As classes C, D e E representam 75,4% da população brasileira – de acordo com o Critério Brasil, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep), no extrato renda trata-se da média de até R$ 4 mil por família. Pesquisa da PwC com esses consumidores revela que o comportamento de consumo não é tão simples quanto podem pensar os varejistas. A grande maioria (66%) valoriza produtos de qualidade por preço justo. Eles também já se adaptaram à nova realidade digital e 66% declaram depender mais da internet para comprar produtos e serviços do que há dez anos e 63% já compraram online e fizeram a retirada em lojas físicas. A pesquisa foi feita no fim de 2022. Para Luciana Medeiros, sócia e líder da Indústria de Consumo e Varejo da PwC Brasil, esse comportamento se intensificou de lá pra cá e abriu portas para que outros recortes da pesquisa, como o de ESG, ficassem ainda mais evidentes. “Com as enchentes no Rio Grande do Sul e as queimadas, especialmente no Sudeste do país, os consumidores tendem a preferir marcas e produtos de empresas que simpatizam com essas causas”, afirmou. Confira a entrevista a dela à DC NEWS.
DC NEWS – Como você avalia o comportamento do consumidor das classes C, D e E em termos de consumo no varejo?
Luciana Medeiros – Quando a gente fala de consumo, é extremamente importante olhar para esse público, porque ele tem um impacto significativo. É um consumidor que está buscando soluções práticas e, principalmente, acessíveis. Por isso há um detalhe importante: esse consumidor, diferentemente do que muitos pensam, não compra só com base no preço. Ele busca também valor agregado, conveniência e boas experiências. Por exemplo, no online, ele busca a praticidade de receber o produto sem sair de casa, mas também tem receio de não receber o produto.
DCN – Como o mercado está se adaptando a essas necessidades?
Medeiros – Acho que o mercado tem de pensar cada vez mais em como atender esse consumidor. Um ponto muito importante é a jornada. Entender quem são os seus clientes, o que eles precisam e onde eles estão. O frete é uma parte fundamental dessa equação, porque existem áreas no Brasil onde as entregas são muito complicadas ou nem acontecem. Nesse caso, a logística precisa se reinventar para alcançar essas pessoas. Existem empresas que já estão atuando em parceria com o varejo para encontrar soluções para isso.
DCN – Como a Reforma Tributária afeta esse cenário, principalmente em relação às classes C-D-E?
Medeiros – Ela pode ter um impacto grande na logística. Quando você altera a forma como os impostos são cobrados, precisa repensar a localização dos seus centros de distribuição, porque isso vai influenciar os custos de frete. É um assunto relativamente novo e que a gente tem discutido bastante internamente. E as classes C, D e E são sensíveis aos valores de frete. Por isso, em datas promocionais, é praxe o frete mais baixo ou gratuito.
DCN – E como você vê o crescimento do mercado de produtos de segunda mão nessa demografia?
Medeiros – A digitalização impulsionou fortemente o mercado de usados. O que antes era dominado por plataformas menores, como Enjoei e OLX, hoje é amplificado por gigantes, como o Facebook e o Instagram. O consumidor dessa demografia agora vê o mercado de usados como uma opção válida. Isso porque é uma alternativa viável e até mesmo uma escolha consciente, dentro de um movimento de economia circular. Não é só porque ele não tem dinheiro para comprar novo, é porque ele vê valor em comprar algo de segunda mão.
DCN – Essa questão do preconceito em relação a produtos usados está mudando?
Medeiros – Sim, totalmente. Antes, a compra de um bem usado era vista quase como uma última opção. Hoje, há um novo olhar sobre isso. As pessoas consideram essa possibilidade porque reconhecem o valor de dar uma nova vida a um produto. E esse comportamento não está restrito às classes C, D e E. Vemos isso em todas as classes sociais. Outro exemplo interessante é o da Estante Virtual, que faz parte do Magalu. Hoje, você compra livros usados online, e isso é uma realidade. As lojas físicas também estão aderindo a esse movimento, como a Cresci e Perdi, que vende itens infantis usados e já tem várias unidades em São Paulo.
DCN – Em quais pontos o varejo está pecando ao tentar atender essas classes?
Medeiros – As varejistas precisam refletir se estão realmente considerando esse público em suas estratégias.
DCN – Como fazer isso?
Medeiros – A jornada de consumo é uma parte fundamental disso. Será que a sua loja, seja física ou digital, está adequada para atender esse consumidor? Muitas vezes, ainda vemos lojas usando termos estrangeiros, marcas com nomes internacionais que não se conectam com esse público. A experiência precisa ser mais acessível e próxima da realidade desse consumidor.
DCN – E temas como as métricas ESG? Elas são importantes para esse público?
Medeiros: Com certeza. As marcas precisam pensar em questões como consumo com propósito. O consumidor está cada vez mais preocupado com o impacto que ele gera, e isso se reflete nas escolhas que ele faz. Será que a marca está se posicionando da forma certa? Será que está tratando esse consumidor com o respeito que ele merece? Porque ele é extremamente representativo, e há uma perspectiva de que, com o tempo, esse consumidor possa melhorar sua condição de renda, mesmo que no momento ele ainda esteja enfrentando desafios como inflação, alta de juros e falta de crédito. As varejistas precisam olhar com mais cuidado para esse público e valorizar esse cliente. Com as enchentes no Rio Grande do Sul e as queimadas, principalmente no Sudeste do país, os consumidores tendem a preferir marcas e produtos de empresas que simpatizam com essas causas.