Pesquisa Data-Makers: Classes D e E preveem gastar mais. Não por otimismo, mas pela alta dos preços
Segundo pesquisa, celular é o principal motor de compras da população mais pobre
(Eduardo Knapp/Folhapress)
Fudissaku, CEO Data-Makers: "Consumidor das classes D e E têm hábitos de compra, valores e crenças muito próximos aos das classes C-B-A"
"Quanto mais as periferias acessam a internet, mais há um efeito dominó. A compra fica diferente, melhor e mais estratégica"
Por Bruno Cirillo
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[AGÊNCIA DC NEWS]. Os consumidores das classes D e E, com renda de até dois salários mínimos (R$ 3 mil), sentem que vão ter maiores gastos nos próximos 12 meses. É o que diz a pesquisa lançada pela companhia Data-Makers, em parceria com a Gerando Falcões, rede que promove a equidade, e a Escola Superior de Propaganda & Marketing (ESPM). Mas não porque estão confiantes, de acordo com o CEO da consultoria de big data, Fabrício Fudissaku. “Eles dizerem que vão gastar mais, em nossa leitura, não é porque estão otimistas”, disse. “Na verdade, estão pessimistas com a economia e dizendo que vão precisar gastar mais do que gastam hoje para sobreviver.”
A pesquisa, divulgada na primeira semana de junho, foi realizada entre abril e maio com 2.465 pessoas, sendo 15% das classes A e B, 31% da C e 54% das classes D e E. Quando questionados sobre a percepção de aumento de gastos, os consumidores de baixa renda são maioria (59%), enquanto as respostas caem para 55% na classe média e 52% do total de entrevistados na camada mais rica da população. A Data-Makers, que tem dois anos de mercado, afirma que um conjunto “contraintuitivo” (positivos e negativos) de dados econômicos explica esse resultado: entre eles, a inflação que pressiona os preços e o maior nível de endividamento, mas também o desemprego estável em níveis baixos (6,6% no primeiro trimestre) e o reajuste de programas sociais, como o Bolsa Família.
Em entrevista à AGÊNCIA DC NEWS, Fudissaku, que é ex-head de Insights para Latam da big tech Meta, explica que o perfil dos consumidores que moram em favelas, periferias e bairros pobres nos grandes centros urbanos está mudando e surpreende por um alto nível de consciência em relação às causas socioambientais embutidas nas mercadorias. “Existe um mito de que esse consumidor olha só para preço”, afirmou. Fudissaku diz que a pesquisa mostra que “ ele é tão informado, tão sensível a outros temas quanto aqueles que têm mais condições”.
Segundo ele, essa noção se deve ao uso intenso da internet, sobretudo pelo celular, entre os mais pobres. O que não significa, contudo, que os consumidores das classes menos favorecidas podem pagar mais caro por produtos com esse tipo de valor agregado. Fudissaku também chama atenção das empresas para a necessidade de se comunicar melhor com esse público, que permanece às margens das mensagens normalmente produzidas na publicidade – por isso o estudo se chama Brasil Invisível: Insights Sobre o Consumidor de Baixa Renda. Confira abaixo a entrevista.
AGÊNCIA DC NEWS – Como é o perfil do consumidor das classes D e E? FABRÍCIO FUDISSAKU – Nosso estudo mostrou que esse é um consumidor que, ao contrário do que se imagina, tem hábitos de compra, valores e crenças muito próximos aos de outras classes sociais.
AGÊNCIA DC NEWS – Dê um exemplo. FABRÍCIO FUDISSAKU – Por exemplo, na primeira parte do estudo, apresentamos um raio X e investigamos o quanto ele é sensível a causas e tendências, como o apoio ao direito dos idosos, dos PCDs (pessoas com deficiência), ao bem-estar animal, às causas sociais e ambientais.
AGÊNCIA DC NEWS – Então o consumidor de baixa renda é tão sensível quanto os de outras classes sociais? FABRÍCIO FUDISSAKU – Sim, vimos que o consumidor de baixa renda muitas vezes é até mais sensível. Então, na prática, todas as grandes tendências de comportamento chegam a ele. Existe um mito de que esse consumidor olha só para preço. O que a pesquisa prova é que ele é tão informado, tão sensível a outros temas quanto aqueles que têm mais condições.
