[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Fato relevante divulgado em 22 de setembro pela Casas Bahia informava sobre a conclusão da oferta pública de cotas do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), que somou R$ 550 milhões, 10% acima da expectativa inicial. Segundo a empresa, a iniciativa é “alavanca fundamental” no processo de transformação da estrutura de capital. “Sua implementação é um passo importante na ampliação das fontes de crédito, assim como na redução do custo de financiamento”, disse o grupo no comunicado ao mercado. O recurso aos chamados FIDCs ainda é recente no setor de varejo, mas essa modalidade vem crescendo. O patrimônio líquido chegou a R$ 848 bilhões em junho, crescimento de 184,6% sobre igual mês de 2021, segundo dados divulgados pela diretora da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Marina Copola, durante o 8º Encontro Nacional da Anfidc, associação do setor, realizado em 23 de outubro. A quantidade de fundos saltou para 3,6 mil (+160%) e a de cotistas, para 275 mil (+674,6%). “É uma mudança tectônica na indústria”, disse Marina. Boletim da CVM mostra os FIDCs como um dos destaques do ano, até o terceiro trimestre, com emissão de R$ 97,9 bilhões (+8,6% sobre 2024).
                        
                                                                    
Para Klever Lairana Muller, presidente da associação até a realização do encontro – quando foi escolhida nova diretoria, liderada por Samuel Garson –, os FIDCs se apresentam como “alternativa relevante” ao crédito bancário. “Aumenta o alcance e a capilaridade de acesso aos recursos”, afirmou. Durante o evento, a Associação Nacional dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (Anfidc) apresentou dados comparando o patrimônio líquido em outubro de 2022 (R$ 320 bilhões) com igual mês de 2024 (R$ 720 bilhões), aumento de 125%. “Estamos caminhando rapidamente para alcançar a marca de R$ 1 trilhão”, disse. “O mercado de crédito é bastante desafiador. Esse aumento de liquidez vai trazer uma série de novos desafios.”
                        
                                                                    
Essa categoria de fundos de investimento adquire crédito que as empresas têm a receber. Por exemplo, cartões de crédito, cuja operadora faz o pagamento no mês seguinte. No caso do Grupo Casas Bahia, o fundo teve garantia “de recebíveis de cartões de crédito não performados, provenientes de venda de mercadorias no ecommerce e em algumas lojas físicas”. Cartão não performado é aquele ainda não pago. Para o CEO da Flow Fintech (Grupo FlowInvest), Leonardo Morales, esse caso ficou mais à vista por se tratar de companhia de capital aberto, com bastante divulgação. “Mas existem inúmeros outros. Redes de supermercados, atacarejos, distribuidores, marcas de moda”, afirmou, citando empresas como a Magazine Luiza e a Lojas MM, do Paraná. “No nosso caso, temos estruturas voltadas para antecipar recebíveis de fornecedores de grandes redes, com risco sacado”, disse Morales. Isso ajuda a fortalecer toda a cadeia: “Fornecedores recebem à vista, o varejista alonga prazo e o fundo entra como financiador estruturado”. Segundo ele, é um modelo que vem crescendo muito.
                        
                            
                                                            
                            
                        
                                                                    
O uso no varejo ainda é incipiente “porque a abertura desse investimento ao público em geral é recente e condicionada”, segundo o diretor de conteúdo da Uqbar (empresa de inteligência de mercado), Alfredo Marrucho. “Investidores de varejo não podem comprar cotas subordinadas e cotas sênior devem passar por classificação de risco, entre outros requisitos.” Além disso, é preciso garantir “desenho de carteira e governança mais padronizados”. Marrucho acredita que, mesmo consolidado entre o público profissional, o FIDC “ainda precisa construir uma imagem” no varejo. “O resultado é uma adoção gradual, com poucas estruturas já aptas e uma fila de operações a sair.”
                        
                                                                    
REGULAÇÃO – Para o diretor da Uqbar, a expansão dos fundos no mercado se deve, por um lado, à Resolução 175 da CVM, do final de 2022. “Consolidou regras e clarificou papéis dos prestadores de serviço”, afirmou. Além do aspecto regulatório, há a questão econômica. “O ciclo de juros altos e maior seletividade bancária aumentaram o espaço para financiamento via FIDC”, afirmou. Ele destaca ainda a proliferação de fintechs. Assim, conclui, a FIDC “acaba vencendo preconceitos iniciais e conquistando a confiança dos captores como meio competente de financiamento”. Marrucho cita FIDCs como os da Cielo e da Stone, “que historicamente securitizam recebíveis de cartão de crédito”. 
                        
