[AGÊNCIA DC NEWS]. A Cultura Inglesa, tradicional fundação sem fins lucrativos do Rio de Janeiro, prepara seu plano de expansão para o centenário. A meta é saltar das atuais 50 franquias para 300 até 2030, que se somam às atuais 60 operações próprias, totalizando 100 mil alunos matriculados. A estratégia não mira apenas o crescimento geográfico: busca consolidar a rede como referência em inovação, com uso intensivo de inteligência artificial no ensino, na gestão de franqueados e no atendimento. O movimento ocorre em um momento de maior competição no mercado de idiomas, com players disputando espaço em meio ao avanço de modelos digitais, plataformas globais e startups de edtech. Para enfrentar o cenário, a Cultura Inglesa aposta no peso de sua marca, construída ao longo de 91 anos, e na combinação entre tradição e tecnologia como diferencial competitivo para os próximos anos. “A gente tem todo um ecossistema que os outros players não têm”, disse à AGÊNCIA DC NEWS Jayro Souza, diretor-executivo do grupo.
Fundada oficialmente em 1934, a instituição nasceu três anos após a visita do Príncipe George, duque de Kent, acompanhado do British Council, enviado a difundir a língua inglesa no Brasil. Da missão diplomática surgiu a Sociedade Brasileira da Cultura Inglesa e, logo depois, a Associação Brasileira de Culturas Inglesas (ABCI). A trajetória se consolidou a partir do Rio de Janeiro e, ainda nas primeiras décadas, conquistou presença relevante em São Paulo. Ao longo do tempo, a marca conseguiu se consolidar como referência o ensino de inglês, mas eles querem ir além. De acordo com Souza, hoje, a fundação quer expandir não apenas a rede de escolas, mas também o ecossistema de ensino, que inclui graduação, licenciatura e pós-graduação em sua própria Faculdade Cultura Inglesa. “Esse ecossistema é um dos principais trunfos da marca no nosso processo de expansão”, disse.
A primeira unidade paulista, inaugurada na avenida Higienópolis, em 1947, marcou o início da expansão fora do Rio, consolidando São Paulo como centro estratégico. A cidade recebeu visitas ilustres que reforçaram o prestígio da marca: em 1962, o príncipe Philip conheceu a escola em Higienópolis; quase 30 anos depois, em 1991, foi a vez de Charles, atual rei do Reino Unido, visitar a filial de Pinheiros. A ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher também passou por uma unidade da Vila Mariana em 1993. Esses episódios ajudaram a fortalecer o reconhecimento público da fundação, que se tornou referência não apenas como escola de idiomas, mas também como ponte cultural entre Brasil e Reino Unido.
Desde 2012, a Cultura Inglesa atua no sistema de franquias em nove estados, sendo o Rio de Janeiro, berço da empresa, o polo mais consolidado, com 30 unidades. São Paulo, por sua vez, é visto como o território de maior potencial para novos franqueados: a franqueadora já mapeou 115 oportunidades de instalação. O projeto nacional de expansão foi intensificado a partir de 2021, em resposta à pandemia, quando a fundação precisou acelerar a criação de modelos digitais, até então inexistentes na operação. Foram mais de oito décadas de aulas presenciais exclusivas até a virada forçada pela crise sanitária. Com a pandemia, a empresa precisou realinhar a estratégia de aproximação do aluno.
A virada digital exigiu ajustes no modelo de negócios. Segundo Souza, a adoção de aulas online foi “emergencial”, mas se transformou em um braço estratégico de crescimento. Hoje, o modelo remoto reproduz o presencial, mas sem substituí-lo. A franqueadora mantém exigências claras: todo franqueado interessado em operar online precisa ter uma unidade física, ainda que no formato compacto, de 100 metros quadrados e quatro salas de aula, com investimento inicial a partir de R$ 180 mil. O retorno médio para o franqueado é de 40% a 50%. “O remoto não substitui o presencial, mas otimiza o espaço e gera receita extra”, afirmou o executivo. A combinação dos dois formatos deve acelerar a expansão e abrir espaço em cidades menores, onde a operação tradicional seria inviável.
