WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – A reunião presencial entre o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, terminou sem a redução das tarifas de 50% aplicadas ao Brasil, mas representou a largada para uma negociação séria para que se revertam as sobretaxas, avaliam integrantes do governo brasileiro.
Este foi o primeiro encontro dos chefes da diplomacia dos países desde que os presidentes Donald Trump e Lula (PT) iniciaram contatos, no mês passado.
Oficialmente, ambos os lados falaram que as conversas foram positivas em um comunicado conjunto, sinalizando sintonia e concordância no relato dos dois governos. A percepção também foi compartilhada nos bastidores por membros da ala comercial de Trump, segundo relatou um interlocutor americano à reportagem.
Embora não haja uma decisão imediata pela diminuição das sobretaxas, a conversa foi considerada boa por indicar a disposição dos dois lados para um acordo. Durante a reunião, nesta quinta-feira (16), também ficou acertado que os ministros vão trabalhar para que haja uma conversa presencial entre os presidentes, em data a ser definida em breve.
Em declaração divulgada no início da noite, o representante do Comércio dos EUA, Jamieson Greer, Rubio e Vieira afirmaram que houve “conversas muito positivas sobre comércio e questões bilaterais em andamento”.
“O embaixador Greer, o secretário Rubio e o ministro Mauro Vieira concordaram em colaborar e conduzir discussões em múltiplas frentes num futuro próximo, estabelecendo um caminho de trabalho conjunto”, diz a declaração.
O comunicado não atrela as sobretaxas a decisões do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e à condenação de Jair Bolsonaro (PL), como já fizeram Rubio e Greer anteriormente ao tratar do tema. Para integrantes do governo brasileiro, isso é mais um sinal de que há uma orientação para que se avance em acordos comerciais, a despeito de questões políticas.
Após o encontro, Vieira também afirmou em declaração a jornalistas que este é um “início auspicioso de processo negociador” com os Estados Unidos. O ministro disse que pediu o fim de sanções aplicadas pelos EUA, como suspensão de vistos e punições financeiras a autoridades.
“Durante todo o encontro prevaleceu uma atitude construtiva e voltada a aspectos práticos da retomada das negociações entre os dois países, em sintonia com a boa química e com o que foi decidido, sobretudo, no recente telefonema da semana passada entre o presidente Lula e o presidente Trump”, disse Vieira. O ministro acrescentou que o encontro ocorreu em “clima excelente de descontração”.
Este foi o primeiro encontro presencial entre representantes de alto escalão dos dois governos desde que Lula e Trump tiveram uma rápida interação durante a Assembleia Geral da ONU, em setembro. Depois, ambos os presidentes conversaram por telefone. Trump reafirmou publicamente ter tido uma “química” com Lula.
A agenda desta quinta se deu em dois momentos. Na primeira parte, Vieira conversou com Rubio a sós na Casa Branca por cerca de 15 minutos. Depois, houve uma conversa ampliada, de cerca de uma hora, com equipes de ambos os governos. Do lado americano, participaram o representante comercial Jamieson Greer e integrantes do Departamento de Estado. Do brasileiro, foram a embaixadora do Brasil em Washington, Maria Luiza Viotti, e outros diplomatas.
Na reunião estendida, as partes trataram só de assuntos comerciais e não discutiram temas como a situação de Bolsonaro, citado por Trump ao justificar o tarifaço, ou a questão da Venezuela.
No lugar, Vieira renovou o pedido pela reversão das tarifas de 50% aplicadas contra o Brasil. Rubio disse que o tema seria encaminhado por Greer, que propôs então a criação de um cronograma de trabalho entre as equipes para avançar nas discussões. As partes também não trataram de produtos específicos.
O teor do encontro privado não foi revelado, mas diplomatas dizem que questões políticas e bilaterais serão tratadas por Rubio e Vieira diretamente. A agenda transcorreu em caráter amigável, segundo relatos.
Interlocutores do governo americano ligados ao Departamento de Estado minimizaram o aspecto positivo da reunião e disseram que, para o secretário de Estado, a parte política ainda importa. A maior parte das sanções a autoridades brasileiras, como a suspensão de vistos, partiu do Departamento de Estado, que tem uma ala considerada mais ideológica e ligada ao deputado Eduardo Bolsonaro (PL) e o empresário Paulo Figueiredo.
Os sinais públicos dados pelos auxiliares de Trump nesta quinta, porém, indicam perda de influência dessa ala.
Os EUA impuseram dois tipos de tarifas ao Brasil. Uma delas, a de 10%, de caráter considerado recíproco como aplicado a todos os países. Depois, em julho, implementou sobretaxas adicionais de 40% justificadas por motivos políticos. No decreto em que as estabeleceu, Trump citou o que vê como decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) que censuram empresas e cidadãos americanos.
Depois, empresários e alas do governo americano entraram em campo para tentar convencer Trump a reverter as tarifas, o que culminou com a conversa com Lula.
A Folha de S.Paulo apurou que, antes da reunião, integrantes do governo Lula adotavam cautela e ponderavam que o encontro não seria definitivo. O time brasileiro preparou sugestões em três frentes caras aos americanos para sinalizar uma oferta e tentar azeitar o clima: discussões sobre etanol, minerais críticos e big techs. Esses temas ainda devem ser tratados no decorrer das negociações.
A ideia é fazer gestos nas áreas de interesse aos EUA para empurrar a negociação ao campo comercial e conseguir a reversão das tarifas. Em relação ao etanol, o governo considera retomar o regime de cotas ou mesmo criar mecanismos para incentivar que o etanol americano entre por portos brasileiros no Sudeste.
O principal temor de produtores e políticos brasileiros com a possível entrada de etanol de milho americano são as usinas do Nordeste, menos mecanizadas e de menor competitividade do que no Sudeste. Trata-se de um tema com alta sensibilidade política e que mobiliza políticos nordestinos no Congresso.
Com relação a minerais críticos, há interesse do Brasil em criar uma indústria para a exploração desses bens. Uma ideia na mesa é oferecer aos EUA uma parceria de investimento, na qual o país ajudaria a bancar a exploração desses minerais em troca da garantia de uma cota de compra.
No setor de big techs, o governo considera haver pouco a fazer, já que as discussões são centradas no Congresso e no STF. Mas haveria a possibilidade de discutir assuntos relacionados à regulação feita pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) às empresas. Para os dois últimos setores, o governo poderia oferecer a criação de grupos de trabalho que elaborarão propostas sobre o tema.