AGÊNCIA DC NEWS –Por que isso acontece? FABRÍCIO FUDISSAKU – Pelo uso diário da internet. Isso a gente vê não só no Brasil. Eu trabalhei muito na América Latina, quando atuava na Meta, e fizemos muitos estudos. Há um papel transformador quando as periferias acessam a internet. Um efeito dominó que tem a ver com ganho de consciência crítica. A compra fica diferente, mais estratégica e o consumidor passa a comprar melhor.
AGÊNCIA DC NEWS – O que é comprar melhor? FABRÍCIO FUDISSAKU – Tradicionalmente, o consumidor brasileiro e o latino já são conhecidos por serem muito sensíveis a preço e qualidade. Com a internet, eles passam a considerar múltiplos drivers de compra, ou seja, ficam muito mais maduros. Mecanismos como o parcelamento sem juros, o cashback e as promoções sazonais. Outro efeito direto é a tendência ESG, as causas sociais, valorizar produtos locais, a produção regional. Valorizar o que faz parte da sua comunidade.
AGÊNCIA DC NEWS –Mas essa tendência não é um atributo das classes altas? FABRÍCIO FUDISSAKU – Não foi isso que a gente viu. É contraintuitivo. Existe dois elementos de conexão. A autoexpressão. O que que é esse elemento? Eu vou consumir o produto de uma marca porque ela está alinhada às minhas crenças e valores e ela ajuda a me posicionar entre os meus pares. Ou seja, eu vou comprar de uma marca que tem projetos sociais, ambientais, porque assim estarei me posicionando e mostrando quem eu sou. Esse elemento de conexão é mais comum na classe A. O segundo elemento de conexão — isso falando bem simplificadamente — é o senso de comunidade.
AGÊNCIA DC NEWS –E por que isso é muito forte nas classes de D e E? FABRÍCIO FUDISSAKU – Porque eles sentem isso na pele. Por que o meio ambiente? Porque quando tem uma enchente, eles sentem os efeitos diretamente. Há uma questão de proximidade. Com todas as classes, mas em grande parte das respostas a classe D está na frente. São consumidores que olham mais para todos esses pontos, justamente por ter essa conexão e esse senso muito mais aprofundado.
AGÊNCIA DC NEWS –O que mais o estudo descobriu sobre as preferências de consumo das classes D e E? FABRÍCIO FUDISSAKU – Foi que esse consumidor faz um uso de internet muito acentuado – 91% acessam a internet todos os dias. Isso é interessante. Porque a gente tem a crença de que a baixa renda não é conectada, e o que vemos é o contrário: não só ela é conectada como, quando olhamos para a preferência de canal de compra, ou seja, onde esse consumidor quer comprar, quase metade (49%) prefere comprar pelo celular. Só para ficar claro, não é a transação que eu pago via celular, não é como meio de pagamento. É como compra em mobile commerce, em aplicativos e sites móveis. E-commerce mesmo.
AGÊNCIA DC NEWS – Por que essa forma de compra se destaca mais entre esse público? FABRÍCIO FUDISSAKU – Se destaca mais do que a loja física, pois sabemos que aí tem o problema da locomoção, que incorre custos extras e distância. No computador, existe a barreira do dispositivo – esses consumidores muitas vezes não têm acesso a um laptop. Por isso fazem todas as transações e o acesso à internet pelo celular.
AGÊNCIA DC NEWS – Supera o comportamento em relação às classes A, B e C? FABRÍCIO FUDISSAKU – Acaba sendo muito mais forte essa conexão, mais do que em outras classes sociais. Quando a gente compara com as classes A, B e C, a classe D é a que mais prefere comprar pelo celular.
AGÊNCIA DC NEWS –Os indicadores de confiança, como o nacional da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e o Índice de Confiança do Consumidor Paulista (ICCP), estão baixos. Tendem ao pessimismo. O que explica, então, esse otimismo justamente nas classes menos favorecidas? FABRÍCIO FUDISSAKU – Não é necessariamente um otimismo. Imagine que eu pergunto se você vai gastar mais nos próximos 12 meses do que gastou no período atual? O que ele está racionalizando? Que os produtos estão mais caros e que por isso ele vai gastar mais.
