SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O anúncio de Donald Trump de “pesadas tarifas” sobre semicondutores e chips foi, na verdade, uma isenção para a Apple, que tem 33% de seus fornecedores sediados em território chinês, diz Brian McCarthy, o fundador da Macrolens, consultoria estratégica especializada em China.
Isso porque o presidente americano disse que quem investisse nos Estados Unidos estaria isento, e a fabricante do iPhone anunciou um investimento de US$ 100 bilhões.
“A China foi a grande vencedora do anúncio, já que a maioria dos semicondutores e produtos derivados é exportada por meio de multinacionais, que podem facilmente fazer algum compromisso de investimento para obter a isenção da tarifa sobre semicondutores”, afirmou o especialista.
Os EUA atualmente investigam o setor de semicondutores, e o resultado desse trabalho deve motivar as tarifas de “quase 100%” mencionadas por Trump. Sobretaxas a esses componentes eletrônicos teriam efeitos sobre cadeias produtivas de carros, smartphones, computadores, entre outros itens.
“Com a declaração de Trump, a China ganhou um caminho para se esquivar”, avalia McCarthy.
Nesse cenário, os semicondutores chineses pagam tarifas menores do que os indianos.
A atual alíquota da Índia é de 25% sem isenções definidas e pode subir para 50% em três semanas, se o governo de Narendra Modi não parar de comprar petróleo russo.
As tarifas chinesas sobre semicondutores e produtos derivados, incluindo telefones celulares e equipamentos de computador, estão atualmente isentas da tarifa base de 10% para a China e sujeitas apenas à tarifa de 20% por causa do tráfico de fentanil.
“Como a maioria dos chips e semicondutores também foi isenta das tarifas aplicadas entre 2018 e 2019, acabam recebendo apenas 20% -por isso, custa menos para a Apple importar da China do que da Índia neste momento”, afirmou o consultor.
Como reflexo da guerra comercial promovida por Trump, a fabricante do iPhone, que hoje é a big tech mais dependente das fábricas chinesas, estava deslocando parte de sua cadeia de produção para a Índia.
Projeção do banco Goldman Sachs indica que a maioria dos iPhones vendidos nos EUA no terceiro trimestre deste ano deve sair de território indiano, com o restante originário de fábricas chinesas. Em seu último balanço, a Apple estimou um prejuízo de US$ 900 milhões no período por causa das tarifas.
Para McCarthy, no entanto, o movimento da Apple, no longo prazo, ainda é justificável, uma vez que a disputa tecnológica encampada por Trump é contra a China. “Um acordo com a Índia deve se resolver no futuro próximo, e ainda há outros riscos relacionados ao regime chinês.”
O analista-chefe da Investing.com, Thomas Monteiro diz que o principal problema no momento é a ausência de critérios objetivos para apontar quem será tarifado. “Tampouco está especificado se basta investir nos EUA, ter promessa de investimento, ou investir uma quantia específica na indústria americana.”
Nesta quinta-feira (7), as maiores empresas fabricantes de chips e semicondutores já anunciaram que estão isentas da medida, pelo menos em um primeiro momento.
Embora não tenha operação nos EUA no momento, a taiwanesa TSMC, que imprime 67% dos chips feitos no mundo e abastece Nvidia, Apple, Google, entre outras empresas, já se comprometeu a investir US$ 165 milhões no país de Trump.
A Samsung, por sua vez, tem uma fábrica de semicondutores em Austin, no Texas. O principal encarregado de comércio da Coreia do Sul nos Estados Unidos, Yeo Han-koo, disse nesta quinta-feira (7), que a outra fabricante de chips coreana Sk Hynix também está investindo “bilhões de dólares” nos Estados Unidos. Cada uma das duas empresas tem cerca de 4% do mercado.
Singapura, Malásia e Europa que têm zero produção nos Estados Unidos, além de pouca condição de levar investimentos para território americano, diz Monteiro, do Investing.com.
“O risco principal recai sobre as empresas que produzem semicondutores em nichos mais específicos, são menos estratégicas e não têm poder ou interesse de trazer investimentos aos EUA, pois seus modelos de negócio dependem justamente de não estarem nos Estados Unidos”, afirma Monteiro.
De acordo com o Financial Times, por pressão de Trump, a Apple já deve trocar o fornecedor dos sensores usados em suas câmeras para a Samsung, porque a Sony não tem unidades de produção nos Estados Unidos nem planos de investimento para o território americano. A tecnologia deve estar presente no iPhone 18, cujo lançamento está marcado para o fim deste ano.
Com isso, as grandes empresas do setor ganham uma chance de consolidar sua dominância sobre o mercado, por terem maior poder de negociação devido à atual dependência das empresas americanas por elas. As ações da TSMC, por exemplo, apresentavam alta de 4,32% nesta quinta após o anúncio de que não seria afetada pelas taxas.
Segundo Monteiro, Trump pretende usar as tarifas para trazer parte das cadeias produtivas para território americano a fim de ter mais controle sobre a tecnologia, durante uma disputa tecnológica pela liderança em inteligência artificial e computação avançada.
“Ainda que possa de fato haver um aumento de investimentos nos EUA, na contramão da atual tendência, a complexidade da cadeia global de suprimentos e o quase monopólio dessas empresas tornam a autossuficiência americana muito distante da realidade”, afirma.
Trata-se de um setor com vários pontos de concentração. A holandesa ASML, por exemplo, fabrica entre 80% e 90% das máquinas de fotolitografia usadas na impressão de chips e também não tem uma planta sequer nos Estados Unidos.
O presidente americano, diz o analista, minimiza a alta dos preços de produção para colocar a questão estratégica em primeiro plano. “Nesse sentido, de fato ter controle da produção por si só transcende o problema dos custos mais altos de se produzir dentro dos EUA.”
“Trump aplicou um golpe mais enfático, mas ainda é parte de uma luta de 12 rounds, uma batalha que já vem sendo e continuará sendo travada”, avaliou.