Daniel Sakamoto, da CNDL dá dica para 2026: “Vender melhor é mais importante do que vender mais”

Uma image de notas de 20 reais
Daniel Sakamoto diz que intermedição com o governo federal será fundamental em 2026
(Divulgação)
  • Juros altos, dificuldades de crédito e endividamento familiar proporcionam um ano de desaceleração e pouco crescimento para o varejo
  • Perspectiva de avanço em 2026: “Acredito que deva ficar no meio do caminho, não vai ser tão bom quanto 2024, nem tão desacelerado como 2025
Por Giuliano Tosin

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Depois de registrar, em 2024, o melhor desempenho do varejo brasileiro em 12 anos, o setor entrou em 2025 sob um novo regime econômico, marcado por desaceleração do consumo, juros elevados, crédito mais caro e recordes de inadimplência e endividamento das famílias. Dados do IBGE compilados pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) mostram que, no acumulado de janeiro a setembro de 2025, as vendas do comércio varejista cresceram 1,5%, ritmo bem inferior ao avanço de 4,1% observado ao longo de 2024, enquanto no varejo ampliado — que concentra atividades mais sensíveis ao crédito — houve recuo de 0,3% no acumulado do ano. Nesse cenário de “pé no freio”, a lógica de crescimento do varejo também mudou. “Se 2024 foi um ano de muito crescimento, 2025 é um ano de desaceleração e pouco crescimento”, afirma Daniel Keniti Sakamoto, gerente-executivo da CNDL, em entrevista à AGÊNCIA DC NEWS. Para ele, diante de um ambiente econômico mais restritivo e de transição para 2026, a dica para os varejistas é simples “A eficiência tem um peso muito maior do que o faturamento, em si”, disse, fazendo menção à eficiência operacional como principal critério de ajuste e estratégia para os lojistas.

O ambiente de restrição financeira foi agravado pela manutenção da taxa Selic em 15% ao ano, pela desaceleração das operações de crédito e pelo crescimento de 8,5% no número de consumidores negativados, que já somam 72,17 milhões de pessoas, ou 43,3% da população adulta, segundo dados da CNDL e do SPC Brasil. “Os juros altos representam crédito mais caro, tanto para o lojista quanto para o consumidor”, afirma o gerente-executivo da CNDL. Para os empresários, a elevação da taxa básica de juros se refletiu diretamente no custo do capital, que atingiu 20,7% ao ano em setembro de 2025, acima dos 17,5% registrados no mesmo mês de 2024, ao mesmo tempo em que o ritmo de expansão do crédito perdeu força, inclusive entre micro, pequenas e médias empresas. A inadimplência empresarial acompanhou esse movimento, avançando de 2,37% em setembro de 2024 para 2,48% em setembro de 2025, o que ampliou a pressão sobre o caixa das operações.

Mesmo em um cenário de juros elevados e restrição financeira, o mercado de trabalho do varejo manteve algum grau de resiliência ao longo de 2025, ainda que em ritmo inferior ao observado no ano anterior. Entre janeiro e setembro, o comércio criou 191 mil vagas formais, resultado positivo, mas que reforça um processo de ajuste gradual — e não de retração abrupta — da atividade. Nesse contexto, a articulação institucional ganhou peso adicional na agenda do setor. Segundo o gerente-executivo da CNDL, o comércio e os serviços hoje contam com uma representação mais estruturada junto ao governo federal e ao Congresso Nacional, especialmente por meio da Frente Parlamentar de Comércio e Serviços. “É um trabalho transparente, extremamente republicano, em que senta-se o setor produtivo com o poder público e se constrói ali as soluções para as demandas de cada setor.” Confira a entrevista.

Escolhas do Editor

AGÊNCIA DC NEWS – Como você avalia o ano de 2025 para o varejo lojista brasileiro? 
DANIEL SAKAMOTO – É importante começar dizendo que o ano de 2024 foi muito bom para o varejo, o melhor em 12 anos. Foi um ano de recuperação pós-pandemia, aquela retomada realmente de um varejo muito forte. Se 2024 foi um ano de muito crescimento, 2025 é um ano de desaceleração e pouco crescimento. Devemos ter, no final das contas, um ano positivo, mas muito menor do que foi 2024. Nossa análise não pode deixar de mencionar a Selic como elemento fundamental nessa equação. Os juros altos representam crédito mais caro, tanto para o lojista quanto para o consumidor. Portanto, tivemos um ano de maior dificuldade de obtenção de crédito. O varejo essencial como alimentação, higiene pessoal e farmácia, mostrou maior resiliência. Já no caso do varejo de bens duráveis, que está mais vinculado a valores mais altos e a concessão de crédito, apresentou maiores dificuldades. Além disso, estamos num período de recorde de inadimplência, que são aqueles consumidores que estão com contas já vencidas, e recorde também de endividamento das famílias, que é a quantidade de famílias que estão com dívidas dentro do seu orçamento familiar. Isso tudo trouxe um cenário que não é ruim, mas que poderia ter sido melhor se as condições estivessem mais favoráveis para o consumo e até mesmo para o empresário, que precisa realmente da concessão de crédito para investimento, para fazer capital de giro, para estoque e tudo mais.

