São Paulo, 27 de agosto de 2025 – O Senado aprovou nesta quarta-feira (27) o projeto de lei quecria regras para a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais. A proposta prevêobrigações para os fornecedores e controle de acesso por parte de pais e responsáveis e prometetambém combater a chamada adultização de crianças nas redes sociais. O PL 2.628/2022 segue agorapara sanção presidencial. As informações são da Agência Senado.
O projeto prevê, entre outros pontos, a remoção imediata de conteúdos relacionados a abuso ouexploração infantil com notificação às autoridades, além da adoção de ferramentas decontrole parental e verificação de idade dos usuários.
Apresentada pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE) em 2022, a proposta sofreu modificaçõesdurante votação na Câmara na quarta-feira (20). O tema ganhou destaque nacional após oinfluenciador Felipe Bressanim, conhecido como Felca, publicar, no início do mês, um vídeo quedenuncia a adultização e a exploração sexual de crianças e adolescentes para criação deconteúdo na internet.
O projeto cria um Estatuto Digital da Criança e do Adolescente. A intenção é proteger essepúblico no uso de aplicativos, jogos eletrônicos, redes sociais e programas de computador. Avotação foi comandada por Alessandro Vieira. Ele assumiu a cadeira da Presidência em um gestosimbólico feito pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre.
É um gesto da Presidência em reconhecer a atuação do senador Alessandro Vieira, que construiuessa agenda nos últimos três anos, liderando esse processo e enfrentando um debate extremamentedifícil. Quero fazer esse gesto simbólico com a certeza de que estamos cumprindo um deverhistórico disse Davi.
Alessandro Vieira destacou a urgência da proposta no cenário atual e o envolvimento da sociedadeem sua construção. Segundo ele, o problema do ambiente digital é global, especialmente para ospúblicos mais vulneráveis.
O que estamos fazendo aqui é ouvir a sociedade. Hoje, no mundo inteiro, o ambiente digital é umproblema, sobretudo para o público mais vulnerável. A sociedade civil se mobilizou, as equipestécnicas se envolveram. Estamos igualando parcialmente a atividade de algumas das empresas maispoderosas do capitalismo. Esta é a primeira lei das Américas sobre o tema. É fruto de um trabalhocoletivo afirmou.
Relator da proposta no Senado, Flávio Arns (PSB-PR) reconheceu os avanços promovidos pelosdeputados no projeto, mas decidiu reincluir pontos do texto original aprovado anteriormente pelossenadores, como a proibição das caixas de recompensa para crianças nos jogos eletrônicos.Também fez ajustes de redação para aprimorar a proposta.
A importância de aprovarmos esta proposição se reflete no amplo consenso alcançado nas duasCasas do Congresso Nacional. Estamos diante de um conjunto de regras robusto, capaz de assegurar àscrianças e aos adolescentes que acessam ambientes virtuais os mesmos direitos e proteções que jáexistem no mundo real. Vivemos uma realidade insustentável, com denúncias diárias de abusos eviolências, enquanto enfrentamos inúmeros desafios para proteger esse público. A aprovaçãodesta lei é uma questão de máxima urgência afirmou o senador.
Durante a votação, a maioria dos senadores manifestou apoio à proposta afirmando que o textorepresenta um avanço na proteção das crianças, mas outros apontaram preocupação com essaregulação das redes sociais.
Contrário ao projeto, o senador Carlos Portinho (PL-RJ) afirmou que a causa é nobre, mas alertouque esse pode ser o começo de uma regulação mais dura das plataformas.
Depois que abrir essa porteira, o controle das redes sociais não se fecha mais. O maior controle,na minha opinião, é dos pais. Isso o Estado nunca vai suplantar. Eu não acredito que o Estadodeva substituir o controle parental. O melhor seria que isso fosse autorregulado criticou.
