárias, que incluem custeio e investimentos, graças a uma redução na previsão de gastos obrigatórios, inclusive benefícios previdenciários (com queda de R$ 2 bilhões).
Ao todo, o Executivo detectou uma necessidade bruta de bloquear R$ 8,22 bilhões (dos quais R$ 3,84 bilhões já foram efetivamente cancelados para dar lugar a outras despesas). O valor é menor que os R$ 12,15 bilhões indicados no relatório anterior, divulgado em setembro.
Do alívio de R$ 3,9 bilhões, quase tudo (R$ 3,3 bilhões) foi revertido por meio de outro instrumento usado para conter despesas, o chamado contingenciamento, devido principalmente à situação dos Correios. “Não estamos abrindo espaço fiscal neste relatório, pelo menos não de forma imediata”, disse Durigan.
Do lado das receitas, o governo registrou uma perda de R$ 1 bilhão na previsão de arrecadação líquida no ano, que só não foi maior por causa do resgate extra de dividendos.
O secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, disse que o governo teve uma perda de R$ 2,8 bilhões em sua estimativa de arrecadação por causa da derrubada da MP (medida provisória) de aumento de impostos. O texto continha uma medida que endurecia as regras de uso de créditos para abater tributos a pagar, cujo impacto fiscal seria de R$ 10 bilhões neste ano.
A mudança foi retomada em outro projeto de lei, já aprovado e sancionado por Lula na semana passada, mas o governo deixou de arrecadar com a medida no período entre a derrubada da MP, no início de outubro, e o restabelecimento das regras mais duras.