[AGÊNCIA DC NEWS]. Destaque do PIB em 2024 – resultado de uma “conjunção positiva”, como disse a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis –, o consumo das famílias carrega dúvidas sobre o desempenho da economia neste ano. Pelo menos dois dos três fatores citados pela analista (mercado de trabalho e juros) terão influência menor ou mesmo negativa. O terceiro fator são os programas de transferência de renda. Isso já faz com que, de saída, a expectativa para este ano seja de 2% de crescimento, ante os 3,4% do ano passado, conforme divulgado nesta sexta-feira (8) pelo IBGE.
Entre os setores de atividade, a maior alta foi dos Serviços (3,7%), que soma R$ 7 trilhões em valores correntes (60% do PIB). É também um segmento vinculado ao consumo e à renda. “No quarto trimestre o PIB ficou praticamente estável, com crescimento nos Investimentos, mas com queda no Consumo das Famílias”, afirmou Rebeca. Isso porque no quarto trimestre, segundo ela, houve um pouco de aceleração da inflação, principalmente a de alimentos. “Continuamos tendo melhoria no mercado de trabalho, mas com uma taxa já não tão alta. E os juros começaram a subir em setembro do ano passado, o que já impactou no quarto trimestre.”
Em outras palavras, existem duas maneiras de ler o PIB. Ou como foto. Ou como filme. No primeiro caso, foi o melhor resultado desde 2021. Somou R$ 11,7 trilhões, sendo R$ 7,5 trilhões (64%) relativo ao Consumo das Famílias, que cresceu 4,8% no ano, melhor resultado desde 2011. Se a análise for como filme, será preciso enxergar o movimento. E ele mostra esse mesmo Consumo das Famílias já caindo no último trimestre em relação ao anterior (-1%).
IPCA E SELIC – O país fechou o primeiro semestre com taxa básica (Selic) de 10,5% ao ano. Terminou o ano com 12,25% e já chegou a 13,25%, com perspectiva de novo aumento na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), nos dias 18 e 19 deste mês. O IPCA também deteriorou. Estava em 4,23% em junho (12 meses) e foi a 4,83% em dezembro. O grupo de alimentos, que chegou a ter dois meses de deflação (julho e agosto), acelerou no último trimestre e fechou 2024 com alta de 7,69%, ante 1,03% no ano anterior.
O economista da Rio Bravo José Alfaix comenta que a redução de ritmo já era praticamente consenso, mas o desempenho foi pior do que se esperava. “O que observamos foi uma retração mais agressiva na demanda, especialmente consumo das famílias”, afirmou. “Os dados mensais de atividade econômica já vinham representando queda consistente do consumo no varejo.”
Carla Argenta e Matheus Pizzani, economistas da CM Capital, concordam. Eles observam que o PIB – apesar de ter crescido acima das previsões de mercado ao longo do ano – cresceu abaixo das expectativas no quatro trimestre, tanto em relação ao anterior como na comparação com igual período de 2023. E o consumo das famílias caiu 1%. Ainda assim, fechou o ano com a maior taxa de crescimento dos últimos 13 anos.
Por isso não se pode fazer apenas uma leitura de bottom line. Para o economista Gesner Oliveira, sócio da GO Associados e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), o resultado de 2024 ficou bem acima do que se projetava no início do ano. “Havia um verdadeiro catastrofismo em relação ao ano de 2024 e o crescimento de 3,4% é bastante positivo”, afirmou. “Não chega a ser espetacular, mas é bastante positivo.” Mas é igualmente fato o preço a ser pago. Ele observa também que 2025 será “muito diferente do ponto de vista da composição setorial e do ritmo de crescimento”.
Os juros mais altos e a política econômica do governo Donald Trump, nos Estados Unidos, tornarão o ano mais desafiador e com perspectivas menores de crescimento. A Construção Civil – que cresceu 4,3% em 2024 – deverá sofrer mais impacto com a taxa de juros e a Indústria (+3,3% no ano passado) também “sofrerá um pouco”, avalia Gesner. Assim, a agropecuária (-3,2% em 2024) terá papel mais importante no desempenho de 2025. “Interessante que há, em determinados segmentos, um aumento do investimento. Ainda é preciso avaliar depois o impacto da taxa de juros”, disse. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) cresceu 7,3% em 2024. A taxa de investimento correspondeu a 17% do PIB, ante 16,4% no ano anterior.
MERCADO DE TRABALHO – Carla Argenta e Pizzani, da CM Capital, dizem que o principal fator foi o mercado de trabalho, com redução da taxa de desemprego e aumento da taxa de participação das pessoas. Segundo eles, esses movimentos mostram que houve a entrada de pessoas no mercado de trabalho acompanhado de uma absorção ainda mais intensa da mão de obra disponível, situação que contribui para o crescimento da massa de rendimentos global dos trabalhadores. “Isso implica em uma demanda agregada maior das famílias.”
O problema é que uma força de trabalho altamente ocupada é igualmente pressão inflacionária. A inflação ao consumidor foi de 1,5% no último trimestre. Mais do que a inflação geral, o preço dos alimentos, que variou 4,3% no mesmo período do ano, consumiu boa parte da renda na base da pirâmide social, segundo os economistas da CM. Isso evitou que o consumo “migrasse para outros produtos e serviços e tornasse a demanda das famílias acumulada no ano ainda maior”.
Preço dos alimentos é um dos pontos que preocupam para 2025, por mais que seu ritmo caia em relação ao ano passado, deve ficar acima da inflação. Alfaix, da Rio Bravo, apontou a “performance muito ruim do agro” com menores safras de produtos como o café, e alta de preços de itens como ovos e carne bovina. Ele diz neste caso os preços foram muito potencializados não só pela fase do ciclo do boi e escassez de oferta, mas pelo câmbio depreciado que também trouxe forte incremento de preço para os consumidores. “O resultado corrobora a visão de uma economia em desaceleração, apesar de ainda trazer um carrego estatístico positivo para 2025.”
Alfaix espera crescimento até a primeira metade do ano, impulsionado por fatores como pagamento de precatórios, reajustes salariais acima da inflação, pagamento do 13º para aposentados e liberação do saque-aniversário do FGTS. “Fatores que, somados, devem causar impulso de liquidez na economia e dar algum fôlego para o consumo no curto prazo.” Para depois, a aposta é de desaceleração.
CRÉDITO MENOR – Outro fator de destaque no ano passado foi o crédito, cujas concessões aumentaram 12,4% em 12 meses – mas tiveram variação nominal bem menor no último período de 2024, de 0,5%. Isso representa um recuo em termos reais. Em seus balanços, os bancos já preveem menor oferta de crédito em 2025. Na avaliação do Bradesco, 2024 teve aceleração de investimentos e forte aumento do consumo, movimento que vem desde o final da pandemia. Mas, também para o banco, o cenário começou a mudar. “No último trimestre do ano passado, consumo e investimentos perderam força, provavelmente derivada do aumento dos juros e da inflação”, disse o Bradesco em relatório.
Para o Bradesco, a economia crescerá 1,9% este ano, “ajudada por um primeiro trimestre forte vindo da safra agrícola e dos efeitos sobre o consumo da elevação do salário mínimo.” O banco observa ainda que a alta de 0,2% do PIB no último trimestre veio em linha com a projeção da instituição, mas abaixo do esperado pelo mercado (0,4%). E também destaca a queda do consumo das famílias no último período de 2024: “A demanda privada arrefeceu no trimestre”. As exportações também tiveram impacto negativo no período. No acumulado do ano, as vendas ao exterior cresceram 2,9%, enquanto as importações aumentaram 14,7%.