Chibana, 8 irmãos e a loja de autopeças que ampliou em 12 vezes sua área (com direito à academia de judô)

Uma image de notas de 20 reais
Rui Chibana lidou com peixes, pastéis, lanches e combustíveis até chegar às autopeças
(Fotos André Lessa/Agência DC News)
  • Loja de autopeças na Zona Leste nasce com 200 metros quadrados. Hoje tem 2,5 mil, e 34 mil itens no estoque
  • Rui Chibana, terceiro de oito filhos, 62 anos, trabalha desde os 6. Fez um pouco de tudo até chegar às autopeças, em 1986
Por Vitor Nuzzi

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Kohan e Hiroko saíram em 1958 do Japão, de navio, e chegaram a Brasil no ano seguinte. Queriam uma vida melhor. Deixaram um país ainda devastado pela Segunda Guerra Mundial. Eram de Okinawa, arquipélago ao sul do Japão atacado pelos aliados quase ao final do conflito, 80 anos atrás, e que se tornou base norte-americana. “Eles buscavam novas perspectivas”, disse Rui Kojo Chibana, um dos oito filhos do casal e há quase 40 anos empresário do setor de autopeças. Ele foi o indicado da Distrital Tatuapé da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) para receber o prêmio da entidade, neste ano, pelo Dia do Comerciante. A trajetória de Rui mostra que as dificuldades acompanharam a família também deste lado do planeta. Mas os Chibana tiveram outra vida no Brasil. Rui observa que quase todos são praticantes de judô – que, como ele diz, além de desenvolver disciplina o esporte ensina (literalmente) a cair. A metáfora pode valer para os negócios. Os irmãos e sócios têm uma loja de 2,5 mil metros quadrados, que ocupa quase um quarteirão na Vila Carrão, na Zona Leste, à beira da avenida Aricanduva. A primeira tinha 200 metros. A atual tem 12,5 vezes mais.

Até chegar a um empreendimento consolidado – com sede própria desde novembro de 1995, nove anos depois do início –, o caminho foi longo. Nascido em Campo Grande (MS) em 1963, terceiro dos oito filhos, ele chegou a São Paulo praticamente recém-nascido. Instalaram-se na Casa Verde, bairro da Zona Norte. Os pais, quando vieram do Japão, apostam na quantidade de terras para cultivar. Não foi bem assim. E todos tinham que ajudar. “Com 6 anos, eu tinha que tomar conta dos pequenos”, afirmou Rui. E trabalhar.

“A gente acordava às 3 da manhã e ia pro Ceasa”, disse o empresário. “Carregava aquelas caixas pesadas de peixe para os boxes. Voltava, ia para a escola. E assim foi indo.” Depois, dos 11 aos 15 anos, foi a vez de trabalhar na feira, fazendo e vendendo pastéis. Aos 16, outra mudança de rumo e de ramo: uma lanchonete na Vila Formosa, também na Zona Leste, com “26 banquinhos”, como ele lembra. Mais um trabalho que exigia chegar cedo. O adolescente Rui ficava sozinho até as 7h, fritando coxinhas e tomando conta de tudo, até outros funcionários chegarem. À tardinha, claro, a escola. “Porque o importante é estudar. Eu mesmo fui procurar um colégio. Havia poucas vagas na época.”

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A sequência de trabalhos incluiu um posto de gasolina com o pai, durante um período mais curto, em Campo Grande. Ele tinha 18 anos. “Meu pai era aventureiro. Acho que peguei um pouco disso.” Mas Rui pensava que precisava de mais. E aqui entra um fator que o empresário citará algumas vezes durante a conversa: conhecimento. “Tem vários problemas que o empresário enfrenta na vida. Um deles é a legislação. Achei importante ter conhecimento”, disse, ao explicar sua opção pelo curso de Direito. Há algum tempo fora da escola, teve dificuldade no começo. “Eu me achava o pior aluno da classe. Estudei com afinco”, disse, lembrando dos pais. “Eles sempre falavam: começou alguma coisa, vai até o fim. No terceiro ano, matei todos as DPs [dependências] e as minhas notas começaram a ficar bonitas.”

