[AGÊNCIA DC NEWS]. Com as negociações ainda incertas sobre a tarifa de 50% anunciada pelo governo dos Estados Unidos para os produtos brasileiros exportados, o setor calçadista está em alerta sobre como será o segundo semestre de 2025. Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que 4,5% do faturamento de couros e calçados é proveniente das exportações para os Estados Unidos. O Rio Grande do Sul, entre os maiores exportadores de calçados, pode acumular perdas de até R$ 1,9 bilhão no PIB total. Mas há ao menos uma gaúcha que parece não se preocupar: a Usaflex. À AGÊNCIA DC NEWS, o sócio e CEO da empresa, Sergio Bocayuva, disse que, apesar de exportar calçados, a taxação tem efeito marginal em sua operação, já que irá atingir mais as fabricantes de calçados que fazem o produto sem marca, para ser revendido por outras empresas. “Diria que 99% das fábricas que exportam para lá fazem private label. O Brasil é um grande fornecedor desse tipo de produto. Mas nós não fazemos.”
Isso não significa que a empresa não venda nos Estados Unidos, mas chega por lá com sua marca própria, (atualmente distribuída em 40 lojas multimarcas) dependendo menos de importadores que terceirizam a produção e podem encontrar outros pátios fabris mundo afora caso as tarifas subam. De acordo com o Sebrae, como estratégia de negócio, a empresa que utiliza o private label (como Nike e Adiddas) não é responsável pela fabricação dos produtos, mas sim pela sua marca, pelo marketing e pela distribuição. A estratégia é utilizada por multinacionais para oferecer produtos exclusivos, reduzir custos e aumentar a lucratividade. Na prática essa grande empresa busca industrias em países que possuem preço e qualidade adequada, além de facilidade logística para o envio mundo fora, podendo trocar a operação de local em casos como os da tarifa de Trump. Na outra ponta, as empresas que exportam com suas marcas própria (como a Usaflex), tendem a ocupar nichos de valor mais agregado e têm controle direto sobre a distribuição, além de mais flexibilidade para escolher quais e quando entrarão em determinados mercados.
Com tal margem para troca de destinos, o presidente da Usaflex afirma que não haverá espaço para diminuição no ritmo da produção. Hoje, a empresa fabrica 25 mil pares de sapato por dia. O caminho, segundo ele, é ampliar. Caso as taxas sejam revogadas, ele estima que haverá um aumento forte de demanda por itens de white label, e eles teriam capacidade de também atender alguns pedidos. “Seria muito interessante a entrada de um pedido complementar de private label, porque são volumes bastante expressivos.”
Caso as taxas sejam mantidas, as perspectivas para o mercado calçadista exportador não é tão promissor. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), com a sobretaxa, a projeção de crescimento de mais de 4% nos embarques em 2025 seria inviabilizada. De acordo com Bocayuva, está havendo diversas reuniões com outros setores da economia brasileira e até players americanos para tentar um acordo, pois existe pressão enorme sobre o governo dos dois países. O cenário é tão desafiador, diz, que algumas empresas que têm 100% da sua produção com private label “vão ter que fechar as portas”. A estimativa do mercaod é que as empresas que atuam apenas com esse tipo de produção só conseguem sobreviver se a taxação for reduzida para até 15%. “Mais do que isso já impacta diretamente o resultado.”
Segundo a Abicalçados – que representa o setor nas negociações com o governo federal –, os Estados Unidos são, historicamente, o principal destino internacional do calçado brasileiro. Conforme o ComexStat, plataforma do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), a exportação de calçados prontos brasileiros somou US$ 1,1 bilhão em 2024, sendo US$ 216,9 milhões para os Estados Unidos, o que representa 20,3% do total. No primeiro semestre de 2025, o Brasil exportou para os EUA US$ 112,2 milhões, equivalente a 5,8 milhões de pares de calçados, registrando crescimentos de 7,2% e 13,5%, respectivamente, em comparação ao mesmo período do ano anterior.
ESTRATÉGIA – Enquanto o cenário internacional segue incerto, por aqui, a Usaflex vai bem. A operação envolve loja virtual, multimarcas, 345 franquias no Brasil e presença em 12 países – nos Estados Unidos a empresa vende pela Amazon. Para 2025, a rede projeta 375 lojas e 40 países. E para isso tem adotado algumas estratégias. Uma delas é a redução de mix, adotada este ano. A empresa reduziu a customização e lançou coleções informais para otimizar a produção. “Além disso, a diminuição de lançamentos anuais visa qualificar melhor os produtos e aumentar a eficiência”, afirmou Bocayuva.
De acordo com o executivo, a decisão é uma tendência para levar jovialidade para a marca, lançando linhas mais acessíveis e focadas em um público mais jovem. “Queremos controlar a apresentação da marca, incluindo a comunicação visual nas vitrines.” A empresa quer expandir o público-alvo, hoje ainda muito focado em clientes com mais de 40 anos. “O objetivo é atrair consumidores a partir dos 25 anos, com uma linha que será ampliada”, disse. Em estudos, a companhia entendeu que o público mais jovem espera por produtos mais tecnológicos e acessíveis. Além disso, diz ele, a mudança deve reduzir a dispersão de lotes e evitar interrupções na linha de produção, mantendo um volume consistente.
Atualmente, a franqueadora tem seis modelos disponíveis no portfólio: Loja Usaflex, Loja Usaflex Premium, Loja Usaflex Light, Loja Usaflex Outlet, Quiosque, Container. Criado em 2016, o canal de franquias responde hoje por 45% do faturamento da companhia, que tem como foco o segmento de calçados femininos. No plano de expansão das franquias está a estratégia de interiorização da marca, o que pode ser acelerado diante das instabilidades externas. “Buscamos interiorizar a marca com lojas container, visando um custo de investimento menor.” O executivo diz que o container também tem como vantagem a mobilidade e a modernidade. Esta vertente tem como foco cidades com mais de 100 mil habitantes devido ao maior potencial de consumo. A empresa prevê uma adaptação no número de SKUs dependendo do espaço da loja, com opções de expansão ou redução para quiosques.
Outro ponto de destaque nas frentes de atuação da empresa é o omnichannel, que integra as operações virutais, lojas multimarcas e outros formatos de vendas. “Nossa operação omnichannel tem ferramentas digitais integradas nas lojas e representa até 30% das vendas”, disse o CEO. Para essa venda integrada, a Usaflex tem uma gestão de estoque e reposição de produtos em um sistema automatizado para evitar a ruptura. “No conceito ‘open to buy’, os produtos ficam liberados e podem ser repostos automaticamente, inclusive os nossos best-sellers”, afirmou Bocayuva. No campo da inteligência artificial, a empresa tem utilizado IA para essa reposição automática e atendimento ao cliente. A IA monitora o atendimento e avalia a conversão de vendas. “A ferramenta oferece ainda insights para treinamento, identificando o que a equipe faz de certo e errado”, disse Bocayuva. Com a operação diversificada, a empresa usa dentro do Brasil a mesma estratégia adotada no cenário externo: flexibilizar as opções para garantir o crescimento.