Mineração de bitcoin avança no Brasil com isenções fiscais sem ter regras específicas

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Crédito: Bruno Peres/Agência Brasil

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Grandes projetos de mineração de bitcoin avançam no Brasil com isenções de impostos graças a incentivos para data centers. A expansão ocorre sem que existam no país regras ambientais e de segurança energética específicas para a atividade, como há na Europa e no Texas.

A mineração é uma operação intensiva em eletricidade para realizar as operações matemáticas necessárias na validação de transferências de bitcoins —quem decifra o código primeiro recebe uma criptomoeda como recompensa.

O mais avançado dos empreendimentos, da Renova Energia, já recebeu autorizações do ONS (Operador Nacional do Sistema) e licença ambiental do estado da Bahia. O projeto prevê investimento de US$ 200 milhões (R$ 1,09 bilhão) em uma infraestrutura com capacidade instalada de 100 megawatts e um consumo de eletricidade similar ao de uma cidade de 1 milhão de habitantes.

O estabelecimento chamado Satoshi —uma referência ao criador do Bitcoin e à fração mínima da moeda, um pedaço de um em 100 milhões— começará a operar em 2026 e terá dedicação exclusiva à mineração.

No arranjo, a Renova fornece infraestrutura física e energética e presta assistência técnica, enquanto um parceiro da área de criptomoedas cuida da operação de mineração e da comercialização dos ativos. A geradora de energia, uma das maiores do país, não revela quem é seu parceiro comercial devido a cláusulas de confidencialidade.

A companhia não está sozinha: ao menos outras duas geradoras de energia renovável têm pedidos similares de conexão à rede no ONS em andamento. Atlas Renewable Energy e Serena Energia, que têm projetos próprios, recusaram pedidos de comentário.

O gigante das criptomoedas Tether também investe na mineração de bitcoins com biometano em Mato Grosso do Sul.

Todos os projetos conseguiram vantagens tributárias nos estados de operação e podem ser beneficiados pela política do governo Lula para data centers. No último dia 4, o Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) incluiu máquinas de mineração até 2027 no ex-tarifário, regime que permite o ressarcimento do imposto de importação.

Os incentivos fiscais para o setor se estabeleceram antes de uma regulação da atividade, com critérios de sustentabilidade ambiental e energética. A lei 14.478 de 2022, que definiu as regras da prestação de serviços com ativos virtuais como o bitcoin, previa originalmente um dispositivo para incentivar o uso de energia renovável na mineração. O trecho, contudo, caiu na versão final.

Devido à alta demanda de eletricidade da atividade, a questão da segurança energética é central em legislações sobre o tema mundo afora. Geradoras de energia renovável no Brasil defendem que operações de mineração de bitcoin podem ajudar a absorver excedentes de eletricidade em determinados horários e reduzir o risco de cortes na geração.

No Texas, o maior polo nos EUA de mineração de bitcoin, as unidades com mais de 75 MW de potência instalada fornecem dados sobre localização, propriedade e demanda de eletricidade. Com essas informações, o estado é capaz de desligar os equipamentos durante emergências climáticas, protegendo a rede contra apagões.

A Europa, por sua vez, exige que mineradores entreguem um relatório de transparência ambiental, informando consumo de energia e emissões de gases estufa de suas atividades.

A China era outro polo importante, mas expulsou as mineradoras de lá por causa do alto consumo de eletricidade e da queima de carvão para um baixo retorno em empregos. Na ocasião, o regime chinês também mencionou riscos à integridade do sistema financeiro.

Hoje, as principais mineradoras de bitcoin ficam na Rússia, no Uzbequistão e no Cazaquistão, que combinam oferta de gás natural barato e pouca supervisão sobre a circulação de criptoativos.

No Brasil, o Redata (Regime Especial de Tributação para Serviços de Data Center), que também contempla o setor de criptomoedas, amplia vantagens fiscais e condiciona o benefício ao cumprimento de exigências ambientais. Os data centers podem ter diversos fins, do desenvolvimento de inteligência artificial à mineração de bitcoin.

Com a política, os complexos de processamento de dados ficam isentos de tributos federais na importação de equipamentos e na venda no mercado interno. A MP de 18 de setembro caduca em 25 de fevereiro, caso não seja aprovada pelo Congresso.

Segundo a Fazenda, a habilitação ao regime exige contrapartidas ambientais e de inovação. O projeto da Renova, por exemplo, atenderia aos critérios ao prever autoprodução de energia renovável e baixo uso de água, mas a empresa optou por não aderir ao Redata por já ter importado equipamentos via ex-tarifário.

Para o diretor de novos negócios da Renova Energia, Sandro Yamamoto, o regime especial para data centers ainda pode ser útil em projetos futuros e para expandir o mercado. “O Redata é fundamental.”

A empresa também é beneficiada por uma isenção de ICMS, concedida pela Secretaria Estadual da Fazenda da Bahia para contratos de fornecimento de energia elétrica e serviços de tecnologia da informação.

A Tether também conta com vantagem fiscal similar em Mato Grosso do Sul.

Os data centers de criptomoedas entraram no escopo do Redata após um pedido da CNI (Confederação Nacional da Indústria), cujo presidente, Ricardo Alban, é conselheiro da Renova. Para a entidade, o programa de estímulo brasileiro não deve considerar qual a finalidade do complexo de processamento de dados (seja inteligência artificial ou criptomoedas).

“Tanto faz se os servidores desenvolvem inteligência artificial ou mineram criptomoedas, o relevante é a atração de negócios”, disse à Folha de S.Paulo o diretor de desenvolvimento industrial, tecnologia e inovação da CNI, Jefferson Gomes, que produziu uma proposta de texto para o Redata apresentada ao governo em agosto.

Para o professor da USP Ildo Sauer, especialista em planejamento da infraestrutura de eletricidade, o uso da energia disponível deve ser organizado visando estímulos sólidos à economia, como geração de emprego e arrecadação. “Existe o risco de haver muitos impactos ambientais e nenhum desenvolvimento da região do data center.”

Outra preocupação de engenheiros e advogados ouvidos pela reportagem é de que criminosos lavem dinheiro com criptomoedas recém-mineradas, um ativo financeiro sem origem determinada.

De acordo com o delegado da Polícia Civil de Goiás e professor da Escola Nacional de Defesa Cibernética Vytautas Zumas, a lei 14.478 e resoluções recentes do Banco Central sobre transações com ativos virtuais enfrentam o problema ao determinar que as empresas reportem transações de criptomoedas. As regras entram em vigor no próximo mês de fevereiro.

Hoje, a Receita Federal demanda a declaração e pagamento por ganho de capital sobre mineração de bitcoin, porém depende de uma transparência proativa dos mineradores.

Essa fragilidade, diz Zumas, é resolvida em partes no novo arcabouço. “A pessoa pode até esconder da Receita, mas se vender pode ser descoberto se houver reporte da operação pela corretora.”

O especialista reconhece que operações feitas sobre o balcão com intermediários menos conhecidos e fora do país ainda podem ser de difícil rastreio. “É similar ao dólar-cabo, uma remessa ilegal de dinheiro ao exterior.”

A Tether, que mantém grandes operações de mineração na África, no Uruguai e planeja entrar no Brasil em 2026, afirma que segue rigorosos critérios de compliance. “Nossa abordagem combina visibilidade dos ativos na blockchain com fortes controles internos para prevenir o uso abusivo da infraestrutura.”

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