SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Estimuladas pelo Plano Diretor de 2014 para dar vida ao térreo dos prédios com cafés, farmácias e serviços que gerariam movimento nas ruas de regiões adensadas de São Paulo, principalmente as próximas de estações de metrô ou corredores de ônibus, as fachadas ativas se transformaram em dor de cabeça para o mercado imobiliário.
Dez anos depois, esses espaços acumulam taxas de vacância de até 80% em alguns eixos nobres da capital, de acordo com levantamento da Associação Comercial de São Paulo. A consultoria CBRE indica números semelhantes: em regiões como o Ibirapuera (zona sul), o índice chega a 70% e na avenida Rebouças fica em 64%.
Especialistas apontam que o antídoto contra paredões que aumentam a sensação de insegurança na capital paulista tem falhado porque o mercado precifica errado, projeta mal e terceiriza custos para o lojista.
“No apartamento, o mercado encontrou o preço. Já na fachada ativa, o incorporador ainda precifica como se fosse residencial”, afirma Avraham Dichi, CEO da Bayit, plataforma de leilões.
O erro começa com incorporadoras oferecendo as lojas de fachada ativa como se fossem apartamentos, com metro quadrado calculado no padrão residencial, mas com renda de varejo.
“A loja vale a renda que ela produz”, afirma Ricardo Zylberman, sócio e diretor operacional na Magik LZ Empreendimentos Imobiliários, que tem dezenas de lojas em fachadas ativas dos seus residenciais e nenhuma vacância. Ele foi um dos consultados pela associação comercial para o levantamento.
Segundo o empresário, o investidor precisa considerar que o valor final que o varejista pode pagar depende do quanto ele fatura, considerando aluguel, condomínio e IPTU. “Falar que a loja ‘vale mais do que o residencial’ não é regra, às vezes vale menos, pois é preciso olhar a região de mercado para cada tipo de comércio”, ele diz. Para ele, a falta de uma assessoria de varejo impede que o incorporador entenda “por quanto aluga, qual o valor factível”.
A desconexão de valores fica evidente em leilões que recebem as fachadas ativas paradas. Dichi conta que em leilão realizado pela Bayit, cinco unidades de uma mesma incorporadora foram ofertadas por valores em torno de R$ 8.000 o metro quadrado. Nenhuma recebeu lances, embora cada uma tenha tido mais de 1.600 visualizações. Em termos de comparação, ele afirma, no mesmo período, um apartamento da mesma incorporadora atraiu 50 ofertas e foi arrematado por R$ 3,5 milhões.
Dichi afirma que a plataforma já negocia com incorporadoras leilões estruturados desde o lançamento dos empreendimentos. Na tentativa de reduzir estoques encalhados, a Bayit planeja ainda uma “Black Friday das fachadas ativas”. A campanha pretende testar valores para descobrir como precificar os ativos. A ideia é iniciar as ofertas a partir de R$ 4.500 o metro quadrado em bairros fora do eixo tradicional, como Morumbi e Freguesia do Ó, na zona oeste.
Outro tropeço está no desenho. A legislação da capital paulista criou a fachada ativa dispensando a parte comercial do coeficiente de aproveitamento do terreno e permitindo até 20% a 50% de área adicional construída sem pagar outorga extra. Porém, segundo os especialistas, não houve estratégia e muitos espaços foram tratados como sobras do projeto, entregues com pé-direito baixo, falta de área para carga e descarga e sem ventilação ou infraestrutura para restaurantes e serviços.
Para piorar, a legislação engessa: proíbe loja com segundo andar e limita vagas de garagem, inviabilizando usos que poderiam atrair fluxo, como supermercados e farmácias.
“Se vai fazer loja, faz direito”, diz Zylberman.
Segundo o incorporador, ter uma loja em fachada ativa exige infraestrutura robusta. A entrada de energia, ele diz, “tem que ser parruda”, para suportar diversos tipos de comércio. O piso precisa de reforço, para que seja possível receber uma academia –que atrai movimento e público para as demais lojas da fachada. Se a ideia é alugar para uma lanchonete ou restaurante depois, o espaço tem que ter exaustão já planejada, com dutos externos que evitem problemas com o residencial, como cheiro e gordura.
O modelo jurídico agrava o quadro. Inseridas no mesmo condomínio dos prédios residenciais, muitas fachadas ativas acabam arcando com despesas comuns, como manutenção de jardins ou segurança externa, que não têm relação direta com o comércio. Corre-se o risco de que o custo operacional fique inflacionado se não houver uma separação jurídica adequada.
Um painel de especialistas que reuniu incorporadores, arquitetos e gestores de investimento em São Paulo concluiu que as fachadas ativas “vieram para ficar” na capital, mas sua efetividade depende de projeto, governança e operação bem estruturados.
“Quando você forma um mix coerente, o imóvel se torna atrativo não apenas para lojistas, mas também para fundos e investidores que buscam renda estável” Júlia Botelho, sócia fundadora da Matchpoint Real Estate, que promoveu o encontro junto com o GRI Institute.
Júlia enfatiza que o térreo não pode ser tratado como um “espaço acessório”, mas sim como parte integrante da estratégia econômica do empreendimento, pois, para o mercado financeiro, a fachada ativa é vista como um ativo estratégico que contribui para o valor patrimonial e a liquidez do imóvel.
Ela defende o uso de projetos de retrofit como oportunidades para reintroduzir fachadas ativas, especialmente em áreas consolidadas que perderam vitalidade urbana. “Muitos edifícios antigos possuem térreos amplos e com boa estrutura física, o que permite reabrir o nível da rua para o público com intervenções relativamente simples”, diz.
“No centro de São Paulo, por exemplo, o comércio de rua e a mistura de usos criam um ambiente naturalmente favorável à ativação dos térreos”, afirma Júlia.
A empresária afirma que o desafio atual é requalificar fachadas inativas, adaptando-as para novos formatos, como pequenas conveniências, coworkings, academias ou serviços compartilhados, que dialoguem com o perfil do entorno e sustentem fluxo real de pessoas.
Para os especialistas, experiências bem-sucedidas mostram que o segredo é tratar a fachada ativa como ativo de varejo desde o início, entendendo que a loja não sobrevive do prédio que está em cima, mas do adensamento da região.
Rafael Daher Sevieri, fundador da Vinx Incorporadora, afirma que quem produz fachada ativa só pelo benefício, tende a ter um problema. “No entanto, quem faz fachada ativa pensando no público local tem mais facilidade de venda”, diz.