Com queda do dólar, veja como diversificar investimentos no exterior além dos EUA

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Neste ano, o dólar perdeu 9% do seu valor em relação aos principais pares globais, segundo o índice DXY. Essa desvalorização é o suficiente, por exemplo, para minar os ganhos de 6,6% do S&P 500 neste ano. No caso dos investidores brasileiros, o prejuízo é maior, dado que a moeda dos EUA caiu 9,6% ante o real, segundo dados da CMA.

Nesse meio-tempo, o euro subiu 11,85% em relação à moeda americana. Se o investimento na divisa fosse por meio da Bolsa de Valores da Alemanha (índice DAX), seriam mais 21% de valorização.

Segundo especialistas, ciclos como o atual ressaltam a importância de uma carteira diversificada, com exposição a diversas economias e moedas, além da variação entre produtos de diferentes naturezas, como renda fixa e variável, e setores, com foco no longo prazo.

“O mais importante é entender que, quando a gente fala de investir no exterior, não é torcer contra o Brasil, mas de não depender exclusivamente dele “, diz Juliana Benvenuto, sócia da Avenue, corretora para brasileiros nos EUA.

“O nosso mercado é pequeno se comparado ao mundo e muito concentrado, com poucos setores na Bolsa”, afirma Rodrigo Sgavioli, diretor de alocação da XP.

“Principalmente nesse primeiro semestre de 2025, vimos que, depois de muitos anos em que os Estados Unidos concentraram grande parte do fluxo global de investimentos, o capital começou a migrar para outras geografias”, diz Juliana Benvenuto, sócia da Avenue, corretora para brasileiros nos EUA.

Para ela, não se trata do fim do excepcionalismo americano, mas um processo natural de diversificação, dada a alta concentração de investimentos nos EUA.

“Os EUA representam por volta de 25% a 27% do PIB mundial, mas têm mais de 50% de toda a renda variável global. Então, há, de certa forma, um desbalanceamento que está começando a ser ajustado agora”, diz Juliana.

“As guerras e tarifas aceleraram a discussão sobre o excepcionalismo dos EUA. É uma mudança de quase exclusividade para dominância”, diz Marcelo Santucci, diretor da área de portfolio solutions do BTG.

De acordo com o gestor, cresceu a demanda de bancos centrais por ouro e euro. “Há um rebalanceamento do peso dos EUA e do dólar nos portfólios. As pessoas se preocupam mais em não ter só dólar.”

O ouro, tido como ativo de segurança, acumula uma alta de 27%, em dólares, neste ano.

Para Bruno Shahini, especialista em investimentos da Nomad, o dólar mais fraco parece ser uma política deliberada do governo americano a curto prazo.

“Isso favorece as exportações dos Estados Unidos –tornando seus produtos e serviços relativamente mais baratos–, o que tem impacto positivo na balança comercial americana por meio do aumento no volume exportado”, diz Shahini.

A recente performance superior do mercado financeiro europeu foi um dos catalisadores dessa fuga de capital dos EUA.

O Stoxx600, que reúne 600 empresas europeias, de 17 países, sobe 7,8% neste ano. O S&P 500, com as 500 maiores empresas listadas nas Bolsas de Wall Street, tem alta de 6,6%.

“A Europa teve um crescimento abaixo dos EUA e tem menos empresas de tecnologia, e isso deixou investidores um pouco longe, mas agora a região vive expansão fiscal, alavancando a balança para investir e crescer”, diz Stefano Del Papa, diretor global da gestora italiana Azimut.

Segundo ele, o motor dessa aceleração é a Alemanha, que neste ano aprovou EUR 1 trilhão em investimentos em infraestrutura e defesa.

Nesse sentido, Del Papa indica ações de empresas desses setores, bem como o financeiro e o de construção.

“É importante ter diversificação, com exposição a todas as regiões. Agora, a Europa está com mais oportunidades na renda fixa e variável, mas é sempre importante ter exposição à Ásia e ao Oriente Médio, região que não deve ser o foco principal, mas vai crescer exponencialmente”, diz o gestor.

Ele aponta os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita como boas apostas, já que os governos dos países têm investido no desenvolvimento do mercado financeiro local. Em termos de setores, Del Papa indica construção e bancos.

Para acessar esses mercados estrangeiros, não é necessário mandar dinheiro ao exterior, nem criar conta lá fora. É possível investir em diferentes países de forma indireta por meio de centenas de ETFs (fundos de índice), BDRs (recibos de ações listadas fora do Brasil) e fundos de investimento listados na Bolsa brasileira.

No caso da Arábia Saudita, a B3 tem o BDR BKSA39, que corresponde ao ETF iShares MSCI Saudi Arabi, que, por sua vez, replica o desempenho do mercado acionário do país.

“Os valuations [avaliação de valor] de diversas Bolsas fora dos EUA tornaram-se mais atrativos, reflexo do forte fluxo de capital direcionado nos últimos anos ao mercado americano e à tese de tecnologia e IA”, diz Shahini, da Nomad.

