ESPECIAL Comércio Histórico. Sakura faz 85 anos, amplia fábrica e deve fechar o ano com R$ 400 milhões de receitas

Uma image de notas de 20 reais
Renato Nakaya, presidente do conselho da Sakura. Empresa detém 75% do share no mercado de shoyu
(Andre Lessa / Agência DC News)
  • Renato Nakaya, segunda geração da família no comando do grupo, quer elevar a exportação de shoyu, missô e temperos de 9% para 30% da receita
  • Empresa investe US$ 31 milhões para ampliação de fábrica, que deve adicionar 200 mil litros de shoyu por mês aos 620 mil pontos de venda
Por Bruno Cirillo

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Fundada em 1940, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, a Sakura nasceu em um contexto adverso para a comunidade japonesa no Brasil. A família Nakaya, que desembarcou no Porto de Santos em 13 de maio de 1932, depois de 50 dias de viagem, foi para uma fazenda na cidade de Promissão, no interior de São Paulo. Seus primeiros passos em direção ao empreendedorismo se deram dentro da própria comunidade, que crescia exponencialmente durante as primeiras décadas do século 20.  O shoyu e o missô, hoje amplamente incorporados à alimentação brasileira, eram então restritos às famílias imigrantes, que enfrentavam preconceito, isolamento cultural e desconfiança em relação aos hábitos orientais. Durante as primeiras décadas da empresa, o consumo desses alimentos permaneceu limitado, e a própria continuidade do negócio chegou a ser colocada em dúvida pela família Nakaya. Mas o jogo virou. Em 2025 a empresa deve crescer 5% e faturar R$ 400 milhões, investiu US$ 31 milhões para ampliar seu pátio fabril em Boituva (SP) e quer mais. “Hoje a exportação representa em torno de 7 a 9%. A meta é chegar a 30%”, disse Renato Nakaya, filho do fundador e presidente do conselho da empresa.

Com uma jornada de persistência e resiliência, a Sakura recebe da AGÊNCIA DC NEWS e da Associação Comercial de São Paulo o Prêmio Comércio Histórico, dedicado aos empresários que, há mais de 50 anos, contam suas histórias através de suas pessoas jurídicas. A matriz da empresa continua no mesmo local onde foi fundada, no dia 2 de outubro de 1940, na Vila Carrão, Zona Leste de São Paulo. Trata-se de um espaço com oito tonéis de fibra de vidro com capacidade para finalizar 10 mil litros de shoyu cada. O pátio fica nos fundos da casa onde morou o fundador, Suekichi Nakaya, que faleceu em 1984, quando Renato assumiu a gestão dos negócios. 

As outras duas fábricas da empresa estão em Presidente Prudente (SP) e Ouvidor (GO). Iniciada há dois anos, a obra em Boituva foi entregue em dezembro. Cinco engenheiros japoneses viajaram à cidade do interior paulista para montar os equipamentos: uma estufa com nove metros de diâmetro onde soja e milho, já torrados, recebem as sementes do fungo aspergillus para fermentar e dar origem ao molho. A Sakura, aliás, patenteou e começou a reproduzir o aspergillus no Brasil em 2024 – até então, importava os esporos do Japão. O projeto vai proporcionar um incremento de 200 mil litros de shoyu por mês à oferta mensal, distribuída em 620 mil pontos de venda no Brasil e exportada para 60 países. A meta para as exportações de galões, garrafas, pequenos vasilhames e sachês de shoyu é aumentá-las de 9% para 30% do volume total em dez anos, de acordo com Nakaya.

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“A fábrica em Boituva é ecologicamente perfeita, porque reduzi o consumo de água e eliminei o uso de combustíveis fósseis”, disse ele, numa sala de reuniões da matriz, em São Paulo. Os equipamentos que estão sendo implementados na maior unidade da Sakura foram encomendados da Fujiwara Techno-Art, empresa de engenharia com sede em Okayama, com tecnologia de ponta. “Nós estamos instalando a segunda, não, a terceira estufa automática mais moderna do mundo”, afirmou Nakaya, que não raro se reúne com as famílias tradicionais do ramo em Tóquio. Ele destaca que o investimento constante em tecnologia, com o aprimoramento dos processos produtivos e melhorias em questões ESG, é uma premissa da companhia. O setor de pesquisa e desenvolvimento representa 2% do faturamento. “Para serem empresas do futuro, as empresas têm que ter a sua própria sustentabilidade.”