Na mesma linha, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) demonstrou preocupação com o projeto. Segundoele, apesar das boas intenções dos deputados e senadores, a proposta pode abrir uma janelaperigosa para o controle das redes sociais.
É a porteira que o STF está esperando para regulamentar rede social alertou.
Alessandro Vieira afirmou que a proposta busca, na verdade, resgatar o poder de pais e mães deacompanhar e controlar a vida digital dos filhos.
A partir da sanção da lei, as empresas serão obrigadas a organizar seus produtos e serviços deforma mais segura e adequada ao público infantil e adolescente disse.
Remoção de conteúdo
O texto obriga que fornecedores de produtos e serviços de tecnologia da informação adotem umasérie de medidas para prevenir o acesso de crianças e adolescentes a conteúdos prejudiciais, comopornografia, bullying, incentivo ao suicídio e jogos de azar. Entre elas está a remoção deconteúdo.
Caso sejam identificados conteúdos relacionados a abuso sexual, sequestro, aliciamento ouexploração, as empresas devem remover e notificar imediatamente as autoridades competentes, tantonacionais quanto internacionais. A exigência de remoção nesses casos não estava no textoaprovado pela Câmara e foi incluída pelo relator no Senado, Flávio Arns:
Não se pode admitir que conteúdos de tamanha gravidade possam permanecer disponíveispublicamente mesmo após sua identificação e notificação às autoridades competentes. O dever deremoção deve ser entendido como implícito nesses caso afirmou.
As empresas também deverão retirar o conteúdo que viola direitos de crianças e de adolescentesassim que forem comunicados do caráter ofensivo da publicação pela vítima, por seusrepresentantes, pelo Ministério Público ou por entidades representativas de defesa dos direitos decrianças e de adolescentes, independentemente de ordem judicial.
Denúncia abusiva
O usuário que publicou conteúdo considerado abusivo deve ser notificado com antecedência,recebendo a justificativa da decisão de retirada da postagem e a informação sobre se a análisefoi feita por um sistema automatizado ou por uma pessoa. A plataforma também deve oferecer ummecanismo de recurso acessível e claro, permitindo que o usuário conteste a remoção.
Se uma denúncia for feita de forma abusiva, o autor poderá sofrer sanções, incluindo asuspensão temporária ou até a perda da conta em casos de denúncias falsas recorrentes.
Redes com mais de 1 milhão de crianças ou adolescentes devem publicar, a cada seis meses, umrelatório com dados sobre denúncias de abuso, conteúdos moderados e ações de gestão de riscosà segurança e saúde das crianças e adolescentes.
Supervisão dos pais e verificação de idadeEntre as obrigações dos provedores de redes sociais, está a de garantir que haja vinculação dasredes sociais de crianças e adolescentes de até 16 anos a um responsável e a remoção deconteúdo considerado abusivo para este público.
O projeto proíbe que a verificação de idade seja feita por autodeclaração do usuário. Tambémexige que as empresas disponibilizem configurações e ferramentasacessíveis e fáceis de usar queapoiem a supervisão parental. A ideia é que os responsáveis tenham mais facilidade paraacompanhar o conteúdo acessado pelas crianças e adolescentes, bem como limitar o tempo de uso.
Nível máximo de proteção
As ferramentas de supervisão parental deverão, por padrão, oferecer o nível máximo deproteção disponível. Isso inclui bloquear a comunicação entre crianças e adultos nãoautorizados, limitar recursos que incentivem o uso excessivo como reprodução automática,notificações e recompensas , controlar sistemas de recomendação e restringir o compartilhamentoda geolocalização.
Pais e responsáveis também devem ter acesso a controles que permitam configurar e gerenciar aconta da criança, definir regras de privacidade, restringir compras e transações financeiras,além de identificar os perfis de adultos com quem seus filhos interagem.
Na ausência de conta vinculada aos responsáveis legais, os provedores deverão impedir qualqueralteração que reduza o nível das configurações de supervisão parental.
