O ambiente de fusões e aquisições entrou em 2025 com uma combinação pouco romântica para compradores impulsivos: custo de capital elevado, apetite seletivo e mais diligência sobre geração de caixa. Com a Selic a 15% ao ano desde 18 de junho — nível mantido na reunião seguinte —, o recado do Copom foi de pausa prolongada, não de alívio imediato. Para quem decide, significa recalibrar WACC, cortar projetos que não se pagam e priorizar transações com retorno rápido e métricas duras de performance.
O retrato do mercado
Os números do primeiro semestre ajudam a separar narrativa de evidência. A Kroll contabilizou 633 transações de M&A no Brasil no primeiro semestre de 2025, queda de 6,1% frente a 2024, ainda que os valores tenham crescido mais de 20%, indicando foco em ativos de maior qualidade. Setores mais ativos: tecnologia, serviços financeiros, alimentos & bebidas, energia e serviços em geral.
Outras leituras convergem. A PwC Brasil reportou alta de 15% no número de operações até junho, com alerta de perda de tração no segundo semestre — típica fotografia de janela seletiva, antes de uma provável normalização. Em paralelo, a TTR registrou 827 transações e R$ 146 bilhões movimentados no semestre, consolidando o país na liderança latino-americana.
No plano global, a PwC aponta queda de 9% no volume e alta de 15% no valor dos deals no primeiro semestre, síntese de um mercado que faz menos transações, porém maiores — e com tese mais defensável. Tendências setoriais privilegiam negócios ‘domésticos’ e serviços menos sensíveis a tarifas.
O que muda na prática
Preço do dinheiro: com juros em patamar de dois dígitos e comunicação do BC sugerindo cautela, o custo de capital não é um detalhe contábil; é condicionante estratégico. Planilhas que passavam com folga em 2021–2022 hoje exigem sinergia tangível, integração minimalista e patamares de ROIC mais altos para compensar risco.
Mix de operações: o ciclo favorece três famílias de negócio: a) Desinvestimentos de ativos não-core para reduzir alavancagem e destravar múltiplo do restante do portfólio; b) Bolt-ons de eficiência (tecnologia/processo) com impacto rápido em DSO, margem e giro de caixa; c) Carve-outs que isolam linhas com risco regulatório, cambial ou de execução que penalizam valuation do grupo.
Governança do deal: estruturas de preço desindexadas de promessas. Earn-outs curtos, covenants de caixa (DSCR, alavancagem líquida) e cláusulas-escudo (MAC, R&W, escrow) voltam a ser protagonista na negociação — não para engessar, mas para alinhar incentivo com entrega.
Disputa por “EBIT que dá para tocar”
O denominador comum dos casos que avançam é o payback de 18–24 meses no cenário base, estressado a câmbio, tarifa e custo de capital. A fotografia doméstica corrobora a tese: apesar do recuo no número de operações, os valores subiram, refletindo a migração do “shopping de ativos” para a “cirurgia de portfólio”. Quem compra quer fluxo previsível; quem vende busca destravar caixa e foco no core.
O que olhar antes de assinar
1) Tese de criação de valor (com CPF)
Cada sinergia precisa de dono, prazo e P&L. Na fila: captura de cross-sell em base existente, ganho operacional via sistemas e renegociação de insumos. Em juro alto, a tese “cresce e depois melhora margem” perdeu força; o inverso virou regra.
2) Integração minimalista
Três indicadores bastam para separar promessa de entrega nos 100 primeiros dias: receita recorrente, margem bruta e giro de caixa. Integrações longas drenam valor quando o carrego financeiro encarece por mês.
3) Estrutura de capital pós-deal
O after-market do M&A precisa caber no caixa. Metas como DSCR > 1,3x e alavancagem líquida abaixo do gatilho de covenants não são cosmética; evitam que a dívida coma a tese em 12 meses.
4) Risco regulatório e tarifa
Transações com exposição relevante a comércio internacional precisam de proteção cambial e cláusulas de preço contingentes a mudanças tarifárias. O investidor global está premiando ativos ‘domésticos’ e serviços menos expostos a sanções e barreiras.
Onde há tração (e por quê)
Tecnologia e serviços B2B – Recorrência contratual e possibilidade de plug-ins que derrubam custo unitário em seis meses.
Energia e infraestrutura essencial – Contratos longos, indexadores e demanda mais previsível ajudam a fechar a conta de ROIC.
Alimentos & bebidas – Cadeias resilientes e capacidade de repassar preço com inovação e distribuição. O recorte setorial reportado por Kroll reflete essa preferência por resiliência operacional.
O que pode estragar a festa
Janelas de mercado mais estreitas – Relatórios locais já sinalizam risco de desaceleração no segundo semestre, por volatilidade doméstica e externa.
Disputa de expectativas – Mesmo com a pausa do Copom, a incerteza sobre o tempo de manutenção da Selic trava decisões marginais.
Execução – No ciclo atual, over-promise paga multa: estruturas de preço com gatilhos realistas e governança de entrega valem mais que narrativas.
O veredito
O M&A de 2025 não acabou; apenas mudou de pele. Há capital para bons ativos, mas o filtro está mais grosso. A lógica vencedora combina disciplina de caixa, foco no core e métricas que sobrevivem a estresss de 100–200 bps no WACC. Em linguagem direta: menos vitrines, mais centro cirúrgico — com bisturi afiado, prontuário em dia e alta hospitalar autorizada pelo fluxo de caixa.
ROBERTO VALVERDE
Conselheiro, M&A advisor e empreendedor. Após exit da empresa de mobilidade urbana que fundou, a Master Park, vendida para o fundo de Private Equity Pátria, atua como advisor de M&A em operações de venda e já transacionou mais de R$ 2 bilhões em deals. É conselheiro consultivo e de administração em diversos setores da economia, como transportes, saúde, indústria, consultoria, tecnologia, serviços e educação.