[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Manoel Kherlakian Neto, 80 anos completados em maio, ri ao lembrar de seus primeiros passos como lojista de calçados. Foi em 1970, aos 25, na rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo. “Descobri que indústria e loja não tinham nada a ver”, afirmou. Ele havia passado dez anos na Makerli, fábrica mantida pelo pai e três tios. Sem experiência no varejo, comprou dois pares número 42 para crianças. Achou que nunca iria vender. “Era uma botinha ortopédica. Um dia entrou um hippie e comprou. Fiquei tão feliz!” Experiência não falta mais: 55 anos depois, o empresário comanda uma rede de 48 lojas, 33 na capital, com 900 funcionários, registrando vendas de 300 mil itens por mês – eram 1 mil no começo. Agora, ele pretende abrir as primeiras fora do estado de São Paulo. “Temos a tem intenção de expandir. Qualquer município com mais de 100 mil habitantes tem viabilidade”, disse. O leque ainda é amplo: de 338 cidades com população acima desse número (estimativas de 2025 do IBGE), 259 estão em outros estados. Ele dá pistas. Destaca o desenvolvimento do agro e a abertura de novos polos econômicos no país. Mas o que dá mais satisfação a ele, hoje, é o centro de treinamento mantido na sede administrativa – duas turmas de gerentes são formadas por ano. “Não trabalho mais por dinheiro. Acho que tenho uma missão. O que me dá prazer é desenvolver pessoas.”
Ele mesmo queria se desenvolver. Depois de trabalhar dos 14 aos 24 anos na fábrica – “Passei por todas as áreas da indústria. Meu primeiro trabalho foi cuidar do lixo” –, disse ao pai que não se sentia bem, que queria ter vida própria. E foi abrir seu negócio, com um de seus irmãos, Marcos – Manoel é o mais velho de seis. “Abria e fechava, minha mesa de almoço era a prateleira.” Três anos depois, inaugurou a segunda, também na Teodoro. Ao mesmo tempo, fazia o curso de Direito na PUC: “Fechava a loja e ia para a faculdade”. Um dilema parecia surgir: advogado ou comerciante? Mas ele nunca teve dúvida. “Acho que eu já ouvia falar de sapato desde o útero da minha mãe. Nunca pensei em outra coisa”, disse. “Quando me formei em Direito, já tinha duas lojas”, afirmou. Dois dos três filhos não escaparam. Gabriela, 48, e Gustavo, 46, também trabalham na Pontal. A caçula, Carolina, 44, psicóloga, mora nos Estados Unidos. Foram essas credenciais que garantiram à Manoel o Prêmio Empresário de Valor 2025, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), como destaque empresarial da distrital Pinheiros da capital paulista.
E por que Pontal? A ideia foi do fundador, ao pensar na ponta de areia que encosta no mar. Ele sempre gostou do mar. Nasceu em Santos, litoral sul paulista. Mas nem chegou a pôr os pés na areia – nasceu ali por acaso. Sua mãe, Areknas, estava na cidade litorânea quando Manoel chegou, prematuro, com pouco menos de oito meses de gestação. Ela estava com 17 anos. Havia se casado com Fuad em 1944. Os dois vieram da Armênia – ele aos 4 e ela, aos 2 –, mas se conheceram no Brasil. Suas famílias fugiam da violência que os armênios atribuem aos turcos, ainda no período do Império Otomano, no início do século 20. “Mataram a família inteira do meu avô materno. Só ficou ele.” Manoel Kherlakian Neto chegou a São Paulo sete dias depois de nascer. Veio com a mãe de trem. “Não tinha combustível, por causa da guerra.” A Segunda Guerra Mundial estava se aproximando do fim.
TECNOLOGIA – Do estoque de aproximadamente 1 milhão de itens, as principais linhas, segundo o empresário, são de calçados femininos (principalmente vindos do Rio Grande do Sul) e tênis. Depois, masculinos (de Franca, interior paulista) e infantil. Nos últimos dias, a empresa fechou negócio de aquisição de 40 mil bolsas. “É uma linha que está evoluindo bastante”, afirmou. Ele calcula ter 40 fornecedores ativos. “Muitos foram do Sul para o Nordeste, por causa de incentivo fiscal.”
É preciso, também, saber se adaptar ao mercado. “As mulheres, por exemplo, usavam tênis mais para praticar exercícios. Hoje, usam no dia a dia.” E há também os sapatênis, que além de confortáveis “entraram na moda”, como ele diz. “O que mudou muito no sapato foi a questão do conforto. A tecnologia é surpreendente. Aquele sapato duro acabou.” É por isso, segundo Manoel Kherlakian, que muitas indústrias fecharam. “As que investiram em tecnologia cresceram muito rápido. Ou o sapato é confortável ou a gente não trabalha.” A Pontal tem oito compradores, cada um com sua especialidade.
Ele dá expediente no escritório, localizado na Zona Norte da capital, mas gosta de andar pelas lojas. Percebeu, e passou adiante, que o segredo não é vender o produto a todo custo. A primeira regra do comprador, ensina, é conhecer seu cliente. “Desde o primeiro dia eu sabia que se o cliente ficasse satisfeito, ele voltava. A venda é consequência do trabalho.” Outro ensinamento da experiência e, por que não, da vivência: “O empresário precisa ter uma capacidade de adaptação muito grande. Uma coisa nunca deve mudar: princípios”, afirmou, com ênfase. “Jamais deve mudar.”
Manoel Kherlakian ouviu de seu pai, um dia, a seguinte pergunta: “Onde você quer chegar?” Respondeu com simplicidade: “Não sei, só quero trabalhar”. Hoje, ele diz que tem uma missão. O que mais parece agradá-lo é ver gente crescendo dentro da empresa. Muitos permaneceram lá a vida inteira – a secretária anterior, que se aposentou, trabalhou com ele por 50 anos. Ao mostrar as instalações, ele abre a porta do centro de treinamento e encontra Raul, 39 anos de Pontal, dando aula aos futuros gerentes. Pede licença e se posiciona entre eles. Entre os atuais oito compradores, dois eram estoquistas – ou seja, deram seus primeiros passos lá dentro. É o que Kherlakian mais gosta de fazer, acompanhar o crescimento dos funcionários. Outros prazeres são mais particulares: “Viajar. E ficar com meus netos”. Ele tem seis, de 7 a 18 anos “É tão bom ficar com jovens…”