Penalidades
Quem descumprir a lei poderá ser penalizado com advertência, multa, suspensão ou até proibiçãode exercer atividades, sem prejuízo de outras sanções civis, criminais ou administrativas.
A advertência dará um prazo de até 30 dias para que o infrator adote medidas corretivas. Já amulta poderá chegar a até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil no último exercício.
Caso essa informação não esteja disponível, a penalidade será calculada entre R$ 10 e R$ 1 milpor usuário cadastrado no provedor, limitada a R$ 50 milhões por infração. Todos os valoresserão atualizados anualmente com base no Indice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
A aplicação das penalidades levará em conta fatores como a gravidade da infração,reincidência, capacidade econômica do infrator, finalidade social do provedor de internet e oimpacto causado à coletividade.
Empresas estrangeiras serão solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas aplicadas àssuas filiais, sucursais, escritórios ou estabelecimentos no Brasil.
As penalidades mais severas suspensão ou proibição de atividades só poderão ser impostas peloPoder Judiciário.
Caixas de recompensas
O relator retomou o texto do Senado sobre as chamadas caixas de recompensas (ou loot boxes) em jogoseletrônicos. O projeto original previa a proibição desse recurso, que oferece ao jogador itensvirtuais relacionados ao enredo do jogo sem que ele saiba previamente o que irá receber ou seja,vantagens aleatórias. No entanto, a Câmara flexibilizou a regra e permitiu o uso dafuncionalidade, desde que sejam seguidas determinadas condições.
Ao retomar a proibição total das loot boxes para crianças e adolescentes, Arns apontou queespecialistas alertam que esse tipo de mecânica pode incentivar comportamentos compulsivos e mantero jogador engajado por longos períodos, mesmo quando não há envolvimento de dinheiro, mas sim depontuações acumuladas dentro do próprio jogo.
Não existem limites seguros para que crianças e adolescentes utilizem este tipo de ferramenta.Há evidências científicas que sugerem que o uso de caixas de recompensa pode resultar emcomportamentos problemáticos em relação a jogos de azar entre adolescentes e jovens apontou osenador.
Fiscalização
O texto prevê que caberá à autoridade administrativa autônoma de proteção dos direitos decrianças e de adolescentes no ambiente digital fiscalizar o cumprimento da lei e editar normascomplementares. Essa autoridade seguirá as regras da Lei das Agências Reguladoras, o que implica,por exemplo, a realização de consultas públicas antes da edição ou alteração de normas.
Uma lei própria regulamentará a criação dessa autoridade, que segundo o senador AlessandroVieira poderá até mesmo ser incorporada pela Anatel, por exemplo. Ele fez a observação diante dapreocupação da senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) de que isso poderia resultar em maisburocracia e na criação de cargos desnecessários.
Dados de crianças
Os fornecedores deverão se abster de realizar o tratamento dos dados pessoais de crianças eadolescentes de maneira que possa causar ou contribuir para violações à privacidade e a outrosdireitos protegidos desse público.
Conteúdo impróprio
De acordo com o texto, os fornecedores de produtos com conteúdo impróprio para menores de 18 anosdeverão impedir o acesso por crianças e adolescentes.
Os provedores de aplicações de internet que disponibilizam conteúdo pornográfico deverãoimpedir a criação de contas ou de perfis por crianças e adolescentes.
Publicidade
Outra medida de proteção de crianças e adolescentes prevista no projeto de lei é a proibiçãode traçar perfis para direcionar publicidade a essa faixa etária. Será vedado ainda o uso deanálise emocional, realidade aumentada, realidade estendida e realidade virtual para esse fim.
Liberdade de expressão
A regulamentação não poderá impor mecanismos de vigilância massiva, genérica ouindiscriminada; e serão vedadas práticas que comprometam os direitos fundamentais à liberdade deexpressão, à privacidade, à proteção integral e ao tratamento diferenciado dos dados pessoaisde crianças e adolescentes.