Pesquisa Data-Makers: Classes D e E preveem gastar mais. Não por otimismo, mas pela alta dos preços

Uma image de notas de 20 reais
Segundo pesquisa, celular é o principal motor de compras da população mais pobre
(Eduardo Knapp/Folhapress)
  • Fudissaku, CEO Data-Makers: "Consumidor das classes D e E têm hábitos de compra, valores e crenças muito próximos aos das classes C-B-A"
  • "Quanto mais as periferias acessam a internet, mais há um efeito dominó. A compra fica diferente, melhor e mais estratégica"
Por Bruno Cirillo Compartilhe: Ícone Facebook Ícone X Ícone Linkedin Ícone Whatsapp Ícone Telegram

[AGÊNCIA DC NEWS]. Os consumidores das classes D e E, com renda de até dois salários mínimos (R$ 3 mil), sentem que vão ter maiores gastos nos próximos 12 meses. É o que diz a pesquisa lançada pela companhia Data-Makers, em parceria com a Gerando Falcões, rede que promove a equidade, e a Escola Superior de Propaganda & Marketing (ESPM). Mas não porque estão confiantes, de acordo com o CEO da consultoria de big data, Fabrício Fudissaku. “Eles dizerem que vão gastar mais, em nossa leitura, não é porque estão otimistas”, disse. “Na verdade, estão pessimistas com a economia e dizendo que vão precisar gastar mais do que gastam hoje para sobreviver.”

A pesquisa, divulgada na primeira semana de junho, foi realizada entre abril e maio com 2.465 pessoas, sendo 15% das classes A e B, 31% da C e 54% das classes D e E. Quando questionados sobre a percepção de aumento de gastos, os consumidores de baixa renda são maioria (59%), enquanto as respostas caem para 55% na classe média e 52% do total de entrevistados na camada mais rica da população. A Data-Makers, que tem dois anos de mercado, afirma que um conjunto “contraintuitivo” (positivos e negativos) de dados econômicos explica esse resultado: entre eles, a inflação que pressiona os preços e o maior nível de endividamento, mas também o desemprego estável em níveis baixos (6,6% no primeiro trimestre) e o reajuste de programas sociais, como o Bolsa Família.

Em entrevista à AGÊNCIA DC NEWS, Fudissaku, que é ex-head de Insights para Latam da big tech Meta, explica que o perfil dos consumidores que moram em favelas, periferias e bairros pobres nos grandes centros urbanos está mudando e surpreende por um alto nível de consciência em relação às causas socioambientais embutidas nas mercadorias. “Existe um mito de que esse consumidor olha só para preço”, afirmou. Fudissaku diz que a pesquisa mostra que “ ele é tão informado, tão sensível a outros temas quanto aqueles que têm mais condições”.

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Segundo ele, essa noção se deve ao uso intenso da internet, sobretudo pelo celular, entre os mais pobres. O que não significa, contudo, que os consumidores das classes menos favorecidas podem pagar mais caro por produtos com esse tipo de valor agregado. Fudissaku também chama atenção das empresas para a necessidade de se comunicar melhor com esse público, que permanece às margens das mensagens normalmente produzidas na publicidade – por isso o estudo se chama Brasil Invisível: Insights Sobre o Consumidor de Baixa Renda. Confira abaixo a entrevista.   

AGÊNCIA DC NEWS – Como é o perfil do consumidor das classes D e E?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Nosso estudo mostrou que esse é um consumidor que, ao contrário do que se imagina, tem hábitos de compra, valores e crenças muito próximos aos de outras classes sociais.

AGÊNCIA DC NEWS – Dê um exemplo.
FABRÍCIO FUDISSAKU – Por exemplo, na primeira parte do estudo, apresentamos um raio X e investigamos o quanto ele é sensível a causas e tendências, como o apoio ao direito dos idosos, dos PCDs (pessoas com deficiência), ao bem-estar animal, às causas sociais e ambientais.

AGÊNCIA DC NEWS – Então o consumidor de baixa renda é tão sensível quanto os de outras classes sociais?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Sim, vimos que o consumidor de baixa renda muitas vezes é até mais sensível. Então, na prática, todas as grandes tendências de comportamento chegam a ele. Existe um mito de que esse consumidor olha só para preço. O que a pesquisa prova é que ele é tão informado, tão sensível a outros temas quanto aqueles que têm mais condições.

