BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Congresso e o governo Lula (PT) criticam o excesso de subsídios tributários e passaram a defender um corte nos benefícios como alternativa a iniciativas de aumento de impostos, mas a primeira medida concreta após encamparem esse discurso foi aprovar um projeto de lei que torna permanente e ainda amplia um incentivo bilionário para fomento ao esporte no país.
As sessões da Câmara e do Senado em que o projeto foi aprovado seguiram o padrão para esse tipo de ocasião no Congresso. Ex-atletas hoje à frente de ONGs e entidades esportivas foram ao plenário, posaram para fotos com os parlamentares e foram saudados nos microfones, com elogios a sua atuação e discursos de que esta política pública é essencial. O governo apoiou integralmente a proposta.
A lei de incentivo ao esporte permite abater do imposto de renda doações para iniciativas esportivas. Para as pessoas físicas, o desconto é limitado a 7%. Para pessoas jurídicas, o abatimento será mantido nos atuais 2% até 2027 e aumentará para 3% a partir de 2028. Se o projeto tiver cunho social, o limite para as empresas será de 4%.
O benefício possibilitou o desenvolvimento de projetos sociais e ajudou esportes olímpicos e paralímpicos brasileiros, mas também já foi alvo de operações da Polícia Federal por supostos desvios e do Tribunal de Contas da União, pela dificuldade do governo de aferir o cumprimento das metas pactuadas.
Essa política consumiu R$ 6,7 bilhões desde que foi criada, em 2006, dos quais R$ 1,2 bilhão apenas no ano passado. O governo federal vai abrir mão de R$ 543,7 bilhões em 2025 com todos os benefícios tributários concedidos a empresas e pessoas físicas, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, diz que o volume pode chegar a R$ 800 bilhões e defende um corte de 10% nesses benefícios.
Embora grande parte do Congresso já tenha dado declarações a favor desse corte, quase ninguém comentou, durante as sessões em que a Lei de Incentivo ao Esporte foi aprovada, sobre o volume excessivo de subsídios existentes no país e a necessidade de reduzi-los.
O único foi o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). “O Brasil viveu durante muito tempo e vive ainda uma farra das isenções”, disse. Mas ponderou que esse não seria o caso do incentivo ao esporte, pelo “elevadíssimo” alcance social. “Há um entendimento da importância do projeto.”
Nem mesmo o partido Novo, que costuma cobrar responsabilidade fiscal nesses casos, votou contra. A legenda foi representada no plenário pelo deputado Luiz Lima (RJ), ex-atleta olímpico, que citou inclusive a possibilidade de o benefício ser extinto em caso de déficit do governo em 2026. “Não podemos deixar que o esporte deixe de ser um pilar de educação e inclusão”, afirmou.
A extinção do benefício poderia ocorrer porque o Congresso aprovou em dezembro lei que proíbe a prorrogação ou ampliação de incentivos fiscais caso o governo registre déficit (despesas maiores do que as receitas). Foi parte do pacote fiscal, para garantir a sustentabilidade das contas públicas.
Mas, conforme mostrou a Folha de S.Paulo, a quase totalidade de subsídios que poderiam ser afetados já foi antecipadamente renovada pelo Legislativo ou teve o fim decretado antes dessa lei. Apenas 3,4% dos R$ 17,9 bilhões que tinham vigência até 2026 ainda poderão ser afetados, valor que agora será ainda menor caso o presidente Lula (PT) sancione as mudanças na Lei de Incentivo ao Esporte.
Se a lei do esporte se tornar permanente, os únicos benefícios que podem ser alvo desse bloqueio no atual mandato são a dedução de imposto de renda para quem doar para políticas de combate ao câncer e auxílio a pessoas com deficiência, além do subsídio para leasing (arrendamento) de aeronaves.
À reportagem, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), defendeu a votação e afirmou que não dá para tratar igualmente todos os benefícios fiscais. “Em muitos casos, esta é a única forma de apoio ao esporte paralímpico. É uma lei mais do que justificada, tanto que foi aprovada por unanimidade”, disse.
Motta ainda destacou que a Câmara negocia com o governo uma proposta de corte nos subsídios e votará também um projeto de lei para reavaliação periódica dos incentivos. “Penso que o Brasil tem hoje um volume excessivo de subsídios e esse projeto ajudará a medir o que é mais eficaz.”
O discurso de corte nos benefícios fiscais foi encampado pelo Congresso como contraponto a medidas de alta de impostos a exemplo do decreto que aumentava o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e também iniciativas de corte de gastos, como os supersalários do funcionalismo público.
Há cerca de um mês, após a reunião entre a cúpula do Congresso e Haddad para discutir alternativas à alta do IOF, os parlamentares defenderam o corte dos incentivos fiscais para ajustar as contas.
Motta afirmou no dia que os subsídios chegaram “a um nível insuportável”. “Tivemos a oportunidade de inaugurar um debate, esse, penso eu, de muito mais efeito e muito mais estruturante para o país, que é discutirmos a questão das isenções fiscais”, disse.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), destacou que os gastos tributários são o dobro do orçamento da saúde e da educação. “São relevantes, são importantes, em algum momento da história nacional foram importantes termos dado, mas é chegada a hora de nós, de maneira muito equilibrada, enfrentarmos esse debate”.
Para o professor Eduardo Grin, do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o Congresso só tem responsabilidade fiscal quando é pressionado pelo mercado financeiro e é muito sujeito a lobbies para aprovar benefícios setoriais. “O Brasil tem uma lógica de que tudo que é incentivo começa provisório e vira permanente”, diz.
O governo apoiou a aprovação do projeto. Em nota, a Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência) afirmou que a desoneração “não pode ser vista como gasto, mas como investimento”. “Somente no ano passado, mais de 6.600 projetos foram apresentados, impactando mais de 2 milhões de pessoas”, disse a pasta. No entanto, ressalvou que a decisão sobre sancioná-lo só será tomada no prazo de 15 dias.
Alcolumbre e a Fazenda foram procurados, mas não comentaram.