SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A falta de um campo para informações sobre raça na declaração do Imposto de Renda no Brasil impede o cruzamento de dados e a mensuração das desigualdades raciais na carga tributária, afirmam especialistas.
De acordo com o tributarista Eduardo Alves, os dados existentes hoje não são suficientes para formulação de políticas públicas redistributivas sob o aspecto racial. Ele afirma que até é possível fazer inferências a partir de recortes, mas que é preciso ter estatísticas para a produção de medidas adequadas.
A proposta de incluir o campo racial na declaração do IR já foi apresentada pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ) no último mês de julho, por meio do PL (projeto de lei) 3375. A medida visa à ampliação de dados sociodemográficos do Estado, promovendo maior integração entre os diversos sistemas de informação.
A ideia é que a Receita Federal passe a coletar os dados de raça, como já faz com informações referentes à doenças graves, para permitir diagnósticos mais precisos sobre quem paga e quem deixa de pagar IR no país.
Rosana Rufino, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil seção São Paulo), explica que a declaração racial permitiria ao Estado produzir um retrato fiel das distorções existentes.
“Ao cruzar dados de cor, gênero e renda, o Estado pode desenhar políticas retributivas mais precisas e mais eficazes, corrigindo distorções históricas que a estrutura fiscal tem ajudado a manter. Reconhecer, medir e agir é o que nos aproxima de uma política fiscal verdadeiramente democrática”, diz.
Rosana afirma ainda que o discurso não é apenas sobre quem paga mais, mas também sobre quem não paga, pois deduções com educação, saúde privada e investimentos, por exemplo, funcionam como privilégios para quem já possui renda mais alta.
Enquanto isso, segundo ela, a população negra, majoritariamente nas faixas de baixa e média renda, permanece à margem desse sistema de compensações, pagando proporcionalmente mais sobre o consumo sem acesso equivalente a deduções.
“Não basta tributar menos quem tem menos, é preciso revisar quem o Estado escolhe premiar com isenções e incentivos fiscais. As políticas têm que caminhar em conjunto”, diz.
Rosana defende políticas de reparação que incluam empresas administradas por pessoas negras, com benefícios fiscais direcionados, medidas de acesso diferenciado ao crédito e alíquotas ajustadas.
Essa discussão tem ganhado tração, segundo Eliane Barbosa da Conceição, professora de administração pública da Unilab-CE e diretora da Plataforma Justa.
Para ela, contudo, ainda é preciso popularizar o conhecimento sobre tributação no país.
“A política fiscal tem que sair dos livros e vir para a boca da população, porque as decisões que o governo toma nessa direção afetam o conjunto da população. Temos que discutir isso como a gente discute educação e saúde.”
À reportagem a Receita Federal afirmou que tem planos para inclusão de autodeclaração racial na DIRPF e trabalha para implementá-la o quanto antes. A autoridade fiscal disse também reconhecer que os dados coletados por ela são importantes para a realização de estudos e a modelagem de políticas públicas.
Em setembro, durante seminário realizado pelo Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) em parceria com a Oxfam Brasil (Comitê de Oxford para o Alívio da Fome, em tradução livre), o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, já havia sido questionado sobre o tema.
“Eu já me comprometi a isso. Estou trabalhando para que que tenha já na próxima declaração como uma porta de entrada”, disse o secretário na ocasião.
Ele afirmou, porém, que o dado não tem relevância direta para o trabalho do fisco e que por isso “historicamente a Receita tem um certo receio” quanto à sua inclusão na declaração.