A Ágora, do Bradesco, indica o investimento na Europa dada a injeção de capital estatal, mas também destaca como possíveis riscos a escalada da Guerra da Ucrânia, a alta dívida pública e o baixo crescimento econômico de alguns países da região e a dependência de energia de fontes externas, como o gás russo.

Além de gigantes americanos como Nvidia e Citigroup, a corretora indica a compra dos BDRs BEZU39, que replica um índice de empresas de média e alta capitalização nos mercados desenvolvidos da zona do euro, e o ARGT39, que reflete o índice de ações da Argentina MSCI 25/50.

A corretora vê oportunidades no país vizinho a curto prazo dado o afrouxamento dos controles de capital, mas pondera que o momento de transformação política e econômica pode ser um risco.

“Nos próximos períodos, é provável que continuemos a ver instabilidade econômica, alta inflação e um risco cambial significativo devido à volatilidade do peso argentino. A incerteza política persiste, criando um ambiente altamente volátil. Além disso, o país enfrenta desafios regulatórios complexos, que podem impactar as operações das empresas e os retornos dos investimentos”, diz o relatório da Ágora.

Já o Itaú recomenda exposição ao S&P 500 e os BDRs BIAU39, que acompanha o ouro, e BIYT39, que oferece investimento indireto a treasuries (títulos do Tesouro americano) com prazo entre 7 e 10 anos, além da variação do dólar.

A XP indica os treasuries com vencimentos em três ou quatro anos, além de bonds (debêntures) nos EUA e na Europa com a mais alta classificação de risco (AAA).

A renda fixa americana é um consenso dos especialistas por estar em um patamar historicamente alto. Atualmente, a taxa básica de juros do país está na faixa de 4,25% a 4,50% e deve cair 0,25 ponto percentual em setembro, de acordo com as apostas do mercado.

“É o que cria uma janela interessante para travar retornos em dólar a longo prazo. Para quem tem um horizonte mais longo e pode segurar os títulos até o vencimento, aí sim existem oportunidades muito interessantes, tanto em papéis soberanos quanto corporativos”, diz Juliana, da Avenue.

Comparando os títulos soberanos dos países com vencimento em dez anos (os mais negociados), os EUA têm uma das maiores taxas do mundo desenvolvido, com 4,44%. A Alemanha paga 2,68%. O Japão, 1,53%, e a Suíça, 0,45%.

“É importante olhar para fundamentos macroeconômicos, estabilidade política, transparência e governança dos mercados. Em vez de tomar a decisão com base em evento pontual, o investidor tem que buscar construir uma alocação global que resista a mudanças de ciclo”, diz Juliana.

De olho na migração de capital, a Avenue passou a disponibilizar títulos de dívida dos países do G7 na sua plataforma. Além dos EUA, agora é possível comprar papéis do Tesouro de Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão e Reino Unido com investimento mínimo de US$ 1.000 (R$ 5.500).

Outro ponto importante de investir nos EUA ou no dólar americano é a proteção contra a inflação brasileira, muito influenciada pelo câmbio.

Estudo da FGV (Fundação Getulio Vargas) aponta que os brasileiros devem ter, no mínimo, 16% dos investimentos no exterior para proteger seu poder de consumo das variações cambiais.

“Esse percentual pode ser maior dependendo das particularidades de consumo da pessoa ou família, como, por exemplo, no mínimo 17% a 18% para famílias de alta renda”, diz o trabalho dos professores Claudia Yoshinaga, Francisco Henrique Figueiredo de Castro Junior, Ricardo Ratner Rochman e William Eid.

Além disso, para Santucci, do BTG, mesmo desacelerando, a economia dos EUA deve crescer mais que o restante. O banco recomenda a exposição à Bolsa americana, com destaque para as empresas de tecnologia, bem como Alibaba, da China, TSMC, de Taiwan, e Novo Nordisk, da Dinamarca, todas listadas nos EUA, ou seja, negociadas em dólar.

“A fronteira de produtividade ainda está no setor privado americano, com concorrência de China. A Bolsa americana está justa, as techs ficaram maiores e ganharam espaço no índice e ainda estão entregando resultados acima do esperado. Já a Bolsa europeia esta mais ligada à economia real e bancos e não está com resultados superando expectativas”, diz Santucci.

Com seguidos recordes na pontuação, alguns analistas veem as Bolsas americanas como caras. No entanto, os índices seguem em alta com empresas surpreendendo positivamente nos seus balanços e a resiliência da economia americana.

“Nos mantemos cautelosos com o curto prazo, mas otimistas com o longo prazo, principalmente por saber da força do mercado de ações dos EUA, ainda mais quando impulsionado pelo novo vetor de transformação do capitalismo global que é a inteligência artificial. Mesmo considerando os níveis dos valuations atuais, entendemos ser importante estar posicionado”, diz Sgavioli, da XP.

A XP também aposta nas big techs americanas, de olho em uma segunda e terceira ondas de beneficiárias da aplicação de inteligência artificial nos seus negócios.

“[Nos EUA], as duas grandes preferências hoje seriam por tecnologia e por utilities [serviços essenciais, como água e luz]. A nossa segunda maior exposição ficaria com Europa”, diz Sgavioli, que também recomenda a exposição a emergentes, especialmente à China.

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