“E o futuro é uma astronave
Que tentamos pilotar
Não tem tempo, nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença, muda a nossa vida
E depois convida a rir ou chorar”. (Aquarela, Toquinho)
Agentes políticos operam constantemente sob incerteza, o que explica o conservadorismo dos dirigentes na produção das políticas públicas e estratégias eleitorais. Afinal, se espera que o mecanismo eleitoral sirva como corretor para erros dos tomadores de decisão. Governou bem se reelege; governou mal é vitória da oposição. Tal como no mundo dos negócios, há líderes políticos que rompem o gradualismo do mundo democrático e adotam uma postura disruptiva em suas escolhas de políticas públicas. Trump para o bem ou para o mal parece ser um desses líderes. O republicano se declarou o presidente americanos “mais bem sucedido da História” com pretensões de alterar a ordem internacional gestada pelo próprios Estados Unidos após a segunda guerra mundial.
O sucesso e as consequências do desmanche do “globalismo” promovido “inteligente não, genial”, nas palavras do próprio Trump sobre, si mesmo, é condicionado às variáveis internas e domésticas. Em comum, será a resiliência do mecanismo democrático condicionante do trumpismo na seara internacional. A tendência centralizadora do Trump e seus apoiadores é cada vez mais explícita e segue a cartilha dos líderes com pouco apreço à democracia e apego ao poder. A agenda republicana passa pelo uso de exceção do aparato de violência do Estado, mudanças na legislação eleitoral até pressão em órgãos da burocracia estatal e de empresas privadas não alinhadas com o movimento Make America Great Again (Maga).
Alguns apoiadores mais empolgados até falam em caminhos jurídicos para a conquista de um novo mandato. As instituições judiciais americanas não parecem ser suficientes para controlar o centralismo de Trump. O segundo mandato de Trump bate recordes no uso dos decretos executivos, instrumentos unilaterais de política, sem nenhuma restrição. Trump só perde do mandato Roosevelt, recordista no uso dos instrumentos devido ao conflito da 2ª Guerra Mundial. O republicano declarou estado de emergência por conta das práticas comerciais e econômicas, o que abriu espaço para as mudanças tarifárias sob a roupagem da lei de emergência internacional, o que lhe permite driblar as casas legislativas na execução da sua política comercial.
A popularidade do Trump está em dissonância com a confiança do presidente americano no seu trabalho. De acordo com a pesquisa mais recente do instituto Gallup, a avaliação positiva do governo é de apenas 37% do eleitorado; entre os eleitores independentes esse número é de 29%, o que antecipa a perda de maioria das cadeiras dos republicanos nas eleições de meio de mandato, salvo alguma mudança na legislação eleitoral com impacto na distribuição dos distritos eleitorais e no comparecimento eleitoral. Dito de modo mais direto: Trump poderia fabricar a maioria legislativa por alterações institucionais.
A extensão das mudanças na nova ordem internacional é também resultado do poder de atração americana no uso dos seus recursos de poder. Em geral, os analistas inferem a força de um ator político nas relações internacionais por meio da combinação entre força econômica, militar e influência internacional. Por ora, a distribuição das preferências nas principais democracias não é muito animadora para os formuladores da política externa do segundo mandato. Os números do Pew Research mostram que 62% das pessoas distribuídas pelas maiores democracias e grandes economias, não confiam em Trump. Esse número atinge 91% entre os mexicanos e 77% entre canadenses. A rejeição de Trump é alta também na Argentina (62% de desconfiança), mesmo com o governo de direita liderado por Milei.
O caso brasileiro e outros mostram que uma estratégia do trumpismo é influenciar a política local com o objetivo de fortalecer a rede antiglobalista nas demais democracias. O conservadorismo é muito mais eficiente em ultrapassar as fronteiras nacionais do que a esquerda. De fato, quando analisada a confiança de Trump entre os apoiadores dos partidos conservadores (Fraternidade Itália, Chega, Vox, Alternativa para Alemanha), o cenário é diverso; Trump traduz um movimento que não se resume ao caso americano e se alimenta do sentimento de decepção com a democracia. Os números mostram que 58% dos eleitores mesmo no mundo desenvolvido não estão satisfeitos com o desempenho das instituições políticas.
A ideia é que a nova ordem internacional que sairá desse revisionismo de Trump seja marcada não mais pelo ideário liberal, mas sim pelo conservadorismo de corte nacionalista. O Brasil não deverá passar impune dessas transformações e incerteza na balança de poder mundial. Se unilateralismo ou uma nova Guerra Fria, o mandato Trump e o realinhamento dos países afetam a maneira como o Brasil irá construir sua política externa. A estratégia de política internacional deve ser mais um espaço de profunda incerteza na política externa brasileira, com potencial impacto para a atividade econômica.
O tarifaço imposto por Trump ao Brasil acentuou a polarização política no país. Tal como os principais temas do debate público, a percepção da política externa deve separar cada vez mais governos de esquerda e direita, ampliando o tipo de risco político para a economia brasileira.
Em 2026, iremos descobrir se choraremos ou haverá espaço para sorrisos.
RAFAEL CORTEZ
Doutor em Ciência Política (USP), professor do IDP-SP e sócio da Tendências Consultoria.