Produtos da marca são vendidos em mais de 620 mil pontos de venda no Brasil
(Andre Lessa / Agência DC News)

Exemplo da inovação no segmento foi o lançamento, em 2020, do molho de shoyu Kin, cujo método de produção é patenteado pela Sakura no Brasil e Estados Unidos. “É um shoyu único no mundo.” Diferentemente dos quatro Sakuras básicos (tradicional, premium, light e suave), essa versão do condimento é feita, primeiro, com a separação do farelo e do óleo de soja por meio de pressão e só cozinham e fermentam a parte sólida – ao contrário do processo normal, baseado no cozimento integral da soja. O grão da oleaginosa é composto por 77% de farelo (proteína e carboidratos), 20% de óleo e 3% de resíduos como a casca, em média. “O óleo de soja que extraímos, vendemos para indústrias farmacêuticas”, disse Nakaya. “Se estiver contaminado, para a fabricação de biodiesel.” A Sakura demanda 115 toneladas de soja não-transgênica por mês. O shoyu também é composto de milho (no Japão, o costume é utilizar o trigo) e, no caso do Sakura Kin, feijão. São 60 toneladas por mês do cereal. Esses volumes de matéria-prima agrícola são utilizados não só na fabricação de shoyu, mas também do missô, a pasta japonesa – de soja e arroz, para fazer sopas – que constitui o segundo produto da empresa e responde pela produção mensal de 60 toneladas.

Nakaya diz que os motivos do missô e do shoyu, inventados no Japão do século 12 e na China do século 15, serem os alimentos básicos da culinária japonesa no Brasil, estão relacionados à vinda de estudantes orientais às vésperas ou durante a Segunda Guerra Mundial. Ele afirma que os jovens eram instruídos para saber produzi-los em qualquer parte. Até os anos 1970, quando ainda não era costume consumir peixe cru em restaurantes brasileiros, a família Nakaya, que chegou ao país em 1932 e hoje é a líder desse mercado, tinha receio de que o negócio não fosse dar frutos. “Quando me formei, em 1970, os japoneses sofriam bullying e segregação pelo apoio ao Eixo [Alemanha, Itália e Japão] na guerra”, afirmou Nakaya. “Meu pai chegou para mim e falou: ‘Renato, escuta, vamos fechar a fábrica.’”

Com ampliação do pátio fabril, é esperado que a produção aumente em mais de 200 mil litros de shoyu por mês
(Andre Lessa / Agência DC News)

O que nunca aconteceu. Pelo contrário, foi nessa época, ou precisamente em 1973, que a Sakura resolveu lançar a marca Kenko, diversificando o portfólio com molhos para salada, conservas, ketchup, mostarda e diversos produtos asiáticos. Isso revigorou o empreendimento familiar e atualmente a companhia trabalha com mais de 320 temperos diferentes. “A Kenko foi criada para a diversificação”, disse Nakaya. “Não vou poder colocar a marca Sakura para pimenta e molho inglês. Vamos deixá-la só com shoyu e missô.” Nos anos seguintes – em 1980, foi inaugurada a fábrica de Boituva –, a empresa começou a investir em tecnologia e desenvolvimento de novos produtos. Neste quesito, um novo missô está sendo criado este ano, “com mais proteína e quem sabe mais barato”, porém Nakaya não adianta quando será lançado. Pode demorar: um dos shoyus produzidos pela empresa levou nove anos para ser desenvolvido, segundo ele.  

Atualmente, todo shoyu da Sakura é fermentado em Boituva e depois distribuído às suas três fábricas para o envase. Para fermentar, o processo de produção do molho segue à risca a tradição japonesa e leva de seis a nove meses. Na matriz paulistana, o produto já fermentado é finalizado, envasado e distribuído. “Aqui finalizamos cerca de 50 mil garrafas e 350 mil sachês por dia”, afirmou o gerente de produção Flávio dos Santos, há 36 anos na empresa. É comum aos funcionários serem antigos: “Comecei como office boy em 1989, trilhei a área administrativa, planejamento, e me tornei gerente em 2005”. Na distribuição, a unidade de Goiás, que foi a última a ser inaugurada, em 1998, é importante para atender às regiões Norte e Nordeste. Fica também numa cidade goiana, Catalão (GO), o plantio de pimenta da Sakura. Os molhos de pimenta são uma das principais linhas de produto da empresa e as polpas utilizadas na produção, com variedades de jalapeño e malagueta, foram desenvolvidas exclusivamente pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Nós temos um convênio para eles nos auxiliarem. É uma instituição brasileira invejável no mundo.”   

Em termos de valorização da cultura japonesa no Brasil, o empresário enxerga a Sakura como uma empresa comparável à Honda, Toyota e Yakult. “Empresas da nossa comunidade, fundadas por descendentes – isso eu fico triste – são pouquíssimas”, afirmou ele. “Tinha a Yoki, por exemplo: foi vendida.” A lealdade às raízes de quem descende de uma longa linhagem de samurais, contudo, permanece. “Hoje, qualquer associação de niqueis que vem conversar comigo, tudo o que puder fazer, eu faço”, disse. “No mundo dos karaokês, por exemplo, estou sempre os ajudando.” Numa época em que os restaurantes japoneses se popularizaram e o sushi é vendido até mesmo nos supermercados, estima-se que existam cerca de 2,5 milhões de nipo-brasileiros, a maior população de descendentes do Japão que habita fora do país.

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