ARTIGO, por Ricardo Meirelles de Faria: Buracos negros, Trump, o Pix e o nosso comércio varejista

Uma image de notas de 20 reais
Ao se irritar com o Pix, Trump representa em última instância interesses das empresas dos EUA
(Imagem gerada por IA/Dall-E)
  • Pix e Drex contribuirão ainda mais na redução de custos de transação na atividade econômica. Um buraco a menos drenando margens das empresas
  • Uma vez o tema oligopólio dos sistemas de pagamentos endereçado, voltarmos ao grande problema da nossa economia: a ineficiência do Estado
Por Ricardo Meirelles de Faria | colunista Compartilhe: Ícone Facebook Ícone X Ícone Linkedin Ícone Whatsapp Ícone Telegram

No streaming, há um interessante documentário sobre os buracos negros, esse desafiador fenômeno físico que tem intrigado cientistas ao redor do globo e cujos mistérios, ao menos parte deles, têm sido desvendados nos últimos anos. O buraco negro é antes de tudo um vórtice, essa força física rotacional que de alguma forma suga o que há ao seu redor e, no caso do buraco negro, o tritura, o comprime ao extremo pela sua gigantesca força gravitacional e, então, cospe o resíduo em forma de radiação, a radiação de Hawking, nome dado em homenagem a Stephen Hawking, o assombroso físico inglês que a idealizou teoricamente em 1974.

Do documentário, sobre a física dos buracos negros, foi tudo o que entendi. Mas o assunto, a dinâmica dessa força gravitacional sugando tudo e todos, não deixa de nos remeter aos atuais Estados Unidos e seu commander-in-chief, Donald Trump. 

O vórtice socioeconômico vindo dos Estados Unidos cresceu enormemente no pós-guerra – quando o outro grande vórtice, a Inglaterra, se reduzia, senão a uma estrela anã, a uma fração do que havia sido no século 19.  Os Estados Unidos se tornaram, então, o grande eixo rotacional do mundo onde todos os países giravam ao redor, de uma forma ou outra, e parecendo ter atingido seu apogeu quando da desintegração de seu oponente, a União Soviética, em 1989.  

Escolhas do Editor

Desde lá, o final dos anos 80, a sociedade e a economia norte-americana parecem ter acelerado o ritmo rotacional, para o bem e para o mal, nos assustando com suas crises acionárias de 1987, 2000 e 2008, com o ataque às torres gêmeas sofrido em 2001 e as guerras decorrentes deste evento, a sua indescritível crise de saúde pública dos opioides, das chacinas com armas de fogo disseminadas na sua sociedade, a escalada de seu endividamento interno e externo, o surgimento das big techs e suas gigantescas redes sociais, a inteligência artificial, a polarização política e, por fim e decorrência de tudo isso, o surgimento do fenômeno Donald Trump que parece levar seu próprio país e parte do mundo para o centro do buraco negro.

Vale a ressalva de que há outros eixos rotacionais menores, mas ainda desafiadores, como a Rússia, o Oriente Médio e um deles que cresce enormemente, a China e o Sudeste Asiático.

PIX – Não será neste artigo que desvendaremos os desdobramentos da interação desses vórtices globais. Gostaria tão somente de me ater, rapidamente, sobre a irritação contemporânea de Donald Trump frente ao nosso Pix, esse mais do que bem-sucedido meio de pagamento nacional, parte do grande ambiente tecnológico que é o nosso SPB, sistema de pagamentos brasileiros, e seus importantes impactos sobre o processo produtivo brasileiro e mais ainda sobre o dia a dia de nosso comércio varejista. 

Quem não se lembra, não faz tanto tempo assim, quando o comércio varejista pagava 5%, 6% de seu faturamento aos detentores das máquinas de cartões de crédito e ao seu conjunto de players? Aquele grande oligopólio liderado pelas bandeiras norte-americanas de cartões era um grande vórtice sugador de renda. Sócios invisíveis, ou melhor, bem visíveis, de todos os players do comércio até pouco tempo atrás. 

Esse ambiente oligopolista tem se reduzido e irrita, de certa maneira com razão, Donald Trump, o representante em última instância dos interesses das empresas norte-americanas. Com a revolução tecnológica e a grande contribuição do Banco Central brasileiro no processo, esse oligopólio tem diminuído e os percentuais cobrados por esses serviços tem se reduzido bastante. Com o Pix a redução é enorme. 

Tem sido e continuará sendo uma disputa, uma intimidação pesada desses grupos norte-americanos cujos interesses se chocam frente a um sistema de pagamentos nacional, patrimônio público e muito bem-sucedido.  

O Pix e toda a tecnologia de pagamentos que ainda deve surgir nos próximos anos – por exemplo, o Drex, a moeda digital do Banco Central – contribuirão ainda mais para reduzir esses custos de transação na atividade econômica do Brasil, um buraco a menos na drenagem das margens das companhias brasileiras. 

Nesse sentido, uma vez o problema do oligopólio dos sistemas de pagamentos de alguma maneira endereçado, é inevitável voltarmos, então, ao grande problema atual de nossa economia, o custo de capital no Brasil, função do tamanho e ineficiência de nosso Estado, dos privilégios de setores que sugam este mesmo Estado e, também, a redução do ainda oligopólio na oferta de crédito, concentração menor do que havia algum tempo, mas que se mantém bastante forte. Há ainda muito trabalho pela frente com reformas micro e macroeconômicas a serem implementadas. Um dia por vez!  

Ricardo Meirelles de Faria
Professor de economia da EAESP-FGV, pesquisador do Centro de Excelência em Varejo da FGV, economista da Linus Galena Consultoria Econômica e colunista da Agência de Notícias DC News. 

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