LUANY GALDEANO
BRASÍLIA
Órgão afirma que repasses são de responsabilidade do CCHA; conselho diz que análise está incorreta e que verbas indenizatórias não se submetem ao teto Entre 2020 e 2025, foram gastos R$ 12,7 bi com o pagamento de honorários de sucumbência
(FOLHAPRESS) Em 15/12/2025 20h30
Servidores de carreiras da AGU (Advocacia-Geral da União) ganharam R$ 4,5 bilhões com pagamentos acima do teto constitucional (de R$ 46.366,19) entre 2020 e 2025.
O levantamento foi realizado pelo Movimento Pessoas à Frente, entidade voltada à gestão de pessoas no serviço público, e a ONG Transparência Brasil, com base nos dados do portal da transparência da CGU (Controladoria-Geral da União).
Prédio da AGU (Advocacia Geral da União), em Brasília Rafa Neddermeyer Agência Brasil Imagem pequena **** Ao longo dos últimos cinco anos, a União arcou com R$ 12,7 bilhões em gastos com o pagamento de honorários de sucumbência, concedidos a servidores da área jurídica do Executivo por atuarem na defesa dos interesses da União.
Nesse período, 7.649 membros da AGU receberam mais de R$ 1 milhão cada um do CCHA (Conselho Curador dos Honorários), responsável pela gestão e repasse da verba.
Entre os contemplados, estão os advogados da AGU, procuradores da PGF (Procuradoria-Geral Federal), da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) e do Banco Central.
Procurada, a AGU afirmou que a atualização das informações sobre o pagamento de honorários é de exclusiva responsabilidade do CCHA, entidade de direito privado e com autonomia para regulamentar e operacionalizar a distribuição dos honorários.
Em nota, o conselho afirma que a análise apresentada é metodologicamente incorreta, pois a verificação do cumprimento do teto constitucional deve ser realizada de forma individualizada e mês a mês. O conselho afirma ainda cumprir “rigorosamente” o teto nos termos da metodologia adequada, e que verbas indenizatórias não se submetem ao limite constitucional.
O estudo mostra que pagamentos retroativos são um dos principais fatores que elevam as cifras para patamar acima do teto.
Os gastos extrateto explodiram em 2025, com 9 em cada 10 servidores ativos das carreiras da AGU recebendo valores acima do limite constitucional em pelo menos um mês.
Oito em cada 10 servidores dessas carreiras ganharam cifras superiores ao teto em todos os oito meses do período analisado -de janeiro a agosto.
Neste ano, foram pagos R$ 3,8 bilhões acima do limite para 11,7 mil servidores ativos e inativos. Em cinco anos, o maior valor repassado a um advogado público em um único mês foi de R$ 613 mil, em julho de 2025.
A Folha mostrou em julho o pagamento de verbas bilionárias para membros da AGU, que chegaram a R$ 1,7 bilhão só em janeiro.
Em 2020, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que os honorários de sucumbência eram constitucionais, mas deveriam ser somados à remuneração do servidor e estar sujeitos ao teto.
Arte HTML5/Folhagráfico/AFP https://arte.folha.uol.com.br/mercado/2025/12/15/acima-do-teto/ *** No entanto, segundo o estudo das entidades de controle social, o CCHA criou uma série de mecanismos para “driblar” essa regra, com o pagamento de verbas retroativas e indenizatórias -livres do teto e de Imposto de Renda.
Membros de carreiras da AGU recebem, além de honorários retroativos, penduricalhos como auxílio-saúde complementar e auxílio-alimentação, o que abre brecha para cifras muito acima do teto.
Segundo Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil, essas estratégias do CCHA são similares às que são utilizadas pelas carreiras do Ministério Público e do Poder Judiciário para burlar o limite constitucional. Para ela, o fato de se tratar de uma entidade privada dificulta ainda mais o controle sobre a transparência e o repasse dos recursos.
“Quando a gente pede para a CGU a informação a respeito das rubricas, eles falam que não sabem, porque só publicam os dados do CCHA. A gestão fica com o conselho. Por gerir recursos públicos, o CCHA deveria dar transparência, mas não dá, e tem sido usado para diminuir controle sobre recursos públicos”, diz Sakai.
O estudo indica ainda a distribuição de verbas para aposentados, pensionistas e servidores com menos de um ano de carreira.
Ao todo, foram distribuídos R$ 630 milhões acima do teto para membros inativos da AGU. Quase metade dessa verba foi gasta apenas com repasses neste ano, em que praticamente todos os aposentados, ou 99,7%, receberam verbas acima do limite constitucional em pelo menos um mês.
Embora a lei estabeleça que pensionistas não podem receber os rateios dos honorários, o levantamento identificou 341 casos que estavam cadastrados como instituidores de pensão que teriam recebido, ao todo, R$ 14,8 milhões em cinco anos. Os dados não permitem identificar se os valores foram efetivamente repassados aos pensionistas.
Arte HTML5/Folhagráfico/AFP https://www1.folha.uol.com.br/webstories/politica/2025/11/conheca-jorge-messias-indicado-por-lula-ao-stf *** Além disso, advogados em início de carreira também já receberam repasses do CCHA, segundo o levantamento, embora a legislação preveja que essas verbas só poderão ser recebidas a partir do segundo ano de trabalho.
Desde janeiro de 2024, 435 novos advogados foram diplomados no serviço público e, juntos, eles receberam R$ 15 milhões em honorários antes de um ano de exercício.
O CCHA refuta a informação e afirma que advogados públicos em início de carreira recebem exclusivamente verbas indenizatórias legais, como auxílio-saúde e auxílio-alimentação.
Segundo os estudiosos, a explosão no pagamento de penduricalhos se dá devido a uma corrida de carreiras da elite do funcionalismo para ultrapassar o teto constitucional, mimetizando movimentos anteriores do Ministério Público e do Judiciário.
Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, afirma que esse movimento desmoraliza a legitimidade do Estado, com impactos sobre a confiança da população em relação à administração pública.
“Vemos se aprofundando uma desigualdade remuneratória imensa entre os servidores públicos. Isso tem um efeito e inclusive em relação à produtividade, porque há um senso de injustiça. Magistrados e membros do Ministério Público ganhavam tudo isso. Agora, os advogados públicos também. Quem é o próximo a querer adquirir os mesmos privilégios?”
Galeria Entenda a estrutura do Judiciário Poder tem como missão garantir direitos individuais, coletivos e sociais https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1801045535346497-entenda-a-estrutura-do-judiciario *** De acordo com Alketa Peci, professora da administração pública da FGV (Fundação Getulio Vargas), a autonomia para definir a própria remuneração interfere no controle de gastos nessas carreiras, o que abre espaço para supersalários.
Uma das propostas da reforma administrativa é proibir a existência de conselhos de caráter privado, cuja gestão ficaria de responsabilidade exclusiva da administração pública, algo que ajudaria a barrar o pagamento de verbas acima do teto, segundo a professora.
“O teto é uma obrigação constitucional; a natureza privada do gestor não deveria blindar o pagamento.
Mas a estrutura privada pode facilitar zonas cinzentas. Por isso, seria mais adequado que o próprio poder público assuma a gestão e a operacionalização desses valores.”