Guerra dos apps de delivery vira caso de polícia, e ex-funcionários do iFood são alvo de busca e apreensão

Uma image de notas de 20 reais

Imagem gerada por IA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em mais um episódio da guerra do delivery, dois ex-funcionários do iFood foram alvo de busca e apreensão nesta semana em São Paulo sob a suspeita de repassar informações da empresa para a concorrência.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, um dos mandados foi cumprido por policiais do 32º Distrito Policial (Itaquera), após ordem expedida pela Vara Criminal do Foro Regional de Itaquera, com apreensão de dispositivos eletrônicos considerados de interesse da investigação. Um inquérito foi aberto sobre o assunto.

Nesta sexta (24) pela manhã, em Piracicaba, no interior de São Paulo, outro ex-funcionário teve seus celulares, computadores e pendrives apreendidos pela Polícia Civil. O caso corre sob sigilo, mas a queixa apresentada pelo iFood aponta que ele teria transferido milhares de dados de clientes e outras informações internas para seus dispositivos pessoais. Parte desses dados teriam sido compartilhados com outras pessoas.

Segundo profissionais que participam das investigações, que há ao menos mais um suspeito de práticas similares.

Documentos obtidos pela reportagem indicam que o analista comercial que mora em São Paulo citou a chinesa Meituan, dona do aplicativo de delivery Keeta, como a destinatária das informações. O serviço começa a operar no Brasil neste mês, em um projeto-piloto em cidades do litoral de São Paulo, e deve chegar à capital paulista até o fim do ano, acirrando a disputa que também envolve concorrentes como Rappi e 99Food.

A Keeta nega ter contratado qualquer serviço para obter informações, afirma que não recebeu nenhuma notificação sobre o caso e destaca que não houve qualquer mandado cumprido em sua sede. O iFood diz que só se manifestará nos autos, que correm em segredo de Justiça (veja mais abaixo).

O caso que resultou na investigação policial na capital começa em um grupo de WhatsApp chamado Rádio Peão iFood, onde o ex-funcionário afirmou ter recebido mais de R$ 5.500 pelo envio de informações sobre o setor, entre perguntas feitas por escrito e sessões de entrevista intermediadas por uma consultoria chinesa.

Ele já não trabalhava no iFood quando fez os relatos no grupo: havia sido demitido por justa causa alguns dias antes, após, segundo afirmou à Polícia Civil, uma reclamação de um cliente.

O ex-funcionário compartilhou com os ex-colegas de trabalho algumas das questões feitas pela consultora asiática. Das quatro, três tratam do iFood. Há perguntas quanto ao relacionamento do aplicativo com a Prosus (controladora do serviço) e pedidos para que ele desse sua opinião sobre a rivalidade na entrega de comida, especialmente “a potencial concorrência de Meituan e Didi [dona da 99, que recentemente voltou ao setor de delivery]”.

O iFood considerou, em documento enviado à Justiça, que essa última pergunta e uma outra sobre a taxa de adesão de restaurantes ao serviço de entregas completo fornecido pelo aplicativo (em oposição ao uso de motoboys próprios pelos estabelecimentos) eram particularmente sensíveis.

Para a empresa, as respostas dadas incluem informações confidenciais. Ao ser remunerado pelas entrevistas e questionários, ele estaria, na avaliação da companhia, cometendo crime de concorrência desleal.

O quão pública é uma informação faz diferença para o enquadramento na lei de propriedade industrial e no capítulo que trata de concorrência desleal, diz a advogada Karoline Hoffmann, que atua com mercado digital. “Quando dou informações que são facilmente encontradas no Google ou via ChatGPT, pode ser uma violação ética, mas, se as respostas incluem informações a que só eu tenho acesso, aí pode ter o enquadramento como crime.”

O crime de concorrência desleal, diz Ricardo Inglez de Souza, sócio do IW Melcheds Advogados e presidente da Comissão Especial de Direito da Concorrência e Regulação Econômica da OAB/SP, pode resultar em detenção de até três anos. Além daquele que vazou informações, a punição também pode recair sobre quem contratou o serviço.

A reportagem apurou que funcionários do iFood têm recebido, desde o início do ano, mensagens pelo LinkedIn com ofertas para conversas remuneradas sobre o setor de delivery brasileiro.

Nas mensagens encaminhadas aos antigos colegas, o ex-analista comercial relata, em áudios, como funciona o processo de responder às questões e também como são as entrevistas por videoconferência. Em meio a esses relatos, ele cita a concorrente chinesa.

“Aí ela confirmou os meus horários, tal, que eu poderia fazer, aí tem que mandar para a empresa, né? O que vai mandar para Meituan, né? Para a Meituan saber se dá para o executivo lá fazer nesse horário, entendeu? Casou o horário, ela volta com a devolutiva”, afirma ele em áudio.

Em depoimento após o cumprimento do mandado de busca e apreensão, o ex-funcionário afirmou que participavam das reuniões a profissional da consultoria, um intérprete e um homem de origem estrangeira que não se identificou.

Segundo o relato, o analista “acredita que se trata de executivo da Meituan, vez que a própria empresa iFood comunicava seus colaboradores sobre a possibilidade de essa empresa aliciá-los”.

Ele também disse ter sido procurado por outras consultorias, mas não teria dado continuidade às conversas. O ex-funcionário afirmou que não enviou qualquer tipo de planilha, pois não tinha acesso a esse tipo de material. A Polícia Civil apreendeu em sua casa dois telefones celulares e um notebook.

No caso do ex-funcionário de Piracicaba, a Polícia Civil instaurou inquérito e vai aguardar a perícia dos dispositivos eletrônicos para dar continuidade à investigação. Na queixa apresentada pelo iFood, o aplicativo diz que as informações acessadas por esse antigo empregado poderiam causar prejuízos ao negócio caso tenham sido compartilhadas com concorrentes.

O QUE DIZEM AS EMPRESAS

Em nota, a Keeta afirmou que “não contrata quaisquer empresas para abordar indivíduos em seu nome para os fins mencionados” e que se compromete com as melhores práticas de mercado. A empresa afirmou que se coloca à disposição para colaborar com as autoridades quando necessário.

O iFood disse que “que repudia qualquer prática de concorrência desleal, incluindo tentativas de espionagem corporativa, e continuará trabalhando para a construção de um ambiente transparente e ético no mercado de delivery”.

Voltar ao topo