Dívidas gigantescas podem contaminar economia. Apenas cinco corporações já devem mais de R$ 230 bilhões  

Uma image de notas de 20 reais
Multinacional brasileira líder em gestão ambiental, Ambipar tem dívida de quase R$ 11 bilhões
(Rafael Henrique/iShoot/Folhapress)
  • Osias Brito: "Nesses bastidores, entre banqueiros e pessoal do universo financeiro, essa preocupação contamina a liberação de mais créditos"
  • "O que o mercado está dizendo é que esses mais de R$ 200 bilhões podem se tornar um problema caso essas empresas peçam Recuperação Judicial"
Por Edson Rossi

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Há um aviso de alerta máximo dominando as conversas entre os principais interlocutores do mercado financeiro: a exposição da dívida de empresas privadas. Apenas cinco dessas corporações têm um abacaxi que supera R$ 230 bilhões – equivale a quase todos os gastos do país com saúde pública (R$ 245 bilhões no orçamento 2025). O que era apreensão virou realidade na segunda-feira (20), com o pedido de Recuperação Judicial da Ambipar, tanto na justiça do Rio de Janeiro quanto na dos Estados Unidos. Multinacional brasileira líder em gestão ambiental, fundada em 1995 e com atuação em mais de 40 países, sua dívida chega a quase R$ 11 bilhões. O Santander seria o maior banco credor, com 6% desse volume. Coisa de R$ 660 milhões.

Um péssimo cenário se fosse algo exclusivo à Ambipar. Mas piora porque outras quatro gigantes são recorrentes nas conversas do mercado financeiro – Banco Master (dívidas brutas avaliadas em R$ 52 bilhões), Braskem (R$ 46 bilhões), Cosan/Raízen (R$ 67 bilhões) e Simpar (R$ 56 bilhões). “Não é que o mercado esteja dizendo que essas empresas vão quebrar”, afirmou Osias Brito, sócio-fundador da BR Finance. “O que o mercado diz é que esses R$ 230 bilhões podem virar um grande problema e contaminar a economia.” Osias Brito fez toda a carreira nesse universo. São 40 anos em passagens por Santander, Unibanco e como presidente do Banco Fibra, entre outros players financeiros. Nesta entrevista, ele fala em on o que o mercado financeiro diz em off.

AGÊNCIA DC NEWS – Apenas cinco corporações privadas têm uma dívida que ultrapassa os R$ 230 bilhões, quase o orçamento do Ministério da Saúde em 2025. Qual o risco disso para a economia?
OSIAS BRITO –
Você tem um potencial problema de crédito na economia. E por quê? Muitos grupos estão alavancados.

AGÊNCIA DC NEWS – O que levou a isso?
OSIAS BRITO –
Muitas empresas acabaram entrando [na contratação de crédito] num momento em que o juro estava baixo, que foi na época da covid. O juro nominal era de 2% ao ano. Captaram muito dinheiro e, de repente, o juro disparou.

AGÊNCIA DC NEWS – A dívida em si não é o problema, mas sim o perfil da dívida em termos de prazo e a alavancagem (a relação dívida/Ebitda). Quais são as empresas que o mercado financeiro mais comenta?
OSIAS BRITO –
Ambipar, Banco Master, Braskem, Cosan/Raízen e Simpar.

AGÊNCIA DC NEWS – No caso do Banco Master os créditos não estão concentrados em grandes instituições bancárias, mas sim em diferentes perfis de investidores. O Fundo Garantidor de Créditos (FGC), que garante até R$ 250 mil por CPF/CNPJ, não pode minimizar a situação?
OSIAS BRITO –
Ao olhar o Banco Master a gente está falando em R$ 52 bilhões. Uma parte o Fundo Garantidor vai honrar, a outra parte é perda mesmo.

AGÊNCIA DC NEWS – Quanto se estima que possa ser coberto?
OSIAS BRITO –
Em torno de 40%. É o percentual que o mercado comenta.