AGÊNCIA DC NEWS – Além dos juros, crédito e inadimplência, existem outros fatores que influenciaram diretamente nesse cenário e que valeriam a pena ser citados? 
DANIEL SAKAMOTO – O varejo é muito dinâmico, ou seja, ele é volátil e muda de acordo com movimentações no mercado. Por exemplo, o tarifaço do Trump talvez tenha tido algum tipo de impacto. A questão da forte atuação de marketplaces estrangeiros aqui no Brasil também pode ter tido algum tipo de impacto. Então, o varejo sofre esses impactos de maneira dinâmica, e a gente tem que lembrar que o varejo é muito amplo. Quando falamos de varejo, podemos estar falando de alimentação, automóvel, roupas, calçados, acessórios ou produtos eletrônicos. Cada um desses segmentos reage de uma maneira diferente. O que verificamos é que, cada vez mais, o varejo está diretamente conectado com questões econômicas, políticas e sociais. Após a pandemia, surgiu um novo consumidor, que está mudando cada vez mais rápido e entrando muito numa questão que chamamos de omnivarejo. É aquele varejo onde o consumidor busca maior convergência do mundo físico com o digital. As empresas que sabem lidar com esse novo consumidor, estão conseguindo bons resultados. Mas uma grande parte do varejo que não está conseguindo ainda fazer a sua transformação digital e se conectar com esse novo consumidor, tem tido dificuldade. 

AGÊNCIA DC NEWS – Você acha que, em 2025, particularmente por ser o primeiro ano do novo mandato de Donald Trump, tivemos um aumento da influência de fatores externos em nossa economia? 
DANIEL SAKAMOTO – O Trump afetou todo tipo de questão, não só no Brasil como no mundo todo. Seja o envolvimento dele para tentar interferir e amenizar problemas de guerras, em Israel ou na Ucrânia, a atuação dele sempre tem algum tipo de impacto. Seja na questão da defesa da economia americana com os tarifaços e a forma dura como ele tem negociado tarifas, certamente tem. Mas o varejo brasileiro está acostumado a viver numa crise constante. Aqui no Brasil, infelizmente, nos acostumamos a ter muito tipo de turbulência, o tempo inteiro. Então, o varejista sabe lidar com isso tranquilamente. 

AGÊNCIA DC NEWS – O comportamento de algum segmento específico do varejo chamou a sua atenção este ano? 
DANIEL SAKAMOTO – Os dados mais atualizados que temos, apresentados pelo IBGE, são até outubro. Numa das pontas, com destaque, temos móveis, eletrodomésticos e produtos farmacêuticos, com um acumulado positivo de vendas no ano. Do outro lado, com uma retração, vemos os atacadistas de alimentos e bebidas, veículos e livros, jornais e artigos de papelaria. No meio termo, temos hipermercados e supermercados, praticamente empatados em relação ao ano passado. Roupas e calçados um pouco acima, material de construção praticamente empatado. Então, cada segmento tem o seu resultado e precisamos olhar um com mais destaque do que outros. 

AGÊNCIA DC NEWS – Como o setor lojista se preparou pra este final de ano? 
DANIEL SAKAMOTO – Nossas pesquisas de intenção de compras reafirmaram aquilo que a gente já sabe há bastante tempo, o período de novembro e dezembro é o melhor de venda para o comércio, independentemente do setor, é um período que vende tudo. A Black Friday, que deixou de ser por um dia e passou a ocorrer durante todo o mês de novembro, como um mês de promoções, se mostrou muito forte este ano. Os dados ainda estão sendo consolidados mas, realmente, a Black Friday, para quase todos os setores, teve um resultado muito positivo, e o Natal também vem nessa esteira. Quando a gente compara com 2024, vemos que existe uma pequena retração da quantidade de consumidores que afirma que vai às compras no Natal mas, em termos de movimentação financeira, vai ser maior do que no ano passado, especialmente por conta da inflação que, apesar de estar controlada, ainda é na casa de 4%, 5%, 6%, chega até 10%, de acordo com o segmento. Portanto, continua sendo uma data fortíssima, os lojistas se prepararam muito, e o segredo hoje do varejo, eu posso dizer que é a eficiência. O varejista que vai ter bons resultados, muitas vezes, não é o varejista que vende mais, é o varejista que vende melhor, que comprou os produtos na melhor condição, que vai vender na melhor condição, essa eficiência tem um peso muito maior do que o faturamento, em si. 