                                                                    
O analista Sidney Lima, da Ouro Preto Investimentos, diz que a norma da CVM modernizou o arcabouço regulatório dos fundos de investimento no país. “Também define responsabilidades mais rígidas para administradores e gestores, e impõe restrições às operações com partes relacionadas.” Para as empresas, os FIDCs funcionam como um mecanismo de antecipação de fluxo de caixa. “Ao cedê-los ao fundo, transformam créditos futuros em liquidez imediata, sem ampliar endividamento tradicional bancário e mitigando risco de inadimplência”, afirmou. No varejo, apesar de certo desconhecimento, “há sinais claros” de aumento do uso desses fundos. “Há espaço considerável de expansão e conscientização para que esse instrumento seja mais difundido.”
                        
                                                                                                                        
Ele observa que o FIDC voltado ao varejo tem peculiaridades. “Pois ele tende a trabalhar com recebíveis de consumo, como cartões, duplicatas, crédito consignado e financiamento de varejo.” Dessa forma, precisará de “maior pulverização de devedores”. E “transparência robusta” para investidores de menor porte e explicações claras sobre taxas, classes e riscos, “algo que foi reforçado pela Resolução 175”. Sobre riscos, para Lima o mais evidente é o da inadimplência dos devedores de créditos que compõem a carteira. “Se parte significativa dos cedentes não honrar o pagamento, pode haver impacto forte no retorno.”
                        
                                                                    
Para Morales, do Flow Fintech, a Resolução 175 tende a impulsionar a base de investidores. “Trouxe mais clareza e padronização, e abriu espaço para investidores de varejo entrarem com mais segurança”, afirmou. “Antes, o ambiente regulatório era fragmentado e afastava muita gente. Agora, o mercado fica mais previsível.” Segundo ele, as empresas que recorrem aos FIDCs são, em geral, as que têm vendas a prazo ou recebíveis futuros, “e precisam transformar isso em capital de giro para continuar crescendo”. São desde pequenas e médias empresas que vendem para grandes redes e antecipam duplicatas até companhias de maior porte que usam os fundos para financiar expansão ou alongar prazos com fornecedores. “A grande verdade é que FIDC deixou de ser só ‘coisa de empresa em dificuldade'”, disse o CEO. “Hoje é ferramenta estratégica de gestão financeira.”
                        
                                                                    
A 175 “aproximou o mercado de capitais da economia real”, define o CEO do Grupo Everblue, Gabriel Padula. E com o FIDC o investidor do varejo pôde participar de um mercado até então restrito aos institucionais, além de ter uma alternativa ao crédito tradicional. “Isso permite que empresas transformem seus recebíveis em liquidez imediata, sem depender exclusivamente de bancos.” Além disso, acrescenta, os fundos “conseguem precificar melhor o risco” e oferecer soluções mais alinhadas ao perfil do cedente ou do devedor. Risco sempre existe, “mas a estrutura do FIDC foi desenhada justamente para mitigá-lo”. No caso do varejo, segundo Padula, ainda é um mercado em desenvolvimento. Ganha relevância na medida em que as empresas buscam alternativas ao crédito bancário e investidores compreendem o mecanismo de securitização. “A regulação evoluiu muito nos últimos anos.”
                        
                                                                    
Ele listou algumas das principais especificidades do FIDC no caso do varejo.
                        
                                                                    
- Acesso limitado às cotas sêniores
 O investidor de varejo só pode aplicar nessas cotas, que têm prioridade no recebimento dos pagamentos e menor exposição ao risco. Ele não pode investir nas cotas subordinadas, que absorvem eventuais perdas da carteira.
- Restrições de alavancagem e concentração
 A CVM impõe limites mais rígidos de concentração de risco por cedente e por devedor, justamente para evitar exposição excessiva em um único crédito.
- Regras de transparência reforçadas
 Os FIDCs abertos ao público de varejo precisam seguir padrões mais altos de divulgação de informações, auditoria independente e governança, permitindo ao investidor acompanhar a performance e a composição da carteira com mais clareza.
- Custódia e gestão supervisionadas
 A estrutura do fundo deve envolver administradores e custodiante registrados na CVM, o que garante controle sobre o fluxo financeiro e o cumprimento das regras de lastro.