BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Ricardo Alban, afirmou à reportagem que o Brasil pode aproveitar as oportunidades de comércio no Sudeste Asiático sem abrir mão de novas parcerias com o governo Donald Trump.
Ele defende que o Brasil inclua na mesa de negociação temas relacionados ao etanol, às big techs, aos minerais críticos, além de um acordo para evitar a bitributação de empresas dos dois países. São temas, que segundo ele, não envolvem perda de soberania do país.
“Somos um país que sempre foi friendly [amigável] com o mundo inteiro. Não podemos perder isso do norte. Temos que aproveitar as oportunidades que o Sudeste Asiático pode oferecer, mas é óbvio que também temos que entender, aproveitar e maximizar a parceria com os Estados Unidos”, diz.
No curto prazo, a indústria se alinha à ala do governo e outros setores contrários à adoção de medidas de retaliação à sobretaxa de 50%. Para ele, a medida mais urgente a ser adotada pelo governo para socorrer as empresas é permitir o aumento do prazo máximo dos financiamentos de contrato de câmbio de exportação, principalmente os que já estão em andamento.
“É óbvio que todo mundo sabe que as interferências não comerciais são totalmente inapropriadas, mas é possível manter uma parcimônia, não cair na tentação, e manter o estímulo para uma mesa de diálogo”, diz.
NEGOCIAÇÃO DO ETANOL
No caso do etanol, Alban sugere parcerias tecnológicas entre os dois países para o fornecimento de SAF (combustível sustentável da aviação) para o mundo inteiro. “Temos uma discussão que é o etanol e o açúcar, essa briga longeva que tem entre Brasil e os Estados Unidos. Não pode ser o momento de fazer algo que seja prudente e razoável para todos?”, afirma.
Ele avalia que um acordo nessa área terá que sair da mesa de negociação, principalmente porque o etanol foi incluído na investigação comercial aberta contra o Brasil, vinculada à Seção 301 da lei de Comércio de 1974 dos EUA.
O executivo destaca que os americanos querem a redução da tarifa de importação do etanol para entrar no Nordeste brasileiro. “Nós sabemos que o Nordeste tem custo de produção muito mais alto que no Sudeste do Brasil e tem uma situação de cotas de açúcar do Nordeste que é feito para os Estados Unidos”, diz.
Na abertura da investigação, o governo Trump afirma que o Brasil deixou de lado sua disposição de conceder tratamento praticamente livre de tarifas ao etanol americano e, em vez disso, passou a aplicar uma tarifa substancialmente mais alta às exportações americanas de etanol.
A CNI vai apresentar argumentações aos Estados Unidos na seção 301 em defesa dos produtos brasileiros. “Apresentando argumentos, a gente se habilita a fazer parte do processo, que pode demorar até 12 meses”, diz.
BIG TECHS E ACORDO DE BITRIBUTAÇÃO
O presidente da CNI afirma que é uma evolução natural incluir nas negociações temas relacionados às big techs e um acordo para acabar com a dupla tributação (no Brasil e nos EUA). “Nós não temos até hoje um acordo de bitributação com os Estados Unidos. Isso é interessante para as big techs e para as brasileiras também que operam hoje nos EUA”, afirma
MINERAIS CRÍTICOS
O dirigente diz que na mesa o Brasil tem poder de barganha para parcerias na área de minerais críticos, essenciais para novas tecnologias. “Somos a segunda maior reserva de terras raras do mundo. E olhe que nossa geologia não foi devidamente apurada. Temos muitas regiões sem nem pesquisar.”
Ele lembra que a tecnologia de tratamento de terras raras (conjunto de 17 minerais usados em diferentes segmentos, inclusive em equipamentos militares) é hoje chinesa. “É óbvio que os Estados Unidos estão buscando cobrir essa possível deficiência. Não pode ser feito um trabalho de ambas as partes?”, sugere.
RÚSSIA
Para Alban, o governo brasileiro tem que estar em alerta para o risco de uma retaliação dos Estados Unidos envolver proibições de compras de produtos. Esse é um dos riscos que estão no radar da indústria brasileira. “A posição dos Estados Unidos que foi dada à Rússia foi que, se ela não resolvesse o problema da guerra, eles iriam abrir retaliações que envolveriam quem compra produtos da Rússia. E nós compramos petróleo e fertilizantes, que são muito sensíveis ao agronegócio”, diz.
MEDIDAS
A CNI entregou ao governo uma proposta de medidas para ajudar as empresas que serão afetadas pelo tarifaço, que entrará em vigor no dia 6 de agosto. A entidade pediu a adoção de oito medidas, consideradas prioritárias, mas a entidade reuniu ao todo 32 ações que deveriam ser feitas no enfrentamento do tarifaço.
“Os vencimentos dos contratos estão acontecendo. O que nós pedimos foi dobrar o prazo, já que é muito difícil para certos setores como calçados, móveis e madeiras, frutas e pescados. O prazo máximo hoje é de 750 dias. A medida exigiria uma regulamentação pelo governo. Tem que sair uma regulamentação permitindo que o prazo aumente e uma política de governo pela qual os bancos oficiais façam isso automaticamente. Eu acho que eles teriam interesse, penso que não tem como tirar leite de pedra”, avalia.
SETORES MAIS PREJUDICADOS
Há uma maior preocupação da CNI com as pequenas e médias indústrias, sobretudo no extremo sul do Brasil, que segundo Alban seriam fortemente abaladas. Outro foco de preocupação é com os fabricantes de máquinas e equipamentos. “Existem muitas empresas de médio porte que fabricam máquinas que, na verdade, concorrem com empresas americanas. Apesar do nosso maior mercado ser a China, o maior cliente de manufaturas e produtos semi-industrializados do Brasil são os Estados Unidos.”
Ele cita que, no caso dos calçados e madeiras, há especificidades, como uma produção desenhada para os costumes e hábitos americanos. “Os dois lados estão precisando arrefecer. Para isso, precisaria de sinais de que não existem nem vencedores nem vencidos”, diz ele, que vê chances de novos exceções à tarifa adicional serem aceitas pelo governo Trump.
GEOPOLÍTICA
Para o presidente da CNI, o X por trás do tarifaço é de natureza geopolítica. “Na minha leitura, há essa conotação de expansão do movimento de esquerda na América Latina e de um novo posicionamento americano com relação à economia mundial em relação à dominância econômica da China um pouco acima do que gostariam”, diz. Uma situação que, segundo ele, deve exigir parcimônia. “Nós temos um ano eleitoral. Não tem como fugir dessa realidade. Olha o que aconteceu com um aperto mais forte que o governo americano deu em plena eleição do Canadá”, alerta.
SEM RETALIAÇÃO
O presidente da CNI diz que a tônica do governo Lula de não retaliar os EUA pelo tarifaço deve continuar. Ele diz que uma retaliação significaria, na prática, incluir uma série de setores que não exportam para os Estados Unidos, mas importam produtos americanos. “Nós precisamos comprar às vezes alguns insumos para produzir aqui no Brasil e sermos competitivos na própria comercialização desses produtos no Brasil ou para exportação para outros países”, explica.
FORÇA-TAREFA
Por meio das federações estaduais, a CNI está mapeando as indústrias que vão precisar de ajuda contra o tarifaço. A avaliação é que também será necessário fazer uma requalificação tecnológica para as empresas buscarem novos mercados. “É diferente você pegar um produto que atende normas e especificações de um mercado para atender normas de outro. Isso demanda tempo.”