AGÊNCIA DC NEWS – E qual o papel do e-commerce, nesse contexto?
DANIEL SAKAMOTO – Bom, o e-commerce está cada vez mais relevante na perspectiva do varejo brasileiro. Especialmente após a pandemia, os números estão crescentes e muito fortes do brasileiro se acostumando, se tornando cliente recorrente e valorizando cada vez mais a experiência digital. Isso não significa que a experiência em loja física esteja perdendo relevância. Na verdade, o consumidor está buscando essa convergência, essa conveniência, dele poder fazer as compras no físico e no digital, cada um na sua jornada. Tem gente que gosta de pesquisar em loja física, pegar o produto, experimentar e depois comprar online. Tem gente, pelo contrário, que gosta de ficar pesquisando na internet, depois vai lá comprar na loja física. Outros gostam de fazer isso ao mesmo tempo que estão ali na loja física, mexendo no celular, comparando e fazendo. Então, essa conveniência tem sido realmente uma demanda do consumidor, e a transformação digital é um caminho sem volta. Acho que ainda estamos engatinhando na transformação digital aqui no Brasil. A gente vê que os grandes varejistas estão indo muito bem nisso, mas o varejo, de modo geral, ainda tem muito a caminhar nesse processo, que não é simplesmente você ter uma loja online. Já superamos essa fase. É você ter uma experiência online conectada com o seu estoque, com a sua loja, com a velocidade, a segurança e o conforto que o consumidor está procurando. 

AGÊNCIA DC NEWS – Quais as perspectivas do varejo lojista para 2026? 
DANIEL SAKAMOTO – De maneira geral, a perspectiva para 2026 é positiva. Acredito que deva ficar no meio do caminho, não vai ser tão bom quanto 2024, nem tão desacelerado como foi 2025. Talvez, 2026 fique entre esses dois anos, porque temos uma perspectiva de melhora nos juros. Não existe certeza, mas a sinalização é de que os juros devem começar a baixar, mas vão baixar lentamente. Então, vamos ter ainda um cenário de restrição no crédito, mas acho que teremos elementos mais estáveis. A gente imagina que o consumidor vá retomar seu apetite e a sua confiança pelo consumo por conta de uma estabilidade econômica que as decisões políticas do Banco Central estão indicando. Mas temos que ficar atentos a dois elementos importantes: o ano que vem é ano de Copa do Mundo e eleição. Copa do Mundo costuma gerar bons resultados para diversos segmentos do varejo, são 30 dias em que o consumo aumenta, em diversos setores. Tem gente que se prepara para a Copa do Mundo trocando televisão, geladeira, etc. Muitas empresas fazem investimentos em bares, restaurantes e hotelaria, para poder aproveitar esse período, então deve gerar bons números. A eleição é aquela incógnita. Prevemos que seja uma eleição polarizada, mais uma vez, mas é um cenário já previsto e que, muitas vezes, também gera muito retorno financeiro para alguns segmentos. Então, é uma perspectiva de crescimento moderado para 2026. Destaco que, cada vez mais, no varejo que a gente tem hoje, os bons resultados dependem de eficiência operacional. Eficiência operacional na gestão do seu negócio, na hora de fazer suas compras da indústria, na hora de fazer suas ofertas e estratégias de venda. 

AGÊNCIA DC NEWS – Quais as maiores ameaças para 2026? 
DANIEL SAKAMOTO – A eleição pode ser uma oportunidade ou ameaça, porque a gente não sabe exatamente como vai transcorrer o processo eleitoral, pode ser tranquilo ou muito turbulento. Já a questão da instabilidade da política externa é muito baseada nos Estados Unidos, que são muito imprevisíveis. É difícil mapear exatamente para que rumo vai o presidente Trump, ou seja, é uma tranquilidade hoje e daqui a dois meses pode mudar. A questão das guerras, que a gente viu durante alguns anos sendo um fator muito importante, estamos perdendo um momento de melhor perspectiva desses conflitos internacionais. Com esse cenário internacional turbulento, o varejo brasileiro mantém a sua resiliência. Então, se houver alguma crise internacional que faça o dólar disparar, a gente sabe que o Brasil sabe lidar com essa volatilidade do dólar, não chega a ser algo que vai impactar tão forte. Estamos cada vez mais conectados ao comércio internacional, cada vez mais consumindo produtos chineses que chegam a todo momento, cada vez com mais qualidade e com preço competitivo. Então, as questões internacionais podem sim ser uma ameaça, mas o varejo sabe lidar, aprendeu a lidar com essa volatilidade com mais tranquilidade.

