Artigo, por Sandra Comodaro: "A importância da lei que estabelece mínimo de vagas em conselhos para mulheres"

Uma image de notas de 20 reais
"O PL 1.246/21 pode não ser solução completa, mas é passo importante. Marca postura institucional"
(Imagem gerada por IA/Freepik)
  • "É inconcebível que a presença feminina em cargos estratégicos continue restrita a percentuais tímidos, muitas vezes simbólicos"
  • "Há diferença entre tratar todos de forma igual e dar a todos as mesmas oportunidades. Uma é aspiração; a segunda, desafio estrtutural"
Por Sandra Comodaro | colunista Compartilhe: Ícone Facebook Ícone X Ícone Linkedin Ícone Whatsapp Ícone Telegram

Ao longo da minha trajetória como advogada empresarial, conselheira de empresas e observadora atenta das transformações sociais e econômicas, percebo o quanto a diversidade se tornou um tema primordial. Não apenas nas conversas institucionais, mas principalmente nos espaços de tomada de decisão, onde valores como inclusão, representatividade e legitimidade vêm ganhando espaço — ainda que lentamente. O desafio não é novo, mas a urgência com que ele se impõe é cada vez maior. E isso se aplica tanto ao setor público quanto ao privado. Recentemente, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 1.246/21, que estabelece a obrigatoriedade de que ao menos 30% dos cargos dos conselhos de administração das empresas estatais sejam ocupados por mulheres, com atenção à inclusão de mulheres negras e com deficiência. A medida sinaliza uma disposição do Estado em endereçar uma desigualdade histórica. Em um país onde as mulheres representam mais da metade da população, é inconcebível que a presença feminina em cargos estratégicos continue restrita a percentuais tímidos, muitas vezes simbólicos. A representatividade nos conselhos das estatais é, portanto, mais do que uma meta numérica: é um chamado à coerência, à renovação da cultura institucional e ao compromisso com a equidade.

Sempre acreditei que o mérito, a formação e a entrega devem guiar o acesso aos espaços de poder. Mas é impossível não reconhecer que a igualdade de condições nunca foi real para todos. Há uma diferença gritante entre tratar todos de forma igual e dar a todos as mesmas oportunidades. A primeira é uma aspiração, a segunda é um desafio estrutural. Assim, políticas que sinalizam o dever de ampliar o olhar e corrigir desequilíbrios históricos devem ser tratadas como pontes para que essa igualdade possa ser exercida em sua plenitude. O PL 1.246/21 pode ser lido como uma dessas pontes — temporária, provocadora e necessária.

A diversidade, quando efetiva, não é uma concessão. É uma alavanca estratégica. Empresas, órgãos públicos e instituições que trazem para seus espaços decisórios pessoas com diferentes trajetórias, origens, histórias e olhares ampliam sua capacidade de análise, aumentam sua resiliência em tempos de crise e tornam-se mais próximas das demandas da sociedade. A inovação, tão desejada por líderes empresariais, nasce da diversidade de pensamento. E esse pensamento plural só emerge quando as vozes à mesa representam, de fato, a complexidade do mundo em que vivemos. Não é por acaso que estudos conduzidos por organizações como McKinsey, Deloitte etc revelam que empresas com maior diversidade de gênero e raça em cargos de liderança performam melhor financeiramente e tomam decisões mais sustentáveis a longo prazo. Não é retórica — é estratégia de negócios.

Escolhas do Editor

SETOR PÚBLICO – No setor público, essa lógica se torna ainda mais simbólica. As estatais exercem papel fundamental na estrutura econômica e social do país. Elas não apenas geram emprego e riqueza, mas também representam o compromisso do Estado com determinadas missões de interesse coletivo. Ao assumirem o protagonismo na pauta da diversidade, essas empresas tornam-se espelhos e faróis. Espelhos, porque refletem o quanto o Estado reconhece a necessidade de se aproximar da realidade social. Faróis, porque iluminam caminhos que o setor privado pode e deve seguir. O comércio, por exemplo, como temos observado, é um dos maiores empregadores de mulheres no Brasil. Mas, ainda hoje, grande parte dessas mulheres encontra-se na base da pirâmide organizacional, enquanto os cargos estratégicos continuam majoritariamente ocupados por homens. Essa dissociação entre quem movimenta a base e quem toma as decisões no topo é um sinal de que ainda temos muito a percorrer.

O avanço no setor público, com legislações como o PL 1.246/21, pode servir como provocação para que o setor privado reavalie seus critérios, revise suas práticas e redesenhe seus modelos de liderança. Não se trata de impor quotas no comércio ou na indústria, mas de estimular consciência. Diversidade não deve ser uma obrigação legal, mas uma escolha estratégica. Uma decisão tomada por quem compreende que os desafios do nosso tempo exigem respostas mais inclusivas, sensíveis e inovadoras.

Como conselheira, vejo com frequência como a diversidade nos conselhos faz diferença. Um conselho mais plural é capaz de questionar com mais profundidade, debater com mais riqueza, antecipar riscos com mais clareza e tomar decisões mais equilibradas. Não é uma questão de “ter o olhar feminino”, ou de “dar espaço” — é de incorporar, de fato, experiências distintas na análise dos cenários e na definição das estratégias. A pluralidade não fragiliza a governança. Ao contrário, fortalece. pois estimula a construção coletiva de soluções.

Os investidores estão atentos a boa governança. As novas gerações buscam a efetividade do assunto e sua perenidade. A inclusão, quando feita com autenticidade permite que o mérito floresça em terrenos antes inférteis. Ela reconhece que talento, competência e liderança não estão restritos a um grupo específico. Estão espalhados por toda a sociedade, esperando por oportunidade. Esperando por portas abertas. Esperando por lideranças corajosas o suficiente para desafiar o status quo.

PASSO IMPORTANTE – O PL 1.246/21 pode não ser a solução completa, mas é um passo importante. Ele marca uma postura institucional de reconhecimento do problema. Ele também nos convida a refletir sobre como o setor privado — e, em especial, setores como o comércio, a indústria e os serviços — podem avançar em seus próprios caminhos rumo à inclusão. Não por obrigação, mas por convicção. Não por imposição legal, mas por responsabilidade e visão de futuro.

Diversidade não é apenas um indicador de responsabilidade social. É, acima de tudo, uma escolha consciente de quem quer construir organizações mais legítimas, mais humanas e mais preparadas para o futuro. É uma jornada — e como toda jornada, requer persistência, revisão de rotas e disposição para o desconforto. Mas é também uma jornada possível. E muito recompensadora.

É tempo de fazer com que nossas lideranças também reflitam. É tempo de transformar consciência em prática. E, mais do que isso, de fazer da diversidade um valor que guia decisões e inspira culturas organizacionais. Que o setor público, com suas estatais, continue a dar o exemplo. Que o setor privado, com sua capacidade de inovação, traga a potência da diversidade para o centro de suas estratégias. E que nós, conselheiros, advogados, gestores, cidadãos, sejamos agentes ativos dessa mudança. Porque não se trata apenas de representatividade — trata-se de justiça, de compromisso com um futuro que seja verdadeiramente de todos.

SANDRA COMODARO
Administradora, advogada, conselheira de empresas e fundadora do Grupo Conselheiras.

Voltar ao topo