ARTIGO, por Rafael Cortez: "'Química' entre Trump e Lula abre espaço para diplomacia presidencial"

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"Em tempos de polarização, a fala de Trump já impactou a cena política doméstica"
(Ricardo Stuckert/Agência Brasil)
  • "A particularidade política do problema diplomático Brasil-EUA era o tímido espaço para a diplomacia presidencial. Agora abre-se uma janela"
  • "Trump dá oportunidade para Lula corrigir o erro de ignorar os benefícios da proximidade com Trump, que flerta com a política narcisista"
Por Rafael Cortez | colunista

A crise nas relações diplomáticas Brasil e EUA se tornou uma peça-chave da corrida presidencial, ocupando espaço privilegiado no debate político. A interferências na soberania do Estado brasileiro levada a cabo pelo presidente americano, Donald Trump, trouxe o elemento nacionalista que estava distante da esquerda brasileira. Os ataques deram a oportunidade de um “inimigo externo” como elemento de coesão social, movimento bastante comum em época de crises. As guerras (e a pandemia) costumam, ao menos, no primeiro momento elevar a popularidade dos líderes. A oposição, por sua vez, apostou na crise com os EUA como uma nova arma para criticar o governo e o presidente Lula, seja na versão bolsonarista que se mobiliza por novas punições aos agentes políticos no Brasil, ou na versão “light” do Centrão, marcada pela tentativa de responsabilizar o presidente Lula pela falta de diálogo com os EUA.

A particularidade política do problema diplomático Brasil-EUA era o tímido espaço para a diplomacia presidencial. A falta de diálogo não deveria causar muita estranheza, dado que uma parte relevante do núcleo político trumpista se alimenta de críticas à esquerda e busca influenciar a dinâmica política do país vizinho. O presidente Lula, por sua vez, alimentou tal rivalidade ao manifestar preferências pelos democratas na disputa contra Trump. Além disso, a agenda de Trump é inversa à política externa de Lula: o americano quer tomar o lugar da ONU; Lula quer reforçar o multilateralismo.

O encontro da Assembleia Geral da ONU, nesse sentido, trouxe a janela de oportunidade para esse encontro presidencial. Trump, em movimento inédito, fez elogios ao presidente Lula – nas palavras do mandatário norte-americano, eles tiveram “uma química” ao menos por “39 segundos” – Trump disse que Lula pareceu ser um “homem muito legal”, e que, por algum momento, se sentia mal com as críticas ao Brasil que, em sua visão, explorou historicamente os EUA ao praticar uma política comercial injusta.

Escolhas do Editor

A citação direta ao Brasil na fala de Trump parece ser resultado da estratégia do petista, que escreveu um artigo publicano no New York Times que, além da ênfase no caráter inegociável da democracia soberania nacional, abriu as portas para o diálogo com os EUA. Os elogios ao presidente Lula precisam ser lidos com cautela: Trump enxerga o Brasil como fora da sua zona de influência. Nas suas palavras: “lamento muito dizer isso: o Brasil está indo mal e continuará indo mal. Eles só conseguem se sair bem quando trabalham conosco. Sem nós, eles fracassarão, assim como outros fracassaram”.

A nova paz americana, contudo, não é construída com base na cooperação multilateral tal como a ordem mundial pós-Segunda Guerra Mundial. A estratégia parece ser negociar acordos caso a caso; nesse caso Trump oferece a “mão da liderança e da amizade americanas para qualquer nação, nesta Assembleia, que esteja disposta a se juntar a nós na construção de um mundo mais seguro e próspero”. Acordos só entre os que seguirem a liderança americana, o que não parece ser a estratégia brasileira.

O jogo entre EUA-Brasil parece ter entrado em nova fase, marcada pela possibilidade de que a diplomacia presidencial crie uma janela de oportunidades para o governo brasileiro contar uma história diferente daquela divulgada pelo conservadorismo brasileiro nos EUA. Curiosamente, Trump dá uma oportunidade para Lula corrigir o erro de ignorar os benefícios da proximidade com Trump, um líder que tem flerte íntimo com a política narcisista. Se Lula estava aberto ao diálogo, a oportunidade se abriu.

O tipo ideal para a comparação dos efeitos da diplomacia presidencial é do presidente russo, Vladimir Putin. Trump nunca escondeu sua admiração pelo centralizador Putin e, mais do que isso, tomou essa relação pessoal como oportunidade para encerrar o conflito na Ucrânia. A parceria, contudo, rendeu poucos frutos concretos; ao contrário, Putin aumentou os ataques em território ucraniano durante o período de negociações e sistematicamente negou o tão almejado cessar-fogo.

Em tempos de polarização, contudo, a fala de Trump já impactou a cena política doméstica e, mais uma vez, o cenário é positivo para a campanha de reeleição. Além do material que circula em redes sociais com a fala do Trump, a divisão no campo da direita deve ficar ainda mais acentuada. O presidente norte-americano afirmou que só faz negócio com quem ele gosta; resta a Lula a chance de fazer um bom negócio para a economia brasileira. No plano político, o petista parece ser o vencedor.

RAFAEL CORTEZ
Doutor em Ciência Política (USP), professor do IDP-SP e sócio da Tendências Consultoria.

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