[AGÊNCIA DC NEWS]. Oitavo maior parceiro comercial do Brasil, o Chile quer mais. Em 2024, a corrente comercial entre os dois países somou US$ 11,6 bilhões e, em entrevista exclusiva à AGÊNCIA DC NEWS, o embaixador do Chile no Brasil, Sebastián Depolo Cabrera, no cargo desde 2023, afirmou que o plano é ampliar em 10% as vendas para o Brasil ainda neste ano e chegar a um volume de US$ 5,4 bilhões. No ano passado, as importações somaram US$ 4,9 bilhões, enquanto as exportações brasileiras para o país vizinho chegaram a US$ 6,6 bilhões, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Segundo o MDIC, os alimentos e bebidas, sejam eles para a indústria ou para o consumidor, representam US$ 3,1 bilhões do total das exportações e importações entre Brasil e Chile. E a balança está equilibrada: em 2024, nós importamos US$ 1,6 bilhão dos nossos vizinhos e exportamos US$ 1,5 bilhão. O plano chileno é reforçar essas parcerias bilaterais e diversificar a pauta exportadora, com foco em produtos orgânicos como frutas, nozes e, principalmente, laticínios. “Queremos começar como fornecedores de algumas matérias-primas e depois introduzir os brasileiros aos produtos próprios da indústria chilena”, afirmou. “Também queremos dobrar o volume exportado de leite anualmente.”
Em abril deste ano, os dois países assinaram acordo comercial com foco em ampliar oportunidades. O documento abrange a facilitação de comércio, comércio eletrônico, eliminação de cobrança de roaming internacional para dados e telefonia móvel, serviços, barreiras não tarifárias, boas práticas regulatórias, propriedade intelectual, incentivo à participação de micro, pequenas e médias empresas, comércio e meio ambiente. Também incorpora acordos bilaterais já assinados entre Brasil e Chile sobre compras públicas e investimentos no setor financeiro (2018) e o Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (2015).
Cabrera explica que a estratégia do Chile é agregar valor e diversificar as exportações, mirando nichos mais sofisticados no mercado brasileiro. “No caso do vinho, queremos expandir sua penetração para regiões com menor consumo”, disse. Somente os vinhos representaram US$ 202 milhões em importações chilenas para o Brasil em 2024, aumento de 17% na comparação anual. “Mas também queremos trazer uma outra variedade de produtos orgânicos como frutas, nozes e laticínios.”
LEITE – E por que o leite? Cabrera explica que a Colun, maior produtora de leite do Chile, atingiu um alto nível de eficiência industrial, o que têm resultado em superprodução. A ideia é aproveitar os excedentes para exportar produtos ainda pouco disponíveis no mercado brasileiro. A companhia é uma cooperativa fundada em 1949, formada por mais de 750 cooperados. Conforme dados da Federação Nacional de Produtores de Leite do Chile (Fedeleche), a Colun foi a líder de produção entre janeiro e março de 2025, quando produziu 185,6 milhões de litros, volume 16,1 milhões de litros maior que no mesmo do ano passado (+9,6%). Até março, Colun era responsável por 32,3% da recepção nacional de leite, acima dos 31,4% registrados em 2024.
Segundo Pablo Fellmer, gerente de Negócios na Colun, em entrevista exclusiva à AGÊNCIA DC NEWS, o plano de expansão deve ocorrer em três etapas. Começa com a harmonização fitossanitária entre os dois países, por meio do alinhamento entre o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e o Serviço Agrícola e Pecuário (SAG), do Chile. Na sequência, são feitos estudos de mercado para reintroduzir produtos como leite em pó sem marca. Por fim, vem a introdução de produtos com marca própria. “Vamos entrar inicialmente com parcerias. Com três ou quatro empresas brasileiras”, afirmou. De acordo com ele, entre as parceiras, haverá tanto grandes quantos locais.
Fellmer afirmou que já atua no Brasil com derivados do leite, como a apresentação em pó. “Fornecemos para indústrias de laticínios brasileiras trabalhando com ingredientes de base”, disse o executivo, que também ocupa o cargo de gerente de Exportações e Ingredientes na companhia. Para este e os próximos anos, a estratégia mudará: o fornecimento de subprodutos será mantido, mas a empresa pretende introduzir, gradualmente, produtos de marca própria. Começará com os queijos.
