Multinacionais americanas preferem sigilo em negociação com Trump

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Enquanto diversos setores econômicos tentam contribuir para os esforços de negociação contra o tarifaço de Donald Trump aos produtos brasileiros, as multinacionais americanas com instalações no Brasil têm mantido a discrição, evitando embates e manifestações públicas em torno do problema.

Isso não significa que estejam alheias ou protegidas das consequências de uma sobretaxa de 50%, segundo membros de cúpulas de filiais locais.

A Folha de S.Paulo solicitou entrevistas com os CEOs de mais de 20 multinacionais americanas com negócios em diversos setores no Brasil, desde automotivo, como GM e Ford, farmacêutico, como BMS (Bristol-Myers Squibb), Abbott, Pfizer e MSD (Merck Sharp & Dohme), ou de alimentos, como PepsiCo ou KraftHeinz, e mineração como Alcoa, entre outros. Nenhum deles aceitou se manifestar publicamente.

Em conversas reservadas, a avaliação é a de que o sigilo favoreceria as negociações para o lado brasileiro e que o governo Lula deveria fazer o mesmo. Para um executivo com longa experiência em direção de multinacionais americanas, o excesso de divulgação sobre as pretensões do Brasil tem fortalecido a posição trumpista, ou seja, ao colocar suas cartas na mesa, o Brasil sinaliza demais até onde pode ceder.

Segundo essa opinião, o governo não deveria divulgar nem mesmo as medidas que já planeja para amenizar o impacto do tarifaço com um programa emergencial de manutenção de trabalho e renda similar ao da pandemia. Há uma percepção de que o governo brasileiro está telegrafando tudo o que pensa por meio dos jornais, e que o aumento da confidencialidade nas conversas poderia ajudar elevar a produtividade do diálogo.

Nesta sexta (25), em um discurso em Osasco (SP), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a relatar que o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) tem enfrentado dificuldade de interlocução com os EUA.

O papel dos dirigentes brasileiros das filiais americanas, na prática, tem sido apenas o de alimentar suas matrizes com informações, enquanto os esforços de negociação ou pressão sobre Washington são feitos pelas cúpulas das sedes nos EUA.

Neste fluxo de informações, faltando poucos dias para a entrada das tarifas em vigor, em 1º de agosto, ainda tem sido difícil calcular o tamanho do estrago previsto porque, além dos efeitos diretos da tarifação, que são mais fáceis de medir em números, haverá impactos em toda a cadeia de fornecimento de cada negócio.

Por ora, a perspectiva é que o segundo semestre terá resultados piores do que o esperado, com aumento na necessidade de caixa, mas ainda se evita falar em demissões.

Executivos ouvidos pela reportagem classificam Trump como o pior tipo de interlocutor que se pode ter do outro lado de uma mesa de negociação, porque ele faz o estilo “fearless”, que em inglês significa destemido, indiferente a consequências desastrosas.

Os contornos políticos dessa taxação, que desde que foi anunciada por Trump nas redes sociais em 9 de julho trouxe a menção ao ex-presidente Bolsonaro, também tornam as manifestações públicas ainda mais delicadas.

As mensagens mais gerais têm sido transmitidas pela Amcham (Câmara Americana de Comércio para o Brasil), que já divulgou apelos aos governos dos dois países para que se engajem em negociações de alto nível de modo a evitar a implementação da tarifa de 50%.

Em nota divulgada após o anúncio do tarifaço de Trump, a entidade criticou a politização do tema e alertou para os riscos sobre os produtos essenciais às cadeias de suprimentos e o aumento de custos aos consumidores norte-americanos, além do impacto sobre milhares de pequenas empresas nos EUA que dependem de produtos importados do Brasil.

Newsletter Tarifaço Receba no seu email o que você precisa saber sobre a crise entre EUA e Brasil *** “A imposição dessa medida como resposta a questões políticas mais amplas tem o potencial de causar danos graves a uma das relações econômicas mais importantes dos EUA, além de estabelecer um precedente preocupante”, disse a Amcham em nota na ocasião.

A entidade, que tem participado das conversas e colaborado com levantamento de dados, publicou nesta sexta um estudo que mostra um aumento no comércio intercompanhia entre Brasil e EUA, que são as trocas entre empresas do mesmo grupo econômico, ou seja, entre filiais subsidiárias de uma mesma empresa multinacional, localizadas nos dois países.

Quase 34% da corrente de comércio bilateral entre ambos os países em 2024 foi realizada entre empresas do mesmo grupo, volume que chegou a US$ 31 bilhões em transações bilaterais do tipo.

Segundo a Amcham, assim como nas trocas em geral, os EUA possuem superávit no comércio intercompanhia. Entre 2023 e 2024, o superávit dos EUA nessas trocas com o Brasil mais que dobrou, reflexo da intensificação do envio de produtos entre filiais e matrizes norte-americanas instaladas no Brasil.

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