Caminhar pelo Centro de São Paulo é folhear um livro vivo da nossa história. Entre as cicatrizes do tempo e os desafios sociais que nos saltam aos olhos, florescem, com uma força inspiradora, os sinais de uma nova pulsação. Longe de ser apenas um projeto de governo, o renascimento do coração da metrópole se revela como um movimento coletivo, uma sinergia promissora em que o poder público aliado à iniciativa privada é impulsionado pela sociedade civil.
Assistimos a essa transformação tomar força e vigor em iniciativas como o comitê #TodosPeloCentro, que articula diferentes esferas para pensar a região de forma integrada. Sentimos o perfume dos cafés e livrarias que florescem na Vila Buarque, trazendo de volta o charme boêmio e intelectual às suas calçadas. Vibramos com a energia de eventos como a Virada Cultural, que democratiza o acesso à arte e nos lembra que as ruas são nosso maior palco. Frutificam variados projetos que visam converter edifícios icônicos, antes ociosos, em moradias e centros de serviço, acenando com mais acesso a uma cidade que não dorme, viva 24 horas por dia.
Contudo, a verdadeira alma dessa transformação não reside apenas no concreto ou nos planos diretores, mas em um movimento muito mais profundo e sublime: a reconquista afetiva do Centro pela sua gente. A solução duradoura para os desafios da região não virá de decretos, mas do desejo genuíno dos paulistanos de pertencerem àquele espaço. É um chamado para que voltemos a ocupar nossas origens.
ATOS COTIDIANOS – Essa reconquista se materializa em atos cotidianos de cidadania e lirismo: é escolher o restaurante local para o almoço de domingo, é comprar o presente de aniversário no comércio de rua, é aplaudir o artista que se apresenta na praça, é levar os filhos para redescobrir os teatros e museus que testemunharam a formação da nossa identidade. É, em suma, fazer do Centro um destino, não apenas uma passagem. Quando a população ocupa, ela ilumina, protege e dá vida.
Essa convocação à ação cidadã, no entanto, não é um sinal verde para a omissão ou a insuficiência do poder público. Pelo contrário, ela exige um Estado que atue como verdadeiro facilitador. A responsabilidade dos governantes e legisladores é criar o terreno fértil para que essa semente de reapropriação germine. Isso significa investir incansavelmente em segurança, limpeza e iluminação de qualidade; significa destravar a burocracia e incentivar a requalificação de imóveis para moradia, garantindo que seja um processo inclusivo, que combata a gentrificação e acolha a diversidade; e significa, urgentemente, aprimorar a mobilidade, para que circular pelo Centro seja fácil, seguro e agradável para todos.
A revitalização do Centro de São Paulo é um pacto. Um pacto entre a memória e o futuro, entre o desenvolvimento econômico e a justiça social, entre a gestão pública eficiente e o engajamento cívico apaixonado. Não se trata de apagar as complexidades, mas de enfrentá-las com a coragem de quem acredita na potência do encontro. É o convite para que cada paulistano se sinta, outra vez, parte essencial do coração que faz a cidade inteira pulsar. A hora de reanimar o centro é agora, e a responsabilidade é de todos nós.
ANDRÉ NAVES
Defensor público federal, formado em Direito pela USP, é especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social, mestre em Economia Política pela PUC/SP e doutor em Economia pela Princeton. Autor dos livros Caminho, a Beleza é Enxergar (2023) e Beethoven Enxergou o Luar (2025).