AGÊNCIA DC NEWS – Nada de otimismo, então? FABRÍCIO FUDISSAKU – Não necessariamente ele está otimista. Ele vai de repente comprar um eletrodoméstico, o que ele está nos dizendo é que vai gastar mais. Ponto. A gente sempre faz, além do estudo quantitativo, uma série qualitativa para explorar melhor os resultados. O que a gente viu é que uma das justificativas para esse aumento [da percepção de que o consumidor irá gastar mais] foi justamente essa.
AGÊNCIA DC NEWS –Existe, antes que otimismo, uma percepção de que as coisas estão mais caras? FABRÍCIO FUDISSAKU – Sim. Porque esse consumidor é muito pressionado. Ele tem tudo na ponta do lápis, a renda versus o que vai gastar. Ele dizer que vai gastar mais, em nossa leitura, não é porque está otimista; na verdade, ele está pessimista com a economia e dizendo: “Olha, para sobreviver, eu vou precisar gastar mais do que eu gasto hoje”.
AGÊNCIA DC NEWS –Esse consumidor deve comprar em maior quantidade ou buscar produtos de melhor qualidade? FABRÍCIO FUDISSAKU – A gente provou com a pesquisa que, sim, eles dão preferência e valorizam ações ambientais, sociais, de apoio à diversidade e inclusão, enfim, todas essas tendências. O que muda é o processo de racionalização da compra, da transação. Nesse processo, se a gente perguntar: você está disposto a pagar mais? Aí sim a resposta vai ser muito menor. São duas dimensões, a de favorabilidade, que é: eu vou gostar mais da sua marca se você me mostrar o que você está fazendo para a sua comunidade.
AGÊNCIA DC NEWS –E a segunda dimensão? Quando é comunicado que o produto é mais caro por ajudar a comunidade? FABRÍCIO FUDISSAKU – Ele vai falar: OK, mas eu tenho minha cesta para comprar. Essa, que é uma dimensão de comportamento, é mais forte.
AGÊNCIA DC NEWS –Em resumo… FABRÍCIO FUDISSAKU – O que a gente pode dizer, para resumir, é assim: sim, eles valorizam, eles vão gostar mais da sua marca, eles vão ter mais simpatia, mas eles não vão pagar mais caro por isso. Na classe A, o consumidor faz questão de comprar de determinada marca porque sabe que ela tem os programas X, Y e Z. É uma questão de exercer cidadania e mostrar suas credenciais. Mas um consumidor que ganha no máximo R$ 3 mil por mês não tem condições de fazer isso.
AGÊNCIA DC NEWS –A alta do endividamento igualmente ajuda a explicar o resultado da pesquisa, não? FABRÍCIO FUDISSAKU – Ajuda uma parte. A outra parte tem a ver com a própria inflação. Por exemplo, quando perguntamos se pretendem gastar mais nos próximos 12 meses, 59% dos consumidores da baixa renda dizem que sim. Só para você ter uma ideia, na classe C é 55% e na AB 52%. Ou seja, o consumidor das classes D e E é o que mais imagina que vai gastar mais no próximo ano.
AGÊNCIA DC NEWS – E o que pesa mais? FABRÍCIO FUDISSAKU – Tem uma série de coisas relacionadas a essa resposta. Isso tem a ver com o aumento de renda, com o aumento de crédito, mas também com esse consumidor entendendo que, para comprar os mesmos produtos, os produtos básicos, além dos gastos com água, luz e aluguel, ele vai ter que dispor de mais recursos.
AGÊNCIA DC NEWS – Como a inflação impacta cada faixa da população conforme a renda? FABRÍCIO FUDISSAKU – O efeito da inflação acaba fazendo com que esse consumidor gaste mais, que é o contrário das classes mais ricas. Estas racionalizam de uma forma diferente: como as coisas estão mais caras, gastam menos ou mudam o produto, ou então adotam uma estratégia diferente de compra, a de esperar uma data comemorativa.
AGÊNCIA DC NEWS – As classes mais altas conseguem conduzir melhor a estratégia de compra… FABRÍCIO FUDISSAKU – Conseguem ser mais estratégicas ou têm condições de esperar o momento certo. Esperar descontos, acompanhar os preços, que é muitas vezes o que o consumidor de baixa renda não consegue. Ele acaba sendo muito: quebrou a geladeira, precisa repor a geladeira. Tem mais urgência nas compras e consequentemente paga um preço maior.