AGÊNCIA DC NEWS – Por que isso acontece?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Pelo uso diário da internet. Isso a gente vê não só no Brasil. Eu trabalhei muito na América Latina, quando atuava na Meta, e fizemos muitos estudos. Há um papel transformador quando as periferias acessam a internet. Um efeito dominó que tem a ver com ganho de consciência crítica. A compra fica diferente, mais estratégica e o consumidor passa a comprar melhor.

AGÊNCIA DC NEWS – O que é comprar melhor?
FABRÍCIO FUDISSAKU –
 Tradicionalmente, o consumidor brasileiro e o latino já são conhecidos por serem muito sensíveis a preço e qualidade. Com a internet, eles passam a considerar múltiplos drivers de compra, ou seja, ficam muito mais maduros. Mecanismos como o parcelamento sem juros, o cashback e as promoções sazonais. Outro efeito direto é a tendência ESG, as causas sociais, valorizar produtos locais, a produção regional. Valorizar o que faz parte da sua comunidade.

AGÊNCIA DC NEWS – Mas essa tendência não é um atributo das classes altas?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Não foi isso que a gente viu. É contraintuitivo. Existe dois elementos de conexão. A autoexpressão. O que que é esse elemento? Eu vou consumir o produto de uma marca porque ela está alinhada às minhas crenças e valores e ela ajuda a me posicionar entre os meus pares. Ou seja, eu vou comprar de uma marca que tem projetos sociais, ambientais, porque assim estarei me posicionando e mostrando quem eu sou. Esse elemento de conexão é mais comum na classe A. O segundo elemento de conexão — isso falando bem simplificadamente — é o senso de comunidade.

AGÊNCIA DC NEWS – E por que isso é muito forte nas classes de D e E?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Porque eles sentem isso na pele. Por que o meio ambiente? Porque quando tem uma enchente, eles sentem os efeitos diretamente. Há uma questão de proximidade. Com todas as classes, mas em grande parte das respostas a classe D está na frente. São consumidores que olham mais para todos esses pontos, justamente por ter essa conexão e esse senso muito mais aprofundado.

AGÊNCIA DC NEWS – O que mais o estudo descobriu sobre as preferências de consumo das classes D e E?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Foi que esse consumidor faz um uso de internet muito acentuado – 91% acessam a internet todos os dias. Isso é interessante. Porque a gente tem a crença de que a baixa renda não é conectada, e o que vemos é o contrário: não só ela é conectada como, quando olhamos para a preferência de canal de compra, ou seja, onde esse consumidor quer comprar, quase metade (49%) prefere comprar pelo celular. Só para ficar claro, não é a transação que eu pago via celular, não é como meio de pagamento. É como compra em mobile commerce, em aplicativos e sites móveis. E-commerce mesmo.

AGÊNCIA DC NEWS – Por que essa forma de compra se destaca mais entre esse público?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Se destaca mais do que a loja física, pois sabemos que aí tem o problema da locomoção, que incorre custos extras e distância. No computador, existe a barreira do dispositivo – esses consumidores muitas vezes não têm acesso a um laptop. Por isso fazem todas as transações e o acesso à internet pelo celular.

AGÊNCIA DC NEWS – Supera o comportamento em relação às classes A, B e C?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Acaba sendo muito mais forte essa conexão, mais do que em outras classes sociais. Quando a gente compara com as classes A, B e C, a classe D é a que mais prefere comprar pelo celular.

AGÊNCIA DC NEWS – Os indicadores de confiança, como o nacional da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e o Índice de Confiança do Consumidor Paulista (ICCP), estão baixos. Tendem ao pessimismo. O que explica, então, esse otimismo justamente nas classes menos favorecidas?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Não é necessariamente um otimismo. Imagine que eu pergunto se você vai gastar mais nos próximos 12 meses do que gastou no período atual? O que ele está racionalizando? Que os produtos estão mais caros e que por isso ele vai gastar mais.