Na avaliação de Carlos Eduardo Mariano, gerente de franquias, o sucesso do modelo está diretamente ligado ao fato de a Cultura Inglesa manter 59 unidades próprias e uma remota, que funcionam como laboratórios de inovação. “Preferimos sofrer na carne antes de repassar ao franqueado”, disse. Isso permite que a rede teste metodologias, produtos digitais e até formatos de gestão antes de liberá-los ao mercado. Souza reforça que a confiabilidade da marca, somada à experiência acumulada em quase um século de operação, é o fator-chave para atrair novos investidores. Além do Rio e São Paulo, a rede também já tem presença consolidada em Goiás, Distrito Federal e Bahia, mas aposta principalmente em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Tocantins para sustentar o salto de expansão até o fim da década.
TECNOLOGIA – Se a base presencial ainda é o núcleo do modelo, o grande vetor de diferenciação para os próximos anos será a tecnologia. O setor de idiomas já vive o impacto da inteligência artificial. De acordo com pesquisa do British Council, 57% dos professores de inglês consultados afirmaram utilizar IA para produzir materiais, enquanto 55% recorrem à tecnologia para apoiar alunos em exercícios práticos. Atenta a essa tendência, a Cultura Inglesa já incorporou inteligência artificial em várias frentes. O movimento começou durante a pandemia, com o chatbot Ravi, inspirado no mascote da marca, criado para responder dúvidas de colaboradores. Mais recentemente, a rede avançou no uso da IA pedagógica, voltada para classificação de nível e acompanhamento do aprendizado de alunos.
Juliana Bove, gerente de expansão, explica que o e-tutor desenvolvido pela equipe digital da fundação atua como um tutor inteligente, capaz de identificar o nível de inglês do aluno, adaptar a linguagem e estimular o raciocínio, evitando respostas prontas. “Essas ferramentas foram produzidas internamente para garantir alinhamento com a metodologia própria da Cultura Inglesa”, afirmou. Hoje, cerca de metade dos alunos já é atendida com o apoio da IA, e a meta é alcançar 80 mil estudantes até em 2035. A tecnologia também será integrada ao processo de abertura de novas unidades, garantindo que o modelo pedagógico seja escalado sem perda de qualidade. Para a fundação, a inteligência artificial deixa de ser apenas um recurso complementar e passa a ser parte central da estratégia de diferenciação.
O uso da tecnologia vai além do ensino e começa a transformar a gestão da rede. Isabela Villas Boas, diretora de Produtos e Experiências de Aprendizagem, afirma que o próximo passo será aplicar a IA em processos administrativos, oferecendo aos franqueados ferramentas de automação que aumentem eficiência e reduzam custos. Bruno Degani, diretor de tecnologia, acrescenta que a companhia já trabalha em soluções específicas para gestão financeira e relacionamento com alunos. O objetivo é padronizar práticas e acelerar a curva de aprendizado dos novos franqueados, de forma que cada unidade opere com eficiência desde o início. Para a rede, isso é crucial: a expansão só será sustentável se vier acompanhada de rentabilidade e de mecanismos de suporte tecnológico.
O desafio, contudo, é equilibrar tradição e inovação. A marca tem mais de nove décadas de reconhecimento, com forte identidade ligada ao ensino presencial e à experiência cultural que sempre ofereceu. Ao mesmo tempo, precisa se reinventar para disputar espaço com plataformas digitais e concorrentes de baixo custo. Para Jayro Souza, a resposta está em reforçar o ecossistema: a combinação entre escolas físicas, ensino remoto, graduação própria, produção de conteúdo e tecnologia aplicada cria uma barreira competitiva difícil de replicar. “A gente tem todo um ecossistema que os outros players não têm”, disse. Esse diferencial, avalia o executivo, será decisivo para transformar a Cultura Inglesa de uma rede de 50 franquias em um sistema nacional de 300 escolas até 2030.
Mais do que números, a expansão representa a tentativa de reposicionar a marca como player central no mercado de idiomas no Brasil. Com 91 anos de história, a fundação carioca enxerga o futuro como oportunidade de unir tradição e disrupção. A aposta em inteligência artificial, o reforço de sua rede de franquias e a manutenção da identidade de qualidade são os três pilares do novo ciclo. Para investidores, significa um setor em transformação com uma rede sólida; para alunos, uma experiência de aprendizagem cada vez mais personalizada; para o mercado, o sinal de que o ensino de inglês no Brasil entrou em uma nova fase, na qual tecnologia, escala e reputação se tornam inseparáveis.