Segundo ele, para competir com o mercado brasileiro, que consome 7,1 quilos per capita de queijo (IBGE, 2020), a aposta será em categorias de queijos duros e semiduros, como parmesão. “Temos a sorte de estar localizados em uma área no sul do Chile, onde o clima e as condições são muito favoráveis à produção de leite”, afirmou. “Temos uma produção de altíssima qualidade e com excelente sabor.” Características que, segundo ele, foram endoçadas durante a Apas Show, que aconteceu em São Paulo em maio. “Recebemos comentários muito bons quanto à qualidade e ao preço competitivo.” No evento deste ano, 22 empresas chilenas dos setores de alimentos e bebidas apresentaram seus produtos ao mercado brasileiro.
FÁBRICA – Para atender essa potencial demanda em crescimento, a empresa prevê a construção de uma nova unidade industrial em La Unión, comuna da província de Ranco, na região de Los Ríos, no sul do Chile. Com investimento de US$ 130 milhões, a unidade produzirá majoritariamente queijos, como gouda e muçarela. A fábrica deve ficar pronta em dois anos e, segundo Fellmer, parte da produção será destinada ao Brasil. “Quando a fábrica estiver em operação, queremos entrar com nossa muçarela no mercado brasileiro”, disse. “Pensamos principalmente na indústria de pizzas, com queijos ralados e congelados.”
Apesar de ter um plano consolidado, a Colun quer avançar com cautela. “Não temos pressa em obter grandes volumes, pois ainda temos tempo para desenvolver o mercado.” Ele afirma a importância de compreender o caráter cíclico da economia dos dois países e manter flexibilidade para atravessar momentos difíceis, como o vivido atualmente no Brasil. Mesmo sem pressa, a expectativa é de que novos queijos da Colun já estejam no Brasil em 2026. “Estamos finalizando os detalhes de uma autorização com o Mapa e queremos mirar 2026 como o ano para começar a trazer o gouda, nosso parmesão e o mantecoso [queijo chileno de característica amanteigada]”, disse.
MERCADO – A importação de alimentos e bebidas chilenos representam um terço das importações chilenas para o Brasil, e aumentaram 17,7% passando de US$ 1,35 bilhão em 2023 para US$ 1,6 bilhão em 2024, segundo o MDIC. Para Sebastián Depolo Cabrera, o embaixador no Brasil, além de vinhos, peixes e laticínios, o país também quer ampliar a oferta de alimentos voltados a nichos específicos. “Nossa aposta é em alimentos inovadores, de alta qualidade e com forte apelo tecnológico”, afirmou. Entre os produtos estão frutas congeladas, cerejas, maçãs, framboesas e cranberries. “Investimos em tecnologia agrícola, o que permite que, por exemplo, cerejas exportadas em perfeito estado até a Ásia.”
O plano chileno não se restringe à exportação de alimentos. O país também quer expandir o comércio de serviços de alto valor agregado, como mineração, serviços geológicos, fintechs e soluções digitais. Uma das apostas é o programa Startup Chile, aceleradora pública criada em 2010 para transformar o país em polo de inovação na América Latina. Cabrera diz que o objetivo é ampliar a presença no Brasil além dos mercados tradicionais, mirando o centro-oeste, norte e nordeste. Para isso, o Chile deve aproveitar o novo corredor bioceânico, rota logística que conecta o norte do país ao Mato Grosso do Sul. “Queremos incluir mais regiões brasileiras nos benefícios do livre comércio, aproximando produtores e consumidores”, afirmou.
Ele reforça que o acordo é baseado em princípios bilaterais e busca ampliar a complexidade das trocas comerciais, abrangendo produtos, serviços, inovação, tecnologia e turismo. “Queremos consolidar uma parceria mais robusta, inclusiva e estratégica entre Brasil e Chile.” Em 2024, 1.143 empresas exportaram para o Brasil — o maior número desde 2014, quando eram 1.073. O total chegou a cair para 972 em 2021, durante a pandemia de covid-19, e cresceu 17,6% até alcançar o patamar atual, conforme dados da ProChile. Dessas, 727 (63%) são grandes empresas, 317 (28%) são PMEs, 56 (5%) são microempresas e 43 (4%) pertencem a outras categorias.