ARTIGO, por Marcelo Candido de Melo: "Nem os paranoicos sobrevivem! Saúde mental é questão fundamental"

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Seu concorrente tem rede social. Seu aliado também. Não exagere na comparação online, ou você surta
  • "Se reconheço os aspectos positivos do avnaço tecnológico, não posso deixar de apobtar também o estrago que elas causam na saúde mental"
  • "Nem todo o brilhantismo de Grove foi capaz de segurar a Intel no topo. Os mercados são dinâmicos, é preciso saber ganhar e perder"
Por Marcelo Candido de Melo | colunista

Talvez você nunca tenha ouvido falar de András István Gróf, nascido em Budapeste no ano de 1936, dezoito anos após o Império Austro-Húngaro sair derrotado e dividido da Primeira Guerra Mundial. O início de vida do garoto não foi nada fácil, aos quatro anos uma escarlatina severa causou uma deficiência auditiva importante para o resto da vida. De família judia conseguiu se esconder com a mãe por meio de identidades falsas. O pai foi detido num campo de trabalhos forçados, mas conseguiu sobreviver e juntar-se à família depois do final da Segunda Guerra. Em 1949 a Hungria fez um acordo com a União Soviética e quando a população insatisfeita tentou mudar a situação em 1956 os soviéticos depois de um recuo, entraram com força total. A família de András conseguiu fugir e chegar nos Estados Unidos em 1958 onde ele adotaria o nome de Andrew Stephen Grove. Se você continua não sabendo quem ele é só existem duas alternativas: ou é jovem demais ou uma espécie de neoludita, desiludido com a evolução tecnológica.

Andy Grove fez engenharia química em Nova York e em 1963 concluiu seu PhD na área pela Universidade da Califórnia em Berkley, ano em que Jacques Lacan concluía o seu seminário sobre a angústia. Grove saiu da universidade e foi para a indústria de semicondutores onde trabalhou na Fairchild Semicondutores até 1968, quando resolveu acompanhar dois antigos sócios dessa empresa que fundaram a NM Electronics. Grove foi a terceira pessoa, depois de Bob Noyce e Gordon Moore, a trabalhar para a Integrated Eletrocnics, que logo se tornaria conhecida pelo nome de Intel. Se Noyce tinha coinventado os circuitos integrados e Moore cunhou uma “lei” que carregava seu sobrenome e perdurou por quase 60 anos, uma eternidade na indústria de tecnologia – e dizia que o número de transistores dobraria a cada dois anos num microprocessador resultando numa melhoria exponencial de desempenho –, Grove foi um líder emblemático.

Considerado pela revista Time em 1997 como a pessoa do ano e em 2004 pela Wharton Business School, a “pessoa de negócios mais influente dos últimos 25 anos”, Grove liderou a fase áurea de crescimento da empresa, Intel inside era um slogan fortíssimo e um diferencial dos melhores computadores. Algo que não era aparente tornou-se uma espécie de símbolo de status. Em 1999 tentei publicar a tradução brasileira de seu best-seller Só os paranoicos sobrevivem. Não tive cacife para tanto. Como empreendedor eu entendia e compartilhava do conceito. Meio século depois, ouvindo pessoas no consultório e refletindo sobre a saúde mental tenho outra opinião sobre o título que era uma espécie de mantra de negócios daquele líder que talvez não previsse que a velocidade que seus chips possibilitariam poderia impactar gravemente as pessoas.

Se reconheço os aspectos positivos do enorme desenvolvimento tecnológico e velocidade que vivenciamos nesse período, não posso deixar de apontar o estrago que também causaram e seguem causando na saúde mental das pessoas. E essa saúde mental ainda é impactada por excessos da indústria médica e farmacêutica que podem ser importantes parceiros da psicanálise, mas que não poucas vezes esquecem que é importante respeitar a singularidade de cada um, o olhar individual defendido desde Freud. Se olharmos para a Intel hoje, é possível dizer que os paranoicos não sobreviveram. Não pelo menos sem a injeção de bilhões do tesouro americano, o que parecia improvável num país liberal, não sem a entrada no quadro societário de uma concorrente fundada em 1993 que passou a liderar o ranking mundial, a Nvidia, não sem também ser ultrapassada pela Samsung, a vice-líder.

De um modo geral uma crença persecutória é a característica definidora central da paranoia para os leigos. Talvez Grove trouxesse isso dos perigos do seu passado e intuísse o quão competitiva era sua indústria. No fundo, todo negócio enfrenta concorrência ferrenha, quase todo, nem mesmo a tecnologia tem feito concorrentes sentarem e combinarem preços e participações, sempre alguém aparece e fura essa proteção e quer ganhar mercado, isso é saudável até um certo limite.

Para a psiquiatria, a paranoia é uma síndrome identificada por sintomas de delírios de perseguição, ciúme, grandeza ou outros tratada muitas vezes com antipsicóticos. Para a psicanálise, é uma estrutura classificada dentro das psicoses, que também englobam a esquizofrenia e a melancolia, e para os lacanianos é o modo como o sujeito se posiciona diante do outro, da linguagem e da castração simbólica, e nesse caso ouve a foraclusão do Nome-do-pai. Fora o que? Nome de quem? Não é tão complicado quanto parece. É quando não se apresenta a dita função paterna, uma função simbólica que introduz a lei e a castração, para se entender que sempre haverá uma falta, possibilitando um afastamento fusional com a mãe para a entrada do desejo da própria pessoa, não deixando a mesma sem limite e organização desse desejo, sem o simbólico para fazer a mediação e impedir os delírios e alucinações. Pelo menos em grau elevado e constante. O sofrimento é grande, não que neuróticos e perversos também não sofram, sofrem e muito e por isso é que a psicanálise pode ajudar, assim como a psicologia, a psiquiatria e outras ferramentas. Procure ajuda, não se isole, não se envergonhe!

Nem todo o brilhantismo de Grove foi capaz de segurar a Intel no topo. Os mercados são dinâmicos, é preciso saber ganhar e perder, é preciso saber recomeçar, mas nesses dias de elevado grau de influência das redes sociais e das tecnologias na vida das pessoas, um chefe botando mais pilha ainda e ligando o foda-se para a tentativa de equilíbrio emocional da equipe prejudica e muito. Não se abale com o post do inimigo, menos ainda com o do amigo, cuidado com a acelerada que a vida realtime e online dá. Talvez fosse melhor que o livro dele se chamasse, Todos morreremos, mas os neuróticos sofrem um pouco menos? Porque como cantava Caetano em Vaca profana: “de perto ninguém é normal!” Cuide-se!

MARCELO CANDIDO DE MELO
Escritor e psicanalista, é graduado e pós-graduado em administração pela EAESP-SP da FGV. Atuou na área de marketing de grandes empresas nacionais e multinacionais antes de empreender no mercado editorial. Sua editora alcançou bastante sucesso e foi adquirida por uma multinacional. Já escreveu 18 livros em seu nome ou como ghost-writer. Dá atenção especial à produção ficcional. Também já fez roteiro de documentário. Nos últimos anos mergulhou numa formação em psicanálise e desenvolve atividade clínica. 

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