AGÊNCIA DC NEWS – Há risco de liquidação?
OSIAS BRITO –
O que o pessoal está especulando, e reitero que é especulação, é sobre a verdadeira exposição do Master. Essa é uma conta muito difícil de fazer. Por quê? Eu teria de olhar emissão a emissão, CDB a CDB, pedacinho a pedacinho. Mas o que se comenta é que o FGC honraria uns R$ 20 bilhões.

AGÊNCIA DC NEWS – No caso das demais corporações, além do Master, a dívida se por acaso não for honrada acaba no colo de grandes instituições financeiras. Qual o potencial de estrago que isso pode causar?
OSIAS BRITO –
Nesses bastidores, entre banqueiros e o pessoal do universo financeiro, enfim, da cúpula desse universo financeiro, quando o mercado começa a comentar isso, essa preocupação, ela contamina o crédito, no sentido da liberação de mais créditos.

AGÊNCIA DC NEWS – Ou seja, antes de um potencial não pagamento, que pode ou não ocorrer, os rumores já geram uma realidade que contamina créditos futuros?
OSIAS BRITO –
Sim. Quando pessoas do mercado começam a conversar, começa a ficar uma coisa meio, ‘opa, se eu começar a ceder muito…’

AGÊNCIA DC NEWS – E o sinal mais drástico chega com o pedido de Recuperação Judicial, como acaba de ser feito pela Ambipar.
OSIAS BRITO –
Dívida todo mundo tem, né? O que piora na prática é quando a empresa pede Recuperação Judicial. Porque aí ela perdeu a capacidade de honrar os pagamentos.

AGÊNCIA DC NEWS – Um divisor de águas?
OSIAS BRITO –
Porque até pedir a Recuperação Judicial não se trata de um fato, mas sim de como o mercado está enxergando e o quanto essa preocupação pode contaminar muito da economia. Não é que o mercado esteja dizendo que essas empresas todas vão quebrar. O que o mercado está dizendo é que esses mais de R$ 200 bilhões podem vir a se tornar um problema caso essas empresas peçam Recuperação Judicial.

AGÊNCIA DC NEWS – Mesmo que não ocorram outros pedidos de Recuperação Judicial no curto prazo?
OSIAS BRITO –
Você tem a percepção do problema. E mesmo a percepção começa a contaminar créditos de um modo geral, inclusive para outras empresas, né? O que os bancos fazem? Ninguém quer pôr dinheiro bom em problema na economia. Então, os bancos pisam no freio.

AGÊNCIA DC NEWS – Por quê?
OSIAS BRITO –
Porque eles sabem que se você tiver um efeito terminal negativo vai respingar nele também. Então, nesse momento, ele acaba fazendo o quê? Reduzindo a capacidade de empréstimo dele, esperando para não ficar contaminado. São créditos expressivos, e as instituições financeiras acabam olhando para esse universo corporativo com outros olhos.

AGÊNCIA DC NEWS – Essa preocupação pode avançar para o crédito à pessoa física, ao consumidor final?
OSIAS BRITO –
Pode. Porque quando você tem uma onda na economia de perda de crédito, eles [bancos e outras instituições financeiras] se tornam mais seletivos. Então, menos pessoas físicas devem ter acesso ao crédito.

AGÊNCIA DC NEWS – Ou seja, vai ser uma cascata mesmo?
OSIAS BRITO –
Exatamente.

AGÊNCIA DC NEWS – Mas os grandes bancos privados, pelo menos no último balanço de cada um, ainda mostram crescimento na concessão de créditos. Esse movimento pode se inverter? Sair do sinal verde pro vermelho?
OSIAS BRITO –
Para mim já está no amarelo. Amarelo para vermelho.

AGÊNCIA DC NEWS – Como não há expectativa de curto prazo para queda acentuada dos juros, haverá uma relação mais criteriosa por parte dos bancos?
OSIAS BRITO –
Os bancos vão aumentar, digamos assim, os requerimentos para dar crédito. Vão ficar mais seletivos. Isso vai valer tanto para uma corporação, quanto para uma empresa de médio ou pequeno porte, e mesmo para o consumidor.

AGÊNCIA DC NEWS – E o reflexo disso no varejo…
OSIAS BRITO –
Ruim, para a economia como um todo.

