Desaceleração do PIB global para 3,1% indica que 2026 será o ano do ajuste – não da expansão

Uma image de notas de 20 reais
Guerras no Leste Europeu, tarifas globais e inflação persistente vão afetar o comércio exterior
(Eduardo Knapp/Folhapress)
  • Inflação menor, mas ainda acima do período pré-pandemia, indica momento de redequação da cadeia produtiva, que precisa de novos fornecedores
  • No Brasil, eleições e taxa de juros formam um cenário de ainda mais cautela com investimento privado travado e preços acima da meta
Por Paula Cristina

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
A economia global entrará em 2026 em marcha mais lenta, mas ainda em movimento. As projeções constam do Economic Outlook 2026, relatório anual do Mastercard Economics Institute (MEI), que projeta desaceleração do crescimento global dos 3,3% estimados para 2025 aos 3,1% no próximo ano, enquanto a inflação deve recuar de 3,7% para 3,4% no mesmo período. Segundo a análise, não se trata de um cenário de ruptura, tampouco de euforia. O pano de fundo é o de uma economia global que precisa aprender a operar em ambiente menos previsível, pressionada por rearranjos no comércio internacional, pela difusão acelerada de tecnologias – sobretudo inteligência artificial – e por um consumo que migra do excesso para a escolha criteriosa. “A economia global precisará continuar adaptando cadeias de produção e abastecimento, criando desafios para alguns setores e oportunidades para outros”, descreve o relatório. Para empresários do varejo, o desafio será ler esse novo ritmo: crescer menos não significa vender menos, mas vender diferente, com mais estratégia, eficiência e atenção ao comportamento do cliente.

No Brasil, esse movimento global encontra um fator adicional de cautela: o calendário eleitoral. Segundo a análise MEI, 2026 deve repetir um padrão comum a anos de eleição presidencial, com decisões de investimento mais lentas, maior prudência no crédito e um compasso de espera por parte das empresas. A estimativa é que o PIB brasileiro desacelere para 1,5% em 2026, abaixo dos 2,2% estimados para 2025 e dos 3,4% registrados em 2024. Com o pé no freio, o instituto estima que a taxa básica de juros encerre 2026 em 12%. A expectativa de queda gradual dos juros ajuda a sustentar o consumo, mas não elimina a incerteza que costuma travar planos de expansão e apostas de longo prazo. Segundo o economista-chefe para América Latina e Caribe da Mastercard Economics Institute, Gustavo Arruda, o crescimento econômico tende a perder força, enquanto o consumo das famílias segue como principal sustentação da atividade, amparado pelo mercado de trabalho e por políticas de renda. “Apesar dos ventos contrários, mercados de trabalho resilientes e apoio fiscal direcionado estão mantendo o consumo em um ritmo sólido”, disse. Para o pequeno e médio empresário, a orientação é pelo equilíbrio: preservar caixa, evitar movimentos precipitados e ajustar expectativas a um ambiente menos tolerante a erros.

Ainda assim, 2026 não se desenha como um ano estéril de oportunidades. No Brasil o mercado de trabalho deve continuar apoiando o consumo, mesmo com a expectativa do MEI de uma leve desaceleração na geração de empregos. Segundo o relatório, a dinâmica salarial deve seguir apoiando o consumo, mas também pode continuar exercendo pressão altista sobre os preços, o que requer atenção. “O consumo tende a se deslocar de forma moderada em direção aos serviços, enquanto os bens duráveis permanecem sensíveis ao crédito.” O MEI projeta inflação de 4,5% em 2026, no limite superior da meta brasileira (4,08% segundo o Banco Central). O agronegócio se destaca como ponto positivo e como fonte de divergência regional. O instituto espera um crescimento razoável do setor, especialmente em polos agrícolas como o Centro-Oeste e partes do Sul e Sudeste. Já os ganhos devem ser mais modestos em regiões urbanas com forte peso de serviços. Confira os cinco principais insights do relatório.

Escolhas do Editor

1. Crescimento mais lento, consumo resiliente
O cenário macroeconômico global para 2026 aponta desaceleração coordenada, mas sem ruptura. O Mastercard Economics Institute (MEI) projeta crescimento do PIB mundial de 3,1% em 2026, levemente abaixo dos 3,2% estimados para 2025, indicando um pouso gradual após dois anos de expansão acima do potencial em economias-chave. A inflação global, por sua vez, deve recuar para 3,4% em 2026, frente a 3,9% em 2025, e ainda acima da média histórica pré-pandemia (entre 2,1% e 2,5%) consolidando o processo de desinflação iniciado após os choques pós-pandemia e da guerra no Leste Europeu. Nos Estados Unidos, o MEI estima crescimento de 2,2% em 2026, praticamente estável em relação a 2025, sustentado por consumo ainda robusto, apesar do impacto persistente de tarifas comerciais sobre os preços. Já a China deve desacelerar de 4,8% em 2025 para 4,5% em 2026, refletindo a fragilidade do setor imobiliário e a menor contribuição do comércio exterior. Na Europa, o quadro segue heterogêneo: a Zona do Euro deve crescer 1,2% em 2026, com aceleração puxada por estímulos fiscais e queda gradual dos juros, enquanto o Reino Unido tende a um avanço mais modesto, de 0,9%. Mesmo com crescimento mais contido, o MEI destaca que o consumo global segue como principal amortecedor do ciclo, apoiado por mercados de trabalho ainda relativamente sólidos e pela recomposição gradual do poder de compra em várias economias.