AGÊNCIA DC NEWS – Na sua visão, quais os principais impactos que a reforma tributária vai causar no comércio? 
DANIEL SAKAMOTO – A reforma tributária talvez seja o tema mais complexo que a gente tenha tratado na defesa institucional do setor de comércio e serviços, porque ela foi aprovada mas está em fase de regulamentação, e agora vai entrar na fase de transição, que vai começar a mostrar os resultados mais efetivos. O que percebemos é que o setor de serviços deve ser impactado com tarifas maiores. A reforma tributária veio para tentar equilibrar um pouco, tirar o peso de impostos da cadeia da indústria e distribuir um pouquinho esses impostos mais para a área de serviços, talvez um pouco para o comércio. No fundo, temos que lembrar sempre que o lojista é um intermediador no recolhimento de impostos. Se ele começar a pagar mais imposto, ele vai passar esse imposto para o consumidor. O lojista faz esse processo de recolher os impostos para o governo, trabalha para o governo nesse sentido. Se houver realmente o aumento que alguns segmentos estão esperando, isso vai se traduzir em repasse para o consumidor, em perda de competitividade, em inflação, em desaceleração da economia e impacto no PIB. Então, é isso que vamos começar a olhar com atenção nessa fase de transição, para ver realmente onde as mudanças vão impactar mais e que tipo de solução é viável.

AGÊNCIA DC NEWS – Como você avalia a relação do setor lojista com o governo, no cenário de 2025? 
DANIEL SAKAMOTO – O setor de comércio e serviços, de maneira geral, nunca esteve tão bem representado em nível federal. Posso falar aqui em Brasília, porque hoje temos algumas frentes parlamentares que são mais vocacionadas à defesa desse setor. A CNDL, junto com as associações comerciais e outras entidades, tem uma relação muito próxima com a Frente Parlamentar de Comércio e Serviços. É uma frente que tem deputados e senadores que, semanalmente, se reúnem para ouvir do setor quais são as demandas, as pautas e as preocupações. Esses parlamentares são os porta-vozes do setor nas discussões no Congresso. Então, esse é um trabalho transparente, extremamente republicano, em que senta-se o setor produtivo com o poder público e se constrói ali as soluções para as demandas de cada setor. Da mesma maneira que, durante muitos anos, existiu a Frente Parlamentar do Agronegócio, a Frente Parlamentar da Indústria, atualmente a gente tem uma frente parlamentar forte e bem organizada para defender o setor de comércio e serviços. É um trabalho diário em que há vitórias e derrotas, há empates e nem tudo é possível fazer mas, pelo menos, é feito um trabalho sério de representação desse setor que é tão relevante para a economia. 

AGÊNCIA DC NEWS – E sobre os projetos de políticas públicas setoriais que a CNDL desenvolve? 
DANIEL SAKAMOTO – O nosso trabalho não é olhar de maneira específica, mas de um modo geral. Quando falamos em representação do setor, as principais políticas públicas que impactam o lojista, sem dúvida alguma, estão relacionadas a questões tributárias, além das questões de segurança pública, que também impactam demais o varejo. Então, todo tipo de projeto, todo tipo de discussão no Congresso que tem a ver com segurança pública, merece nossa atenção e acompanhamento. Projetos relacionados à inovação, e agora não se fala em outra coisa que não seja inteligência artificial, para nós têm muito valor. Queremos colocar o olhar do empresário lojista dentro dessas discussões para entender como isso o afeta, como isso pode beneficiá-lo ou de que maneira isso acaba prejudicando. Não fazemos esse trabalho sozinhos, mas com outras entidades, e é um trabalho muito organizado. Nunca estivemos tão fortes nem tão preparados para sermos protagonistas no debate sobre inteligência artificial e como isso impacta o varejo, qual é o desafio, qual é o risco de fazer uma legislação muito restritiva, ou muito permissiva, ou muito punitiva. Os parlamentares nos dão esse espaço e construímos juntos os posicionamentos.  

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