AGÊNCIA DC NEWS – Nada de otimismo, então?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Não necessariamente ele está otimista. Ele vai de repente comprar um eletrodoméstico, o que ele está nos dizendo é que vai gastar mais. Ponto. A gente sempre faz, além do estudo quantitativo, uma série qualitativa para explorar melhor os resultados. O que a gente viu é que uma das justificativas para esse aumento [da percepção de que o consumidor irá gastar mais] foi justamente essa.

AGÊNCIA DC NEWS – Existe, antes que otimismo, uma percepção de que as coisas estão mais caras?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Sim. Porque esse consumidor é muito pressionado. Ele tem tudo na ponta do lápis, a renda versus o que vai gastar. Ele dizer que vai gastar mais, em nossa leitura, não é porque está otimista; na verdade, ele está pessimista com a economia e dizendo: “Olha, para sobreviver, eu vou precisar gastar mais do que eu gasto hoje”.

AGÊNCIA DC NEWS – Esse consumidor deve comprar em maior quantidade ou buscar produtos de melhor qualidade?
FABRÍCIO FUDISSAKU – A gente provou com a pesquisa que, sim, eles dão preferência e valorizam ações ambientais, sociais, de apoio à diversidade e inclusão, enfim, todas essas tendências. O que muda é o processo de racionalização da compra, da transação. Nesse processo, se a gente perguntar: você está disposto a pagar mais? Aí sim a resposta vai ser muito menor. São duas dimensões, a de favorabilidade, que é: eu vou gostar mais da sua marca se você me mostrar o que você está fazendo para a sua comunidade.

AGÊNCIA DC NEWS – E a segunda dimensão? Quando é comunicado que o produto é mais caro por ajudar a comunidade?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Ele vai falar: OK, mas eu tenho minha cesta para comprar. Essa, que é uma dimensão de comportamento, é mais forte.

AGÊNCIA DC NEWS – Em resumo…
FABRÍCIO FUDISSAKU – O que a gente pode dizer, para resumir, é assim: sim, eles valorizam, eles vão gostar mais da sua marca, eles vão ter mais simpatia, mas eles não vão pagar mais caro por isso. Na classe A, o consumidor faz questão de comprar de determinada marca porque sabe que ela tem os programas X, Y e Z. É uma questão de exercer cidadania e mostrar suas credenciais. Mas um consumidor que ganha no máximo R$ 3 mil por mês não tem condições de fazer isso.

AGÊNCIA DC NEWS – A alta do endividamento igualmente ajuda a explicar o resultado da pesquisa, não?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Ajuda uma parte. A outra parte tem a ver com a própria inflação. Por exemplo, quando perguntamos se pretendem gastar mais nos próximos 12 meses, 59% dos consumidores da baixa renda dizem que sim. Só para você ter uma ideia, na classe C é 55% e na AB 52%. Ou seja, o consumidor das classes D e E é o que mais imagina que vai gastar mais no próximo ano.

AGÊNCIA DC NEWS – E o que pesa mais?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Tem uma série de coisas relacionadas a essa resposta. Isso tem a ver com o aumento de renda, com o aumento de crédito, mas também com esse consumidor entendendo que, para comprar os mesmos produtos, os produtos básicos, além dos gastos com água, luz e aluguel, ele vai ter que dispor de mais recursos.

AGÊNCIA DC NEWS – Como a inflação impacta cada faixa da população conforme a renda?
FABRÍCIO FUDISSAKU – O efeito da inflação acaba fazendo com que esse consumidor gaste mais, que é o contrário das classes mais ricas. Estas racionalizam de uma forma diferente: como as coisas estão mais caras, gastam menos ou mudam o produto, ou então adotam uma estratégia diferente de compra, a de esperar uma data comemorativa.

AGÊNCIA DC NEWS – As classes mais altas conseguem conduzir melhor a estratégia de compra…
FABRÍCIO FUDISSAKU – Conseguem ser mais estratégicas ou têm condições de esperar o momento certo. Esperar descontos, acompanhar os preços, que é muitas vezes o que o consumidor de baixa renda não consegue. Ele acaba sendo muito: quebrou a geladeira, precisa repor a geladeira. Tem mais urgência nas compras e consequentemente paga um preço maior.

