São inúmeros os desafios que o sistema de saúde enfrenta no Brasil, especialmente no pós-pandemia. Entre eles, equalizar o difícil equilíbrio entre a demanda da população e os crescentes custos operacionais, a dificuldade de coibir fraudes, a má compreensão da população diante dos necessários processos para aumentar a segurança de uso dos planos e a insatisfação diante dos reajustes. Todas essas questões resultam em um grande problema de solução nada trivial: a reputação do setor.
Primeiro, o contraponto. Te convido a imaginar um Brasil sem o sistema de saúde privado. Hoje já somos mais de 211 milhões de brasileiros. O Sistema Único de Saúde (SUS), em que pese sua excelência mundialmente reconhecida, tem desafios suficientes para atender 74% da população que depende somente dele para qualquer tipo de assistência médico-hospitalar. Considere a possibilidade de uma compulsória necessidade de acolher os demais 26%. Some na equação o peso que o setor de saúde suplementar tem na economia. Só no PIB a contribuição é de 3%, além de mais de 5 milhões de pessoas empregadas. Por que, então, o setor é tão malvisto?
Novamente várias são as respostas. A primeira delas é a falta de entendimento da população de que a saúde suplementar é um negócio e, consequentemente, precisa gerar lucro aos investidores. Concomitante a esse, está a falta de conhecimento sobre o modelo de negócio que, por sinal, é determinado por lei.
Os planos de saúde funcionam em um sistema de mutualismo. Apesar do nome pouco comum, uma metáfora ajuda a explicar. Em uma situação hipotética você faz parte de um grupo que fugiu de uma guerra com uma certa quantia total de dinheiro no bolso. Estão desnutridos e reverter o quadro é vital. Decidem, então, que durante um certo período todos contribuirão com uma parcela de mesmo valor para garantir uma refeição por dia composta de arroz, feijão e frango. Sem esse alimento, o risco de vida é iminente e ele atende a necessidade posta. No começo tudo funciona, mas um membro defende que precisa de outro alimento. Exige para si, mas não abre mão de pagar o mesmo valor dos demais. Um ano se passa e para o sistema não colapsar o tesoureiro informa que todos terão de pagar mais.
Simplista, a comparação funciona. É verdade que a Constituição brasileira garante acesso universal aos brasileiros. Mas se saúde não tem preço, ela tem custo. É um racional difícil de aceitar, sobretudo quando somos nós mesmos ou uma pessoa amada quem precisa de um medicamento ou um tratamento para ter qualidade de vida ou mesmo viver. É imediato o pensamento “que se dane se custa R$ 1 mil, R$ 1 milhão ou R$ 10 milhões”, o direito à vida é sagrado. Mas como na situação do grupo faminto dado acima, o benefício de um impacta no grupo. O conflito é entre o direito individual e o pacto social.
Como em uma cadeia, um elo leva a outro que novamente será impactado pela comunicação ou pela falta dela. Com sua demanda negada pelo plano de saúde, o indivíduo recorre à justiça. Aqui há de se distinguir entre o acesso legítimo ao judiciário e o indevido. Se o plano erra, a judicialização é o caminho. É quebra de contrato. Já nas demandas que fogem às obrigações dos planos, a judicialização é indevida e predatória. O porém é que o julgador nem sempre tem a informação ou o conhecimento suficiente do arcabouço regulatório sob o setor de saúde suplementar para decidir sobre a legitimidade da ação. Sob a pressão de decidir sobre aspecto vital para o demandante, a justiça muitas vezes concede o benefício. Saída para essa encruzilhada também existe. São os chamados Natjus, Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário, em que técnicos orientam os magistrados com informações mais completas sobre o conteúdo do pleito.
Por fim, há também a necessidade de se analisar as estatísticas e números do setor de forma menos passional. Recentemente a própria agência reguladora divulgou os resultados financeiros das operadoras. O destaque foi para o lucro de R$ 11,1 bilhões em 2024, alta de 271% sobre o ano anterior. Ficou marginal a informação de que o resultado operacional de R$ 3,96 bilhões, com margem (descontado o ganho financeiro) de apenas 1,32% sobre a receita total das mais de 660 operadoras no Brasil. Para cada R$ 100 faturados, o empresário da saúde lucra em média R$ 1,32. A melhor comunicação sobre saúde é parte fundamental na construção de qualquer solução para o setor. É, portanto, urgente que os elos dessa cadeia vital se disponham a oferecer e ouvir argumentos baseados em fatos e ciência. Nesta mesa de discussão, as emoções devem ser postas de lado para o bem comum.
LANA PINHEIRO
Formada em jornalismo pelo Uniceub e em publicidade e propaganda pela ESPM, tem MBA em Liderança e Gestão de Pessoas pela FGV. Com 30 anos de experiência, atualmente ocupa o cargo de chefe de gabinete da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).