Fachada da empresa, na Vila Carrão: sede própria desde 1995
(Andre Lessa/Agência DC News)

ESPORTE – Durante o curso, em 1993, Rui e Márcia se casaram. Quando foi a vez de ela frequentar a faculdade, os papéis se inverteram: ela ia estudar e ele cuidava das crianças. Uma mulher e três homens, hoje de 26 a 32 anos. Dois se destacaram no esporte: a filha mais velha, Gabriela, é judoca olímpica – esteve nos Jogos de 2020, justamente no Japão. Começou a praticar o esporte aos 4 anos. Também formada em Enfermagem, teve a primeira filha há quase um ano. O caçula, Daniel, engenheiro civil, costuma ser convocado para a seleção brasileira de beisebol. Já foi campeão sul-americano. Rui lembra que em março do ano que vem o Brasil estará no World Baseball Classic, a Copa do Mundo da modalidade, em três sedes (Estados Unidos, Porto Rico… E Japão). Será apenas a segunda vez que a seleção participa do torneio. Dois filhos foram para o empreendedorismo: Lucas tem um atacarejo de doces e Felipe está no comércio de jardinagem. “Os pais têm que participar junto. Incentivo muito meus filhos. Estudo é importante. Trabalho é importante.” Esporte também. A Chibana tem uma associação dedicada a essa atividade, com uma academia instalada no andar de cima do prédio. O espaço (dojô) onde se pratica o judô tem o nome de Hiroko Chibana. Rui se emociona quando fala da mãe, que faleceu neste ano, aos 88. O pai, Kohan, morreu em 2010, aos 77.

Rui Chibana é também presidente da Associação Okinawa Kenjin do Brasil, entidade inaugurada em 1978 e com 40 subsedes no Brasil. “Cada uma tem vida própria”, afirmou. “A base cultural é muito forte.” A entidade promove apresentações de danças e canções folclóricas, entre outras atividades, além de ações sociais. “Não dá para esperar que o governo faça tudo.” Segundo ele, a criação da associação foi também uma forma de enfrentar certo preconceito enfrentado pela colônia japonesa. “Só a persistência não bastava. Precisava ter uma comunidade, uma associação.” Uma forma de apoio coletivo entre seus integrantes. Rui também comanda a representação brasileira Worldwide Uchinanchu Business (WUB Brasil), entidade empresarial que em agosto realizou sua conferência anual, no Havaí.

No andar de cima, espaço dedicado ao judô, à dança e a outras atividades
(Andre Lessa/Agência DC News)

Muita coisa mudou desde que os irmãos Chibana abriram sua loja – que de 1986 a 1990 tinha o nome de Autopeças Mauá, e ficava na avenida Conselheiro Carrão. Poucas prateleiras, lembra Rui. Um espaço de 200 metros quadrados. A região onde a Chibana está instalada, desde 1995, tem diversos estabelecimentos ligados ao setor automobilístico. Rui não os considera concorrentes. Cada qual tem seu espaço. “Às vezes, não é o preço que vai trazer o cliente. É a honestidade, a confiança, o atendimento”, disse. “Hoje, para ter venda, precisa ter volume de estoque.” A loja tem atualmente 34 mil itens cadastrados, de todas as marcas. De janeiro a agosto deste ano, segundo a Anfavea (associação das montadoras), foram produzidos 1,7 milhão de veículos (+6% sobre igual período de 2024). No setor de autopeças, a indústria estima receita de R$ 272 bilhões em 2025 (+4%). Já o varejo no estado de São Paulo cresceu 10,8% até agosto – e 7,8% na capital –, de acordo com pesquisa da FecomercioSP divulgada pelo Sincopeças, sindicato das empresas do setor.

Havia menos marcas, menos modelos, alguns às vezes com peças semelhantes. Em dezembro do ano passado, a frota brasileira somava 124 milhões de veículos (51,1% eram automóveis), segundo dados do Ministério dos Transportes, da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) e do Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam). Nos primeiros tempos da indústria no Brasil, em agosto de 1957, foram emplacados 2,9 mil veículos. Em igual mês de 1995 (ano 1 da Chibana), 153,7 mil. E neste ano, 225,4 mil. Alguns veículos podem ter dezenas de milhares de componentes, sempre exigindo reposição. E muito conhecimento dos irmãos Chibana.

Estoque da loja tem 34 mil itens cadastrados
(Andre Lessa/Agência DC News)

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