BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O acirramento da crise política e comercial com o governo dos Estados Unidos elevou a incerteza em relação ao comportamento da taxa de câmbio quando chegar 1º de agosto, data limite para a ameaça do presidente dos EUA, Donald Trump, de sobretaxar em 50% as exportações brasileiras.
Na véspera do anúncio, o dólar fechou em R$ 5,44. Chegou a subir para R$ 5,589 nos dias seguintes, mas caiu para um patamar em torno de R$ 5,55 sem uma retaliação imediata do Brasil.
O quadro mudou depois que o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), mandou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) usar tornozeleira eletrônica, na sexta-feira (18). A cotação subiu 0,75%, fechando em R$ 5,58, após o valor ter se aproximado de R$ 5,60 durante o pregão.
Com a tensão política, aumentou a preocupação no governo e no Banco Central com o impacto no câmbio a curto prazo. Lula criou um comitê, chefiado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, para discutir com empresários uma ação para evitar o tarifaço, mas não há sinais de abertura de diálogo com o governo norte-americano.
Uma autoridade econômica do governo admitiu à reportagem, na condição de anonimato, que, se o tarifaço de Trump se confirmar, a cotação do dólar pode “avançar um pouco mais”. Ela lembrou que uma alta de R$ 0,20 já machuca o câmbio porque representa, na prática, três meses do efeito de operações de carry trade na redução do dólar ante o real que “vão embora”.
Nesse tipo operação, o investidor toma dinheiro emprestado em um país com juros mais baixos e investe em outro que ofereça taxas mais altas. Na prática, o impacto do anúncio do tarifaço neutraliza parte do efeito de valorização do real com o diferencial de juros entre a taxa Selic -hoje em 15%- e os juros nos Estados Unidos.
Para outro integrante do governo Lula, a confirmação da sobretaxa tende a levar a um movimento de alta rápida nos dias em torno de 1º de agosto. Na sua avaliação, porém, deverá ser um ciclo curto de volatilidade com a tendência de a taxa de câmbio ficar ao redor do que está.
Ele destaca que a movimentação está mais relacionada a uma tentativa de arbitragem (estratégia financeira de compra e venda de moedas diferentes para aproveitar as variações de preço e obter lucro) do que com o nível de câmbio que prevalecerá no futuro.
Uma das razões apontadas pelo economista do governo é que neste ano há um refluxo do dólar nos Estados Unidos. Os recursos se espalham pelo mundo e o Brasil ganha com esse movimento -um exemplo é a apreciação cambial observada no último trimestre.
Com o diferencial de juros que o Brasil oferece em relação a outros países, tem valido a pena investir no país. Um ponto citado pelo integrante do governo é que o nível de juros atual implica um custo maior de fazer posição em derivativos (instrumentos financeiros cujo valor deriva de taxas de câmbio) contra o real.
Esse é um cenário diferente de 2024, quando os fundos brasileiros estavam vendidos em real, posição de aposta da queda do valor da moeda brasileira em relação ao dólar. Na época, havia incertezas em relação à definição dos juros pelo Fed, o banco central dos Estados Unidos, e às eleições americanas.
A pauta exportadora brasileira, com muitos produtos de commodities (com preços e demanda determinados pela demanda global), pesa na expectativa de não se esperar um movimento mais alto de dólar do país após o impacto a curto prazo. Além disso, a Bolsa brasileira continua barata, o que é um atrativo para quando o horizonte estiver menos turvo.
“A nossa análise é que tanto o efeito na atividade econômica como na inflação são pequenos porque o Brasil exporta pouco para os Estados Unidos”, avaliou o ex-diretor de Política Econômica do Banco Central e atual diretor de macroeconomia do ASA, Fabio Kanczuk.
“Se as exportações brasileiras para os Estados Unidos são menos que 2% do PIB, a gente faz um pouco de conta e vê que vai tirar mais ou menos 0,3%, 0,4% do PIB brasileiro. Não é legal, mas não é brutal.”
Kanczuk disse que há um componente político nas taxas, que não tem a ver com o efeito econômico do tarifaço.
Ele destacou que o tarifaço aumentou a probabilidade de reeleição de Lula, que está agora com um discurso bem mais redondo do que a direita. “A popularidade de Lula está melhorando. Vemos essa depreciação com o aumento da probabilidade de eleição de Lula. Daí, vai para o dólar”, afirmou. “Quem pensa em dólar e juros longos está pensando em eleição muito mais do que em efeitos econômicos que são tão pequenos.”
Nilson Teixeira, ex-economista-chefe do Credit Suisse, diz que, com o tarifaço, a inflação nos Estados Unidos aumentará. Nesse cenário, o natural seria prever que, com os Estados Unidos aumentando as tarifas, o resultado seria a apreciação do dólar.
Teixeira pondera, no entanto, que outros fatores entraram em consideração, como o aumento do risco de perda do dólar como reserva de valor de moeda de troca. “Isso torna ainda mais provável o aumento da inflação nos Estados Unidos e também uma desaceleração do crescimento do consumo.”
De acordo com ele, a curtíssimo prazo o real deprecia, mas depois a tendência é de apreciação. O economista criticou os comentários do presidente Lula, na semana passada, de que Trump não foi eleito para ser imperador do mundo.
“São comentários desnecessários. O caminho é a negociação, não reação. Falta uma maior relevância e poder do Itamaraty no aconselhamento do presidente”, disse. Teixeira considerou que, com essa postura, será difícil traçar uma resposta brasileira consistente ao tarifaço até o dia 1º.
Dalton Gardiman, economista-chefe da Ágora Investimentos, disse que o imbróglio é grande e interrompeu um momento de apreciação do real. “O dólar podia estar em R$ 5,30. O tarifaço chega num momento em que o país precisa focar 100% em melhoras mínimas para ter uma política fiscal um pouquinho mais racional, menos calcada em aumento de imposto.”
Para ele, o dólar não teve uma alta maior porque há a expectativa de que, ao final, Trump voltará atrás, como fez com outros países. É o que tem sido chamado no mercado financeiro de Taco Trade (Trump always chickens out, na sigla em inglês), o que significa “Trump sempre volta atrás”.
“Tenho dúvidas da perenidade dessa tarifa para sempre”, disse. O economista contou, no entanto, que já tem ouvido avaliações de que Trump pode usar o Brasil como exemplo para contrariar o Taco Trade.