BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A intenção do governo brasileiro de transformar a exploração de minerais críticos no país no centro de sua estratégia de transição energética esbarra em um cenário marcado por desconhecimento geológico, dados desorganizados e fiscalização precária.
Diagnóstico detalhado do setor realizado pelo MME (Ministério de Minas e Energia) aponta que, atualmente, apenas 27% do território nacional possui um mapeamento em escala detalhada sobre seu potencial mineral efetivo.
A realidade é que o Brasil ainda desconhece o que existe, de fato, em boa parte de seu subsolo. Áreas de grandes dimensões, especialmente na Amazônia, no Centro-Oeste e no Nordeste, não possuem estudos precisos sobre o tipo de solo e o potencial mineral.
“Em que pese seu enorme potencial mineral, o Brasil só dispõe de mapeamento 1:100.000 em cerca de 27% do país”, afirma o ministério em documento de setembro obtido pela Folha. Nesta escala, a precisão pode revelar formações rochosas, falhas geológicas, tipos de minério e áreas com potencial econômico. É o tipo de informação usada por mineradoras, governo e cientistas para identificar onde há chance real de jazidas.
O documento também aponta que o país ainda não possui um banco de dados geológicos unificado, com informações dispersas entre órgãos como a ANM (Agência Nacional de Mineração), o SGB (Serviço Geológico do Brasil), universidades e governos estaduais.
“Há dados geológicos com os empreendedores, com ANM, ANP (Agência Nacional do Petróleo), Ministério da Defesa, universidades, companhias de pesquisa estaduais, e nenhum deles está armazenado no SGB”, afirma o MME. “Essa cobertura poderia ser muito maior, atraindo mais investidores na atividade mineral, se os dados fossem armazenados em uma base única do SGB e pudessem ser utilizados para adensar os mapeamentos existentes e preencher os vazios.”
A incapacidade da ANM para processar o volume de trabalho que acumula também chama atenção. Atualmente, há mais de 96 mil áreas minerais paradas, que poderiam ser oferecidas ao mercado, uma vez que foram abandonadas, renunciadas ou tiveram o direito de pesquisa caducado.
“A manutenção desse estoque trava o investimento e o desenvolvimento do setor mineral brasileiro. São áreas que poderiam estar sendo pesquisadas ou lavradas, gerando emprego, renda e receitas”, afirma o documento do MME.
Paralelamente, há ainda 80 mil processos administrativos represados. O resultado disso é que, apesar do potencial minerário do país e de seu extenso território, como ocorre com nações como Austrália e Canadá, historicamente o Brasil tem recebido apenas 3% dos investimentos globais em pesquisa mineral.
“Com tantas áreas paralisadas, ampliar essa participação requer, entre outras iniciativas, ofertar novas áreas ao mercado. Sem áreas, não há pesquisa mineral. Sem pesquisa, não há mineração”, afirma a pasta.
O MME e a ANM foram procurados para comentar as informações desta reportagem, mas não se manifestaram até a publicação deste texto.
Para reduzir os problemas observados, está em estudo a publicação de um dispositivo legal para definir a propriedade estatal sobre dados e informações de atividade de mineração e geologia. A ideia é que essas informações, obtidas por meio de processos fiscalizados pela ANM, passem a compor os bancos de dados do Serviço Geológico Brasileiro.
Antes dessa integração, porém, o governo precisa padronizar a publicação dessas informações. Hoje, diferentes bancos de dados do setor mineral, inclusive dentro da própria ANM, usam diferentes terminologias para se referir a uma mesma substância, unidades de medição.
“Há, ainda, uma confusão entre classes diferentes: o que é uma rocha, o que é um mineral, o que é um produto final”, afirma o documento do MME, ao citar o exemplo do argilito, da argila e da argila refratária. “A falta de padronização impede que sistemas diferentes conversem entre si. Muitos relacionamentos são feitos de forma manual e dependem da expertise do servidor.”
Ao organizar dados que hoje estão dispersos e sem padronização, o MME entende que essas informações, se bem estruturadas, podem gerar relatórios pagos. Em um cenário de orçamentos enxutos e dificuldades estruturais da ANM e SGB, afirma o MME, abrir mão desses relatórios é injustificável. A proposta do MME é avançar no tema com um possível acordo de cooperação técnica entre ANM e o Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração).
Para garantir que a proposta avance, o MME avalia a criação de uma nova cobrança no setor inspirada no setor elétrico, onde encargos são usados para financiar determinadas políticas públicas. Mas ainda não há detalhes de como o novo pagamento no setor mineral funcionaria.
Na semana passada, o governo realizou a primeira reunião do CNPM (Conselho Nacional de Política Mineral). Foram aprovadas seis resoluções que estruturam a nova governança da política mineral do país, com medidas voltadas, em boa parte, ao tratamento de minerais críticos, insumos considerados fundamentais para a transição energética e a indústria de alta tecnologia, o que tem movimentado o interesse crescente dos Estados Unidos, além da China.