BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), o presidente do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e ex-chefes da AGU (Advocacia-Geral da União) estão na lista dos que receberam uma fatia dos honorários bilionários pagos em janeiro a advogados e procuradores do governo federal.
Como revelou a Folha de S.Paulo, 12,8 mil membros da AGU receberam um total de R$ 1,68 bilhão em honorários em um único mês, graças a pagamentos retroativos decididos pelo CCHA (Conselho Curador dos Honorários Advocatícios) sem a devida transparência. Para mais da metade dos servidores, o valor extra passou de R$ 193 mil. Na média, cada um ganhou R$ 134 mil.
Dados do Portal da Transparência mostram que um dos beneficiados foi o atual ministro do STF André Mendonça. Egresso da carreira de advogado da União, ele recebeu um total de R$ 154,8 mil em janeiro. Procurado, ele não quis se manifestar.
O atual presidente do INSS, Gilberto Waller Junior, é procurador federal e recebeu R$ 193,2 mil no início do ano. Seu antecessor, Alessandro Stefanutto, afastado após a operação Sem Desconto (que investiga irregularidades em descontos associativos de aposentados), é da mesma carreira e também recebeu um pagamento extra de R$ 193,2 mil.
Procurado, Waller Junior não quis comentar. Stefanutto disse, em nota, que se trata de uma remuneração legal, paga pela parte vencida em ações judiciais. Segundo ele, o pagamento é feito com base em critérios objetivos definidos pelo CCHA e “os valores recebidos seguem a sistemática aplicada a todos os procuradores federais em atividade, sem qualquer excepcionalidade”.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o atual chefe da AGU, ministro Jorge Messias, que é procurador da Fazenda Nacional, também recebeu R$ 193,2 mil em honorários no início do ano. Em nota, o órgão disse que Messias é concursado desde 2006 e que “o recebimento desse tipo de remuneração pelo advogado-geral está sujeito às mesmas regras e critérios que são aplicados de forma isonômica a todos os membros das carreiras da AGU”.
Ex-ministros do órgão também receberam valores retroativos. Bruno Bianco, que foi procurador federal e comandou a AGU no governo de Jair Bolsonaro (PL), ganhou R$ 162,4 mil em janeiro. Em julho de 2023, ele pediu exoneração do cargo público para trabalhar no BTG Pactual, onde ficou até o final de 2024. Hoje, ele é sócio de uma empresa de consultoria e também atua em escritório de advocacia. Procurado, ele não quis se manifestar.
José Levi também comandou a AGU no governo Bolsonaro e foi contemplado pelo pagamento extra de honorários. Procurador da Fazenda Nacional, ele recebeu R$ 190,2 mil em janeiro. Levi hoje atua como conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão responsável pela defesa da concorrência. Procurado por meio da assessoria do Cade, ele não respondeu.
Os honorários de sucumbência foram criados em 2016 como uma espécie de bônus pago aos servidores da área jurídica do Executivo pela atuação na defesa dos interesses da União. Eles beneficiam advogados da AGU e procuradores da PGF (Procuradoria-Geral Federal), da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) e do Banco Central.
Segundo o CCHA, os pagamentos realizados em janeiro correspondem à quitação de duas pendências, classificadas como o “rateio extraordinário de 2018 a 2021” e o “auxílio-alimentação complementar de 01/2017 a 09/2024”.
Mendonça e Bianco ainda estavam em cargo da estrutura da AGU nesses períodos, por isso foram contemplados. Waller Junior, Stefanutto e Levi ainda são procuradores e não só ganharam os retroativos, mas também recebem um repasse mensal de honorários entre R$ 14 mil e R$ 21 mil.
Em nota, a AGU disse que “não houve qualquer notificação à Advocacia-Geral da União, seja por meio de consulta prévia ou solicitação de autorização específica, quanto ao processo administrativo do CCHA que reconheceu o pagamento de eventuais verbas em atraso aos membros da AGU”. Segundo o órgão, as decisões “são de responsabilidade exclusiva” do conselho.
Nos dados enviados à CGU (Controladoria-Geral da União), também há menção a outras obrigações pagas em janeiro, como auxílio-saúde, correção monetária e juros de mora sobre valores retroativos.
Não há detalhes públicos de como esses valores foram calculados ou o que motivou o “rateio extraordinário”. Reportagem do UOL publicada em março mostrou que a AGU tem criado novas parcelas de bônus sob o guarda-chuva dos honorários por meio de pareceres sigilosos. Uma delas foi o auxílio-alimentação, concedido de forma retroativa e que contribuiu para turbinar os repasses.
Outro expediente recente foi a determinação para pagar terço de férias sobre o valor dos honorários, com repercussão sobre períodos anteriores.
Inativos também são contemplados pelos honorários. A lei diz que eles recebem 100% no primeiro ano de aposentadoria, percentual que cai gradualmente até chegar a 37%.
No entanto, aposentados estão conseguindo na Justiça o direito a manter o bônus integral, o que tem gerado pagamentos retroativos. O argumento aceito pelos juízes é o de que esses servidores fazem jus à integralidade e à paridade (garantia de aposentadoria com o mesmo salário da ativa e direito aos mesmos reajustes), inclusive no caso dos honorários.
Em janeiro, o maior desembolso foi no valor de R$ 444,1 mil, para uma procuradora federal no Piauí aposentada desde 1995. Antes disso, o conselho já havia pago, em agosto do ano passado, R$ 546,5 mil a um procurador da Fazenda no Rio de Janeiro aposentado desde 2013.
Em março de 2025, um advogado da União no Rio de Janeiro aposentado desde 2013 recebeu um total de R$ 612,9 mil.
Os honorários de sucumbência são pagos pela outra parte em processos dos quais a União sai vencedora. Até 2015, a receita ficava com o governo federal, mas o novo Código de Processo Civil, no entanto, previu que essa verba pertence aos advogados públicos.
Em 2020, o STF declarou a constitucionalidade da regra, mas determinou que a soma do salário e dos honorários não poderia ultrapassar o teto do funcionalismo.
No entanto, sempre que há pagamento de valores retroativos, há brecha para ultrapassar esse limite. A lógica é a seguinte: como o montante se refere a vários meses, na média ele fica abaixo do teto. Na prática, a estratégia dos membros da AGU é usar o espaço deixado no passado pelas remunerações inferiores ao teto e preenchê-los sempre que há ingresso extra de recursos no fundo administrado pelo CCHA.