BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A renegociação de dívidas rurais autorizada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve dar alívio a produtores que enfrentam dificuldades financeiras, mas uma solução duradoura passa pela discussão de um planejamento de médio e longo prazo, avalia o vice-presidente de agronegócios e agricultura familiar do Banco do Brasil, Gilson Bittencourt.
“Tem produtor que faz muito bem as contas, mas numa visão muito de receita e despesa do ano. Mas como isso vem ao longo do tempo? Há um debate que precisa ser feito: como anos bons geram algum tipo de colchão para anos ruins? Se todo mundo sabe que é cíclico”, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo concedida na última quinta-feira (23), antes do período de silêncio que precede a divulgação dos resultados da instituição.
O socorro ao agronegócio, feito em parte com recursos subsidiados pelo governo federal, vem logo após um período de pujança no campo. Em meio à pandemia, commodities agrícolas bateram recordes de preços, o que ampliou a renda dos produtores. Mas, além do aumento de custos, nem todo o lucro foi reinvestido no setor.
Parte dos ganhos foi usada para adquirir imóveis, inclusive urbanos, ou iniciar novas atividades, como comércio. Mesmo quem aplicou o dinheiro no agronegócio o fez comprando mais terras ou seja, o recurso fica imobilizado e ainda demanda mais capital para investimento e custeio da safra.
“O produtor passou a ter um menor capital próprio para a sua própria lavoura. Na hora que aperta o fluxo de caixa, não tem liquidez. Ele não consegue trazer de forma rápida, seja por decisão, tem muita gente que não quer se desfazer [do bem], ou mesmo quando quer não consegue de forma rápida. Então, parte importante deles [dos inadimplentes], se não a maioria absoluta, eram produtores que historicamente eram adimplentes”, afirma.
Segundo Bittencourt, a criação de algum colchão é importante para que a cobertura das perdas não dependa apenas dos instrumentos de seguro.
“Seguro é fundamental, quanto mais tiver, melhor. Agora, como faço com que o produtor tenha mais essa responsabilidade? Um ano está bom? Como que eu guardo uma parte disso? Pelo processo de que, na frente, eu posso ter algumas dificuldades.”
Para ele, as dificuldades financeiras dos produtores foram agravadas pelo aumento da taxa básica de juros, a Selic, e pela própria perspectiva de renegociação de dívidas, que gerou um risco moral: alguns produtores ficaram inadimplentes porque sabiam que o socorro estava próximo.
Além disso, alguns produtores e técnicos agrícolas alimentaram expectativas otimistas em relação à continuidade dos preços elevados. Contratos de arrendamento de terra, por exemplo, foram firmados com base numa projeção de renda maior e agora pesam nos custos da produção.
A inadimplência no crédito rural do Banco do Brasil atingiu 3,5% da carteira no segundo trimestre de 2025, mais que o dobro do observado um ano antes (1,3%). Segundo o vice-presidente, quando isolados os produtores cujas terras são arrendadas, a inadimplência é o dobro. Isso afeta partes do Rio Grande do Sul, do Mato Grosso e de São Paulo, entre outros.
“Não é que os preços estão caindo. Os preços estão voltando ao patamar [histórico]. O que foi fora da curva foi aquele boom. Então, houve também uma expectativa equivocada de muita gente, seja produtor, seja técnico do campo. Em alguns casos, até das instituições financeiras. Houve uma expectativa de que aqueles preços e aquela margem de ganho seriam permanentes”, avaliou o executivo, que até julho deste ano atuou como subsecretário de Política Agrícola e Negócios Agroambientais do Ministério da Fazenda.
Segundo ele, há produtores que já estão inadimplentes e aqueles que ainda pagam em dia as prestações ao banco, mas “estão com a corda no pescoço”. Ambos devem ser atendidos pela renegociação.
Na linha de crédito subsidiado, o BB terá pelo menos R$ 4,3 bilhões para oferecer aos produtores, cerca de um terço do valor disponibilizado pelo Tesouro Nacional. A previsão é atender até 20 mil produtores.
A divisão dos recursos entre as instituições financeiras foi feita com base na participação de cada banco no crédito rural. Mas Bittencourt acredita que a fatia do BB nessa modalidade pode aumentar.
A linha subsidiada estará restrita a cerca de 1.400 municípios que decretaram calamidade ou emergência de 2020 a 2024 em decorrência de fenômenos climáticos e tiveram duas perdas de no mínimo 20% na renda média da produção em ao menos duas das três principais atividades agrícolas.
Além disso, o produtor que pleiteia o crédito deve comprovar perdas de pelo menos 30% em duas safras durante o período. Segundo o executivo, nem todos vão se enquadrar nas condições, e é possível que haja sobra de recursos em outras instituições financeiras.
“Cada instituição vai ter 60 dias para poder concretizar [as operações] e apresentar essa demanda para o BNDES [operador oficial do programa]. Se ao final desse prazo alguma instituição não demandar todo o recurso, o BNDES vai fazer uma nova distribuição”, explicou.
Na linha com recursos livres, o BB vê potencial para emprestar outros R$ 20 bilhões, mas o número final vai depender da demanda dos produtores. Nessa modalidade, a taxa pré-fixada vai começar em 16,65% ao ano, mas pode alcançar 19% a depender do risco da operação.
Diante da expectativa de queda da taxa Selic, hoje em 15% ao ano, o banco vai oferecer também uma linha pós-fixada, pouco usual nesse tipo de crédito. O custo começa em CDI mais 2,9% ao ano. No patamar atual dos juros, isso resulta em uma cobrança de 17,9% ao ano. Mas, se a Selic cair a 10% ao ano, o custo ao produtor também cai, a 12,9% ao ano.
“A nossa vontade é que, se a Selic vier a cair como é esperado, esse ganho seja revertido para o produtor”, disse.
As linhas de crédito com taxa livre entraram em operação na semana passada, mas Bittencourt reconheceu que o banco ainda não tem fechado o custo de captação desses recursos.
Há um impasse com o Banco Central sobre considerar ou não as renegociações como uma operação de crédito rural, medida essencial para cumprir critérios de direcionamento de recursos captados por meio de fontes mais baratas, inclusive LCA (Letra de Crédito do Agronegócio).
O centro da controvérsia são as operações de empréstimo pessoal feitas por alguns produtores para quitar contratos de crédito rural em atraso. “O Banco Central estava com receio que isso fosse muito significativo. Pegar uma operação que não é crédito rural hoje e jogar para cumprir o direcionamento”, disse.
Bittencourt afirmou que o banco está defendendo uma verificação, pelo BC, do quanto foi renegociado a partir de crédito rural e quanto veio de empréstimo pessoal, para permitir que pelo menos a primeira parcela seja considerada para fins de direcionamento. “É uma reivindicação nossa e de outras instituições”, disse.
Ele reconheceu que a medida é necessária para evitar que o spread (diferença entre o custo de captação e o juro cobrado do tomador) não cubra todos os custos do banco com a operação.