2. Brasil: eleição, juros em queda e investimento travado
Para o Brasil, 2026 se desenha como um ano de crescimento mais fraco, marcado por decisões econômicas em compasso de espera. Segundo o MEI, o PIB brasileiro deve crescer 1,5% em 2026, desacelerando frente aos 2,2% estimados para 2025 e aos 3,4% registrados em 2024. O principal freio vem do investimento, que tende a perder tração em meio à incerteza típica de um ano eleitoral. Mesmo com a expectativa de cortes graduais de juros ao longo do ano – o relatório projeta a taxa básica encerrando 2026 em torno de 12% –, o custo do capital deve seguir elevado o suficiente para postergar decisões de expansão e novos projetos. A política fiscal também entra nesse cálculo: historicamente, o governo concentra gastos no primeiro semestre em anos eleitorais, com foco em transferências sociais, o que sustenta a renda das famílias, mas amplia o debate sobre o equilíbrio das contas públicas. O agronegócio se destaca como ponto positivo e como fonte de divergência regional. Esse ambiente mantém o consumo em pé, mas dificulta um ciclo mais robusto de investimento privado, criando uma economia que cresce apoiada no dia a dia das famílias, enquanto empresas operam com cautela, caixa protegido e planos de médio prazo adiados até que o cenário político e fiscal fique mais claro.

3. O consumidor continua gastando – mas com mais critério
Em 2026, o consumo global não entra em retração, mas muda de forma. Segundo o MEI, o gasto das famílias segue resiliente em diversas economias, porém cada vez mais seletivo, pressionado por juros ainda elevados, inflação de serviços persistente e maior sensibilidade a preço. Globalmente, o instituto projeta que o consumo privado continue crescendo acima do PIB em vários países, sustentado por mercados de trabalho ainda sólidos – mas com clara migração do padrão de gasto. Os dados do Mastercard SpendingPulse indicam avanço mais consistente em serviços e experiências, enquanto categorias duráveis permanecem mais sensíveis às condições de crédito. No Brasil, o consumo privado deve crescer 2,2% em 2026, superando a expansão do PIB, mas com mudança no mix: serviços ganham espaço, enquanto bens de maior valor seguem travados pelo custo do financiamento. O relatório mostra padrão semelhante em economias avançadas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o gasto com serviços tende a reaccelerar em 2026, enquanto bens seguem pressionados pela inflação associada a tarifas. Na Europa, consumidores priorizam gastos menores e mais frequentes, com retração relativa de tíquete altos. O resultado é um consumidor ativo, mas mais racional, menos impulsivo e cada vez mais atento à relação entre preço, valor percebido e utilidade imediata – um traço estrutural do pós-inflação que deve marcar o varejo em 2026.

4. Tecnologia virou fator de sobrevivência para PMEs
Em 2026, tecnologia deixa definitivamente de ser vetor de eficiência para se tornar fator de sobrevivência para pequenos e médios negócios, segundo a leitura do Mastercard Economics Institute (MEI). O relatório mostra que a diferença de desempenho entre empresas mais e menos digitalizadas segue se ampliando, especialmente em contextos de crescimento econômico mais moderado. Dados do MEI indicam que, globalmente, PMEs mais expostas a soluções digitais – como pagamentos eletrônicos, e-commerce próprio, gestão de dados e automação operacional –crescem mais rápido do que empresas maiores em diversos setores, mesmo em ambientes de juros elevados e consumo mais seletivo. O estudo também aponta que a participação do comércio eletrônico nas vendas das PMEs avançou em economias mais maduras, enquanto permanece estagnada ou recuou em partes da América Latina, onde a dependência de canais físicos e do dinheiro em espécie ainda é maior. Esse descompasso cria um risco competitivo: mercados onde pequenos negócios não incorporam tecnologia perdem participação relativa frente a players mais eficientes, inclusive internacionais. Além disso, o MEI destaca que investimentos em inteligência artificial, meios de pagamento digitais e soluções de análise de dados estão começando a gerar ganhos de produtividade mensuráveis, mas de forma desigual. Em 2026, essa assimetria tende a aumentar, penalizando negócios que tratam tecnologia como custo e não como estratégia.

5. Tarifas mudam preços, cadeias e concorrência
Em 2026, o comércio global entra em uma fase de reorganização forçada, impulsionada por tarifas, realinhamento geopolítico e maior fragmentação das cadeias produtivas. O Mastercard Economics Institute aponta que os Estados Unidos devem crescer 2,2% em 2026, ritmo semelhante a 2025, mas com inflação ainda pressionada em 2,9%, em grande parte devido ao impacto tarifário sobre bens importados. Já a China desacelera: o crescimento projetado cai de 4,8% em 2025 para 4,5% em 2026, refletindo menor demanda externa, fragilidade do setor imobiliário e um consumo doméstico mais seletivo. A Europa, por sua vez, cresce de forma desigual: a zona do euro avança 1,2%, enquanto países mais expostos a tensões fiscais e comerciais seguem com recuperação lenta. O relatório destaca que tarifas mais altas não apenas encarecem produtos finais, mas alteram rotas comerciais, deslocando fluxos para países intermediários e criando novas assimetrias de preço. Para o varejo, o efeito é indireto, porém concreto: maior volatilidade de custos, repasses fragmentados e concorrência mais dura entre marcas que operam com cadeias globais versus aquelas com produção ou abastecimento regional. Em um cenário ainda marcado pelas guerras na Europa e pelo risco de novas escaladas comerciais, 2026 tende a consolidar um comércio menos eficiente, mais caro e estruturalmente mais incerto.

Voltar ao topo