SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A pirataria foi um dos argumentos do governo americano para investigar supostas práticas comerciais injustas do Brasil. Mas, enquanto o documento do representante comercial de Donald Trump aponta para a rua 25 de Março, autoridades brasileiras indicam que o problema hoje está na internet incluindo em plataformas americanas.
No ano passado, as apreensões da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) em ecommerces, avaliadas em R$ 24 milhões, superaram as registradas em comércios físicos (R$ 18 milhões). Um dos sites na mira do regulador brasileiro por não fiscalizar a venda de produtos piratas é o gigante americano Amazon, que já sofreu punições administrativas.
Profissionais da Receita ouvidos pela reportagem relatam que é mais difícil fiscalizar mercadoria ilegal vendida em marketplaces devido ao esquema de transporte que mistura produtos de diversos vendedores em um só veículo. Além disso, as autoridades realizam a maior parte das apreensões em zonas aduaneiras, indicando que os itens pirateados vêm de fora do país.
Documentos apresentados em conselhos consultivos da agência indicam propaganda de produtos piratas em Google, YouTube e Facebook, que também já foram alvo de medidas contra pirataria da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor). Procuradas, as plataformas não responderam até a publicação da reportagem.
Para o conselheiro e líder da ação contra a pirataria da Anatel, Alexandre Freire, as plataformas não podem transferir ao consumidor a responsabilidade de identificar se um produto eletrônico é seguro. “Marketplaces têm o dever de coibir a venda de produtos não homologados, que representam riscos sérios à segurança do consumidor e à integridade das redes de telecomunicações.”
A Amazon diz que colabora com o governo para inibir a venda de produtos irregulares. “Temos políticas robustas em vigor para garantir que os produtos oferecidos em nossa loja sejam de alta qualidade e estejam em conformidade com a legislação local.”
No entanto, a big tech contesta a competência do regulador brasileiro para atuar contra a pirataria na internet na Justiça Federal, argumentando que o comércio e a internet ultrapassam as atribuições determinadas pela lei de telecomunicações.
Até agora, as autoridades brasileiras conseguiram vitórias provisórias nos tribunais e a Anatel vem confirmando a sua competência e a responsabilidade dos marketplaces sobre vendas ilegais, de acordo com a superintendente de fiscalização da agência, Gesiléa Fonseca Teles. Os agravos aguardam julgamento, e uma decisão favorável ao regulador pode levar até ao bloqueio dos sites.
A Anatel identifica anúncios online de produtos não autorizados no país com auxílio de ferramentas de inteligência artificial. As apreensões da agência no ano passado incluíram celulares, carregadores, adaptadores de SmartTV e drones.
Além das apreensões de aparelhos, a Anatel deflagrou 55 operações para tirar do ar sites que transmitem sinal de televisão e acesso a streaming de maneira ilegal. Foram 10.759 IPs identificados e bloqueados, além de 1.666 sites derrubados.
A ABTA (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura) apresentou a conselhos da Anatel documentos com anúncios de TV box piratas (adaptadores capazes de transformar uma televisão simples em uma SmartTV) em Amazon, Google Shopping e Facebook.
Ainda segundo o material, links para streamings piratas circulam nas redes sociais o acesso ilegal ao conteúdo audiovisual online também é mencionado no documento do governo americano.
De acordo com a ABTA, os TV boxes podem ser usados para infectar aparelhos com vírus empregados em fraudes financeiras e no roubo de dados. Por isso, a associação pede que as plataformas online proíbam anúncios de pirataria na TV, com moderação por meio de palavras-chave, como as marcas e imagens de TV boxes piratas.
A associação também solicita a criação de um canal de denúncias e de uma lista de vendedores reincidentes, para facilitar a remoção de anúncios mediante denúncia.
Por sua vez, a Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), da qual a Motorola e a Apple são membros, apoia o Laboratório de Inovação em Tecnologias Emergentes, uma iniciativa voltada à modernização dos instrumentos e metodologias de fiscalização da agência.
De acordo com a associação, ações coordenadas entre Anatel, Receita Federal, Polícia Federal e Senacon contribuíram para reduzir a participação do mercado irregular de celulares, que havia chegado a 19% em 2023 e atualmente está estimado em 13% do total de aparelhos comercializados no Brasil.
A Abinee defende ainda uma ampliação do escopo de atuação da Anatel, por meio da atualização da Resolução 715, hoje em discussão na agência. A proposta visa ampliar os poderes do regulador de telecomunicações para penalizar todos os participantes da cadeia de comercialização de produtos não autorizados.