SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A deflagração da Operação Poço de Lobato nesta quinta-feira (27), que mira o Grupo Fit, dono da refinaria de Manguinhos, no Rio, deve acelerar a tramitação do projeto de lei que cria o Código de Defesa do Contribuinte (PLP 125/2022). Essa é a proposta mais avançada atualmente no Congresso Nacional que trata da questão do devedor contumaz.
Integrantes do governo Lula (PT) e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) defenderam sua aprovação logo após após a realização da operação, mas o texto está longe de ser consenso entre especialistas no tema.
Dados do Atlas da Dívida dos Estados Brasileiros, levantamento da Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital), apontou a refinaria como aquela que possui o maior valor inscrito na dívida ativa dos estados.
Atualmente, os débitos tributários da empresa estão na casa dos R$ 26 bilhões. A Receita Federal entende que um contribuinte se enquadra nessa classificação quando se dedica à inadimplência de forma recorrente e intencional.
O Código de Defesa do Contribuinte dedica 7 dos seus 55 artigos à questão do devedor. O texto original foi elaborado por uma comissão de juristas e apresentado como projeto de lei complementar pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Ele foi aprovado no Senado em setembro deste ano, após a realização da Operação Carbono Oculto.
Atualmente, está na Câmara, onde tramita em regime de urgência. Com isso, o texto poderá ser votado pelo plenário daquela Casa sem necessidade de passar por comissões. Nesta quinta (27), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou que Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP) será o relator do projeto.
O QUE É DEVEDOR CONTUMAZ
O texto caracteriza como devedor contumaz aquele “cujo comportamento fiscal se caracteriza pela inadimplência substancial, reiterada e injustificada de tributos”.
Os contribuintes devem ter dívida superior a R$ 15 milhões e que supere o valor de seu patrimônio conhecido. Não entram nessa classificação aqueles com patrimônio em montante igual ou superior ao valor cobrado. Nem os casos em que há depósito, garantia, parcelamento ou medida judicial que suspenda a exigibilidade do crédito tributário.
A inadimplência deve ser reiterada -deixar de pagar os tributos quatro vezes consecutivas ou seis alternadas no prazo de 12 meses- e injustificada: a lei permite que o contribuinte alegue circunstâncias externas que envolvam estado de calamidade pública e apuração de prejuízo no exercício financeiro corrente e anterior, por exemplo.
É necessário processo administrativo com direito a ampla defesa antes de aplicar punições. Entre elas estão a suspensão do CNPJ e a proibição de usufruir de benefícios fiscais, participar de licitações, manter outros vínculos com o poder público, e entrar com pedido ou seguir em recuperação judicial, que pode ser transformada em falência a pedido da Fazenda Pública.
CRÍTICAS AO TEXTO
O tributarista Renato Mendes, do Jorge Advogados, diz que o texto propõe critérios imprecisos para a classificação do devedor contumaz e concede ao fisco poder excessivo para questionar estratégias legítimas, ampliando o risco de que contribuintes de boa-fé sejam indevidamente enquadrados como fraudadores.
Para ele, o projeto vai além do legítimo propósito de cobrança de créditos tributários e resvala em sanções já rejeitadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Entre elas, o cancelamento de ofício do CNPJ e a conversão da recuperação judicial em falência. “O Legislativo arrisca-se a aprovar uma lei repleta de fragilidades constitucionais.”
O advogado Raul Iberê Malago, sócio do M&A Law, afirma que, sob o pretexto de criar um Código de Defesa do Contribuinte, “o governo tenta passar uma boiada de benefícios para grandes devedores, maquiada com um discurso de combate ao crime organizado e aos sonegadores”.
Segundo ele, o coração do projeto não está na punição, mas na criação de programas de conformidade em que o bom comportamento fiscal é premiado com redução de multas, juros e canais de atendimento facilitados.
“Quem, senão os maiores devedores, possui estrutura para aderir a programas complexos de conformidade e se beneficiar de descontos milionários?”, questiona.
Para ele, a proposta cria uma distinção entre o pequeno e médio empresário, que será “executado sem clemência”, e o grande devedor, que terá um cardápio de benefícios para regularizar sua situação sob condições vantajosas.