AGÊNCIA DC NEWS – Especialmente a nossa economia, em que esses dois, três últimos anos foi muito lastreada no crescimento via consumo, a gente pode sem dúvida esperar um 2026 difícil?
OSIAS BRITO –
Sem dúvida. A possibilidade de 2026 ter um crescimento econômico menor que 2025 é bem razoável. O pessoal tem sido um pouco mais pessimista. O Banco Central já está com o pé atrás. A gente vê isso nos dados mais atuais. Trimestre a trimestre, o PIB está reduzindo.

AGÊNCIA DC NEWS – Mesmo com desemprego historicamente baixo?
OSIAS BRITO –
É verdade. Mas aí tem de se avaliar uma coisa, entender o que a gente está falando como desemprego. Por quê? Porque uma boa parte não procura emprego, está meio que numa rede de proteção dos benefícios sociais. O desemprego deixou de ser uma sensibilidade maior. A sensibilidade maior hoje é o problema fiscal. É o primeiro. Só depois vemos PIB.

AGÊNCIA DC NEWS – Por quê?
OSIAS BRITO –
Porque o PIB é a soma de todos os medos. Vê a parte exportadora, parte de consumo, parte de indústria. E aí depois você começa a olhar desemprego. Desemprego passou a ser um termômetro menos relevante depois que a economia, principalmente da pandemia para cá, criou essa cara de uma economia muito mais informal, mais ligada a trabalhadores no app, pessoal no subemprego, não no emprego formalizado. Por isso o problema número 1 é o fiscal.

AGÊNCIA DC NEWS – E vemos que essa agenda não parece prioritária para boa parte do governo federal.
OSIAS BRITO –
Vem um nó que a gente tem que desatar. A gente tem um governo, vou chamar aqui o Executivo, que não demonstra nenhuma preocupação com isso. Pelo contrário.

AGÊNCIA DC NEWS – Como sair disso?
OSIAS BRITO –
A gente tem de se olhar como uma sociedade. No Brasil ou qualquer país do mundo. É muito difícil você organizar o pensamento dessas pessoas com olhar de responsabilidade fiscal. Porque o ser humano médio está muito mais preocupado na dinâmica do dia a dia dele. Quanto custa o ônibus, quanto custa a comida, quanto vai pagar de luz, quanto vai pagar de água, quanto vai pagar de gás… Ele não está olhando sobre quão importante é o endividamento numa economia.

AGÊNCIA DC NEWS – E a conta chegará no médio prazo?
OSIAS BRITO –
Crescimento e juros altos não combinam. Então, a partir do momento em que os juros altos fizerem a economia parar de crescer, vem desemprego. Aí o cidadão vai sentir na pele o efeito dos juros altos no médio e longo prazo. No curto prazo, ele continua preocupado com o gás, mas aí você dá o vale-gás; com a energia elétrica, você dá vale-energia elétrica; preocupado com o filho não ir à escola, você dá o pé de meia… Não estou dizendo que não é para ajudar, mas tem que tomar cuidado com o estímulo que a ajuda traz.

AGÊNCIA DC NEWS – Isso pelo lado do consumo. E pelo lado da produção?
OSIAS BRITO –
Como funciona o mercado como um todo? A partir do momento que os juros continuam altos, as empresas investem menos. Elas vão ter uma dificuldade grande de atualizar o parque fabril e tudo mais. E a consequência disso é ela perder competitividade. Quando perde competitividade, ela começa a produzir caro. Logo, tem menos lucro. Com menos lucro, ela paga menos imposto. E o governo acaba recebendo menos. Os juros altos para o setor real da economia são uma desgraça.

AGÊNCIA DC NEWS – Difícil sair da espiral…
OSIAS BRITO –
A gente tem um círculo bem complicado, porque produtividade vai travando. E já não cresce historicamente nos níveis que deveria. A perspectiva é ruim, porque com o endividamento crescente como está, o que vai acontecer no, digamos assim, médio prazo? Um desestímulo para a economia real se movimentar. Você tem o empobrecimento da economia como um todo. E basicamente por quê? Pela ausência de estímulo para investimento. A única coisa que sustenta crescimento de PIB a médio e longo prazo é investimento na economia.

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