BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Considerada uma personagem decisiva para o fechamento do Acordo União Europeia-Mercosul nesta semana, Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália, indicou ao Parlamento do país nesta quarta-feira (17) que vai aderir ao grupo de insatisfeitos com o pacto, liderado pela França. O posicionamento pode adiar a assinatura do documento, negociado desde 1999 pelos dois blocos econômicos.
Mais do que isso, tem potencial de devolver o acordo à gaveta por outro longo período, dado que a divisão europeia tem raízes políticas, distantes de uma solução, e a iminente presidência paraguaia do bloco sul-americano não parece inclinada ao tema.
O assunto foi discutido nesta quarta no chamado triálogo, que reúne representantes do Parlamento, do Conselho e da Comissão Europeia. Chegou-se a um texto final, que agrega o acordo desenhado pela Comissão acrescido das salvaguardas aprovados no Parlamento. O documento retificado deve ser levado a voto nesta quinta (18) no Conselho após um debate que promete ser longo.
Os negociadores italianos teriam exigindo garantias adicionais por escrito da UE sobre medidas que seriam tomadas em caso de prejuízo de seus produtores. O quanto disso foi atendido pela nova versão do tratado não está claro.
Também é possível que a Dinamarca, que preside os trabalhos da UE neste semestre, retire o assunto de pauta para evitar a situação limite de o acordo ser não só adiado como rejeitado. O primeiro-ministro francês, Sébastien Lecornu, fez essa ameaça em discurso à Assembleia Nacional na tarde desta quarta.
Com a adesão da Itália, o movimento francês cumpre os requisitos para a chamada minoria de bloqueio se uma votação for levada a cabo: 4 dos 27 países-membros representando ao menos 35% da população do bloco. Com votos certos de Polônia e Hungria, que são abertamente contra o acordo, observadores apontam que a oposição liderada por Paris está consolidada.
“Se houvesse uma vontade das autoridades europeias de impor essa medida, a França se oporia veementemente”, declarou Emmanuel Macron a seu gabinete, segundo a porta-voz do governo, Maud Bregeon, quase na mesma hora em que Meloni discursava em Roma.
No fim de semana, o governo francês pediu o adiamento da assinatura do acordo, alegando que as salvaguardas que acabariam sendo aprovadas no Parlamento Europeu na terça (16) não seriam suficientes para atender às exigências francesas.
Na segunda (15), horas antes de Meloni se encontrar em Berlim com Macron e os maiores defensores do acordo, o premiê alemão, Friedrich Merz, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a agência Reuters revelou que a Itália teria aderido à posição francesa.
Pressionada pelos colegas durante o jantar em apoio a Volodimir Zelenski, Meloni não havia confirmado publicamente seu posicionamento até esta quarta. “Acreditamos que assinar o acordo com o Mercosul nos próximos dias, como sugerido, ainda é prematuro. É preciso aguardar a finalização do pacote de medidas adicionais para proteger o setor agrícola e, ao mesmo tempo, explicá-lo e discuti-lo com nossos agricultores.”
As últimas modificações anexadas ao acordo pelos eurodeputados, no entanto, fizeram exatamente isso. A margem de flutuação de preços no mercado europeu e do volume de importações do Mercosul necessária para lançar uma investigação caiu de 10% para 5%. O documento ganhou também garantias mais robustas de que os produtos sul-americanos precisam atender às rigorosas exigências sanitárias e ambientais da UE.
“Isso não significa que a Itália pretenda bloquear ou se opor ao acordo, mas sim que pretende aprová-lo somente quando ele incluir garantias adequadas de reciprocidade para o nosso setor agrícola”, afirmou a primeira-ministra em Roma. “E estou muito confiante de que todas essas condições serão atingidas até o início do próximo ano.”
Na véspera, o presidente da Comissão Internacional do Parlamento Europeu, Bernd Lange, declarou que “o acordo estará morto” se não for assinado no sábado (20), data marcada pela Comissão Europeia e o governo brasileiro para a cerimônia.
Em discurso no Bundestag, o Parlamento alemão, Merz demonstrou irritação. Afirmou que a “capacidade de ação da UE” será medida pelos 26 anos de negociação inconclusa. “Aqueles que estão fazendo isso ainda não compreendem adequadamente as prioridades que estamos estabelecendo agora”, declarou, em clara referência aos opositores do acordo.
Brasília também vê com preocupação o movimento francês. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalhou com afinco para fechar o acordo histórico e, nesta quarta, ameaçou não assinar o documento se a conclusão do acordo for adiada pelos europeus.
Segundo o site Politico, citando diplomatas como fontes, Lula e Meloni se falaram por telefone nesta semana, e o diálogo não teria sido amistoso.
A primeira-ministra também se equilibra entre o papel internacional e a política doméstica. O acordo de livre comércio, que criaria um mercado de 722 milhões de consumidores, interessa à indústria italiana, motor da recuperação fiscal que empreende no país, e a seu mais evidente aliado político sul-americano, o presidente argentino, Javier Milei.
Meloni também é pressionada pelos colegas europeus a se posicionar favoravelmente ao uso de ativos russos congelados no sistema bancário europeu como lastro para um fundo de reconstrução da Ucrânia. Uma decisão sobre o assunto deve ocorrer até sexta (19).
Haverá ainda outros trâmites. Para facilitar a aprovação, houve uma divisão: o acordo foi comercial foi separado do político. Como as questões de comércio exterior são de competência da União Europeia, não haveria a necessidade de aprovação por cada um dos Estados membros. Será suficiente, então, a aprovação pelo Parlamento Europeu. Do lado do Mercosul, será necessária a aprovação dos integrantes -no Brasil, o processo envolve o Executivo e o Congresso.