A foto do presidente Lula ao lado do seu par norte-americano, Donald Trump, segundo levantamento da Quaest, alcançou 72 milhões de visualizações e 678 mil menções nas redes sociais, números que representam recorde nas publicações presidenciais. A imagem mostra um aperto de mão e largos sorrisos, daqueles que um dia foram percebidos como antagonistas. Se é verdade que em política imagens são mais poderosas que palavras e atos, o que entrará para a História é a imagem de dois presidentes com traços voluntaristas, mas que se aliaram a despeito das divergências de interesses e ideológicos.
                        
                                                                    
Esse impacto na arena pública contrasta com decisões efetivamente anunciadas. O encontro presidencial a rigor não trouxe nenhuma novidade, seja na dimensão comercial/investimentos, seja sob a ótica institucional. O Brasil segue como um dos países com tarifas mais elevadas e os integrantes da suprema corte ainda punidos sob a justificativa da lei Magnitsky. Os elogios mútuos dos presidentes não alteraram o status de tarifa como se inimigos fossemos.
                        
                                                                    
O encontro, contudo, foi bastante positivo para as expectativas em relação à economia brasileira. A ausência do componente da diplomacia presidencial aumentou a distância das posições de Brasil e EUA no tocante à ordem internacional. Os EUA apostam na desconstrução do multilateralismo desenhado ao longo da hegemonia do liberalismo, ao passo que o Brasil aposta no multilateralismo como voz dos países emergentes. 
Os EUA querem aumentar seu poder de mando diante da percepção de que a ordem internacional é injusta e que serve para relativizar a força americana. O Brasil, por outro lado, quer democratizar as instâncias decisórias do “leviatã global”. Lula quer fazer comércio exterior sem o dólar, Trump ameaça retaliação contra qualquer organização do sul-global. Sem a diplomacia presidencial, as chances de afastamento paulatino entre EUA e Brasil eram bastante elevadas.
                        
                            
                                                            
                            
                        
                                                                    
A justificativa para o “tarifaço” americano, em linhas gerais, se apoia fundamentalmente na dimensão comercial. O governo do republicanismo Make America Great Again (MAGA) enxerga o déficit comercial como sinônimo de criação de empregos e investimento fora duas suas fronteiras.
                        
                                                                    
As evidências empíricas não autorizam tal conclusão. Os números mostram dissociação entre nível das tarifas aplicada aos países e o tamanho do déficit comercial junto aos EUA. Se as tarifas fossem desenhadas a partir da questão comercial, a União Europeia, Vietnã, e Japão teriam tarifas na média muito mais altas do que países como Índia e Brasil.
                        
                                                                    
As tarifas norte-americanas parecem ser instrumentos de negociação para gerar alinhamento com a agenda de Trump, dado o desprezo pelos fóruns internacionais. Trump condicionou as tarifas comerciais, por exemplo, ao maior gasto com segurança por parte dos países da Otan. As tarifas mais pesadas para os países do leste-asiático são mecanismos para evitar aproximação com a China, apenas para citar alguns exemplos.
                        
                                                                                                                        
É algum cálculo geopolítico que explica a inflexão do governo americano em relação ao Brasil. Trump parece ter entendido que buscar influência no Brasil por meio do bolsonarismo seria contraproducente. A ligação entre o movimento conservador foi a primeira fase da estratégia americana alimentada pelo bolsonarismo que contava com a pressão americana para promover alguma saída para o ex-presidente Bolsonaro no enfrentamento aos seus dilemas judiciais.
                        
                                                                    
A estratégia da cooperação por pressão também foi menos eficaz no tratamento ao Brasil, seja pela baixa dependência do comércio exterior para o crescimento econômico, seja pela estratégia do governo em evitar desespero no enfrentamento norte-americano. Dito de modo mais direto: somos uma economia fechada e o pouco que comercializamos fica disperso entre diversas regiões. Além disso, o enfrentamento ao governo americano rendia frutos ao governo que recuperava sua popularidade.
                        
                                                                    
Assim, o principal efeito do encontro se dá na cena doméstica. A “química” entre Trump e Lula dificulta ainda mais a coordenação do antipetismo ao gerar uma “paralisia” na construção da candidatura presidencial. A centro-direita fica presa à estratégia bolsonarista de tensionamento, o que dá mais espaço para o governo recuperar sua popularidade.
                        
                                                                    
A oposição tinha uma janela de oportunidades para entrar 2026 como favorita para a disputa presidencial. O custo do bolsonarismo gera atraso na definição do projeto e aumento da rejeição da direita, animando os estrategistas do governo.
RAFAEL CORTEZ
Doutor em Ciência Política (USP), professor do IDP-SP e sócio da Tendências Consultoria.