AGÊNCIA DC NEWS –Ele provavelmente vai procurar produtos de menor qualidade para compensar esse aumento? FABRÍCIO FUDISSAKU – Perfeito. Então, ele deixa de comprar o frango para comprar ovos. Aí o ovo fica mais caro, ele acaba comprando mais o farelo de milho. Então são as substituições, o fracionamento de quantidade também, enfim. Tem outro impacto que é explorado também, que é a questão nutricional: ele acaba indo para produtos inferiores do ponto de vista nutricional. Menos frutas, legumes e proteína, mais carboidratos de baixa qualidade.
AGÊNCIA DC NEWS –Nos últimos dez, 15 anos, houve uma grande inclusão da classe C. Era inclusive uma política do antigo governo Lula. Existe um movimento parecido hoje para as classes D e E? FABRÍCIO FUDISSAKU – O que é discutido – isso a gente acompanha não só pelo resultado do nosso estudo – é que as classes D e E estão muito num limiar em que são diretamente favorecidas pelos reajustes nos programas sociais, como o Bolsa Família. Em alguns anos, quando o reajuste é um pouquinho maior do que o esperado, essas famílias passam da classe D para a C, juntando a renda do trabalho com a renda desses programas.
AGÊNCIA DC NEWS –E como está hoje na prática? FABRÍCIO FUDISSAKU – Não há tanta mudança. Está sempre perto de 50% da população. Sobe, desce, mas o Brasil é um país majoritariamente pobre. A maioria da população ainda está nessas duas classes, por isso o estudo chama-se Brasil Invisível. Embora seja a maioria da população, as marcas, a publicidade e a imprensa muitas vezes não veem esse consumidor.
AGÊNCIA DC NEWS –No caso de haver um reconhecimento maior nos próximos anos, o que as marcas devem fazer para se adaptar aos anseios dessa população? FABRÍCIO FUDISSAKU – Vou dividir a resposta em duas frentes. A primeira é oferta de produtos e serviços que estejam mais em linha com a necessidade desse consumidor. Muitas vezes ele não tem condições de comprar uma caixa de sabão em pó do tamanho que ela é. Então, o fracionamento de produtos é uma estratégia de venda. Esse é um exemplo. Como você prepara o seu produto, se dá desconto para quantidades maiores – existem estratégias de precificação que têm a ver com adaptar o produto ou serviço.
AGÊNCIA DC NEWS –E a segunda parte? FABRÍCIO FUDISSAKU – É a comunicação. Porque outro dado que a gente tocou no estudo é que 60% das classes D e E não se sentem representadas na publicidade. O que significa isso? Muitas vezes a figura pública, o garoto propaganda não fala, não tem conexão com esse público. Até a linguagem estética da propaganda, os termos que são usados, às vezes em inglês ou pouco conhecidos, não são bem compreendidos.
AGÊNCIA DC NEWS –Qual o primeiro efeito nesse consumidor? FABRÍCIO FUDISSAKU – Quando alguém vê um filme publicitário e não se reconhece, chega um momento em que simplesmente para de prestar atenção na mensagem. É uma questão semiótica. Simplificando, é falar mais a linguagem desse público, entender o tom, entender as mensagens.
AGÊNCIA DC NEWS –O que a comunicação com esse público precisa trazer? FABRÍCIO FUDISSAKU – Tem uma segunda parte desse estudo que ainda vamos lançar em que a gente foi mais específico e buscou entender quais são as mensagens que criam conexão com essa audiência. É uma mensagem de valorização da família e do esforço pessoal.
AGÊNCIA DC NEWS –Esse gap na comunicação leva a uma demanda reprimida? FABRÍCIO FUDISSAKU – É uma demanda reprimida. Mas por que é importante mostrarmos isso?
AGÊNCIA DC NEWS –Por quê? FABRÍCIO FUDISSAKU – Porque se uma grande empresa de consumo, por exemplo, que é competitiva em termos de mercado, que atua na massa, que consistentemente consegue mostrar seus valores para o consumidor, ela vai vender mais para todas as classes. Essa é uma mensagem bacana que a gente quer mostrar. Não é: ‘Ah, faça isso para adotar uma precificação premium’. É mostrar a sua relevância e o que você faz para a comunidade para ter uma imagem de marca positiva. Essa imagem vai aumentar suas vendas até o limite da possibilidade do bolso de cada classe social.
Fabrício Fudissaku, ex-Meta, CEO e fundador da Data-Makers (Divulgação)