AGÊNCIA DC NEWS – Ele provavelmente vai procurar produtos de menor qualidade para compensar esse aumento?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Perfeito. Então, ele deixa de comprar o frango para comprar ovos. Aí o ovo fica mais caro, ele acaba comprando mais o farelo de milho. Então são as substituições, o fracionamento de quantidade também, enfim. Tem outro impacto que é explorado também, que é a questão nutricional: ele acaba indo para produtos inferiores do ponto de vista nutricional. Menos frutas, legumes e proteína, mais carboidratos de baixa qualidade.

AGÊNCIA DC NEWS – Nos últimos dez, 15 anos, houve uma grande inclusão da classe C. Era inclusive uma política do antigo governo Lula. Existe um movimento parecido hoje para as classes D e E?
FABRÍCIO FUDISSAKU – O que é discutido – isso a gente acompanha não só pelo resultado do nosso estudo – é que as classes D e E estão muito num limiar em que são diretamente favorecidas pelos reajustes nos programas sociais, como o Bolsa Família. Em alguns anos, quando o reajuste é um pouquinho maior do que o esperado, essas famílias passam da classe D para a C, juntando a renda do trabalho com a renda desses programas.

AGÊNCIA DC NEWS – E como está hoje na prática?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Não há tanta mudança. Está sempre perto de 50% da população. Sobe, desce, mas o Brasil é um país majoritariamente pobre. A maioria da população ainda está nessas duas classes, por isso o estudo chama-se Brasil Invisível. Embora seja a maioria da população, as marcas, a publicidade e a imprensa muitas vezes não veem esse consumidor.

AGÊNCIA DC NEWS – No caso de haver um reconhecimento maior nos próximos anos, o que as marcas devem fazer para se adaptar aos anseios dessa população?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Vou dividir a resposta em duas frentes. A primeira é oferta de produtos e serviços que estejam mais em linha com a necessidade desse consumidor. Muitas vezes ele não tem condições de comprar uma caixa de sabão em pó do tamanho que ela é. Então, o fracionamento de produtos é uma estratégia de venda. Esse é um exemplo. Como você prepara o seu produto, se dá desconto para quantidades maiores – existem estratégias de precificação que têm a ver com adaptar o produto ou serviço.

AGÊNCIA DC NEWS – E a segunda parte?
FABRÍCIO FUDISSAKU – É a comunicação. Porque outro dado que a gente tocou no estudo é que 60% das classes D e E não se sentem representadas na publicidade. O que significa isso? Muitas vezes a figura pública, o garoto propaganda não fala, não tem conexão com esse público. Até a linguagem estética da propaganda, os termos que são usados, às vezes em inglês ou pouco conhecidos, não são bem compreendidos.

AGÊNCIA DC NEWS – Qual o primeiro efeito nesse consumidor?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Quando alguém vê um filme publicitário e não se reconhece, chega um momento em que simplesmente para de prestar atenção na mensagem. É uma questão semiótica. Simplificando, é falar mais a linguagem desse público, entender o tom, entender as mensagens.

AGÊNCIA DC NEWS – O que a comunicação com esse público precisa trazer?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Tem uma segunda parte desse estudo que ainda vamos lançar em que a gente foi mais específico e buscou entender quais são as mensagens que criam conexão com essa audiência. É uma mensagem de valorização da família e do esforço pessoal.

AGÊNCIA DC NEWS – Esse gap na comunicação leva a uma demanda reprimida?
FABRÍCIO FUDISSAKU – É uma demanda reprimida. Mas por que é importante mostrarmos isso?

AGÊNCIA DC NEWS – Por quê?
FABRÍCIO FUDISSAKU – Porque se uma grande empresa de consumo, por exemplo, que é competitiva em termos de mercado, que atua na massa, que consistentemente consegue mostrar seus valores para o consumidor, ela vai vender mais para todas as classes. Essa é uma mensagem bacana que a gente quer mostrar. Não é: ‘Ah, faça isso para adotar uma precificação premium’. É mostrar a sua relevância e o que você faz para a comunidade para ter uma imagem de marca positiva. Essa imagem vai aumentar suas vendas até o limite da possibilidade do bolso de cada classe social.

Fabrício Fudissaku, ex-Meta, CEO e fundador da Data-Makers
(Divulgação)

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