BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Eletronuclear, empresa estatal responsável pelas usinas de Angra 1 e 2, pediu socorro de R$ 1,4 bilhão ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para conseguir honrar pagamentos que vencem até o fim de 2025. A empresa prevê um rombo no caixa já a partir de novembro.
Em ofício encaminhado na última segunda-feira (20) à ENBPar, empresa pública por meio da qual a União controla as usinas, o comando da Eletronuclear alertou que eventual inadimplência de contratos terá um efeito cascata, com antecipação de cerca de R$ 6,5 bilhões em dívidas, retenção de receitas dadas como garantia de financiamentos e “inviabilidade definitiva do Projeto Angra 3, com geração de passivos estimados em R$ 21 bilhões”.
“Assim, vislumbra-se risco de colapso operacional e financeiro da Eletronuclear já a partir de novembro de 2025, diante do exaurimento de caixa, com potenciais desdobramentos”, diz o documento ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso.
O alerta é o mais recente de uma sequência de pedidos de socorro feitos pela estatal ao longo dos últimos meses. Ele chega num momento em que a fatia privada da empresa (67,95% do total de ações) vai trocar de mãos. A Âmbar Energia, braço da J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, assinou contrato para comprar a participação detida pela Eletrobras, agora rebatizada de Axia Energia, por R$ 535 milhões.
Enquanto o negócio não é concluído, ambas as empresas tentam se distanciar da responsabilidade por eventual rombo imediato no caixa da Eletronuclear.
Do lado da Axia, o discurso é que a situação de fragilidade da estatal foi discutida durante a negociação, e suas obrigações, agora repassadas à J&F, se limitavam à obra de Angra 3. Na J&F, a visão é a de que o grupo ainda não é o dono formal da participação na Eletronuclear e, embora planeje investir recursos no futuro, não pode responder pelos desequilíbrios imediatos.
Procuradas por meio de suas assessorias, Axia e J&F não se manifestaram.
O risco é a conta da crise acabar caindo no colo da União. A estatal já avisou que, sem solução para o colapso iminente, pode se tornar dependente do Tesouro Nacional para pagar despesas de pessoal e custeio.
Tal desfecho seria desastroso para o governo, que precisaria abrir espaço no Orçamento Fiscal para acomodar as despesas da Eletronuclear, mediante cortes em outras políticas. A equipe econômica enfrentou dilema semelhante com os Correios, que agora serão socorridos com um empréstimo de R$ 20 bilhões com garantia soberana, como revelou a Folha de S.Paulo.
Documento anterior, enviado pela ENBPar para o MME (Ministério de Minas e Energia) em 18 de setembro, detalha a situação de penúria da Eletronuclear.
Em dezembro de 2025, a empresa precisa quitar uma dívida de R$ 570 milhões com os bancos BTG Pactual e ABC Brasil, contraída para viabilizar a prorrogação da licença de operação de Angra 1 por mais 20 anos.
A companhia esperava pagar a fatura com a emissão de R$ 2,4 bilhões em debêntures subscritas pela então Eletrobras e que agora serão assumidas pela J&F, mas a operação ainda não saiu do papel. A Eletronuclear tem a expectativa de concluir o processo até dezembro.
“Sem o ingresso dos recursos oriundos da emissão, a companhia incorrerá em inadimplemento, sujeitando-se não apenas a multas e juros, mas também à aceleração de outras dívidas”, alertou a ENBPar, citando financiamentos contratados com BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e Caixa Econômica Federal. Procurados, Caixa, BTG e ABC Brasil disseram não comentar o caso. O BNDES não respondeu.
O ofício cita ainda um passivo de R$ 450 milhões com a INB (Indústrias Nucleares do Brasil), que fornece combustível às usinas. Até o fim de outubro, esse número já subiu para algo próximo de R$ 700 milhões.
A empresa ainda gasta cerca de R$ 1 bilhão por ano com a manutenção e o serviço da dívida de Angra 3, obra inacabada que ainda não gera receitas para a estatal. A obrigação consome o caixa próprio da companhia, uma vez que não é coberta pela tarifa de energia.
No documento, a ENBPar indica à União quanto ela precisaria injetar na empresa e dá a entender que o aporte é pré-condição para a emissão das debêntures.
“No âmbito da emissão em análise, cujo uso dos recursos será direcionado ao LTO [programa extensão de vida útil] de Angra 1, os estudos apontam a necessidade adicional de aporte mínimo do controlador [União], estimado em R$ 1,4 bilhão, a fim de mitigar o risco de perda de controle da Eletronuclear. Essa exigência decorre do Termo de Conciliação e das condições de capitalização previstas para a operação”, afirmou a empresa.
Procurado, o Ministério da Fazenda disse que “tem posição restritiva quanto a pedidos de aporte em empresas estatais”. A pasta afirmou ainda estimular melhorias de gestão e alternativas próprias de negócio.
“Eventual pleito de reequilíbrio deve estar embasado em um plano detalhado de sustentabilidade, cuja avaliação concreta deve se dar primeiramente no âmbito setorial e junto à coordenação das estatais”, disse.
Sem perspectiva de aporte, a Eletronuclear busca outras opções, como o “enquadramento extraordinário e antecipado” da empresa nas regras do Decreto n.º 12.500 de 2025, que regulamenta o plano de reequilíbrio econômico-financeiro de estatais não dependentes.
Por esse caminho, a companhia poderia receber recursos da União sem se tornar dependente, mas teria dois anos para executar o plano de ajuste. A medida depende do aval do MME e do MGI (Ministério de Gestão e Inovação). Procurados, eles não se manifestaram.
A Eletronuclear tenta ainda resgatar cerca de R$ 1,2 bilhão de um fundo criado para financiar o desmonte seguro de usinas nucleares. O pleito corresponde a cerca de um terço dos valores disponíveis no fundo e depende de análise da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e da ANSN (Agência Nacional de Segurança Nuclear). Há o risco de haver liberação apenas parcial dos recursos.
Em 30 de setembro, o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) encaminhou aos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Esther Dweck (Gestão e Inovação) um alerta de que as previsões de aporte na companhia em 2026 também foram suprimidas da proposta de Orçamento do ano que vem. Segundo ele, a decisão de excluir os recursos compromete “de forma imediata e severa” a capacidade de preservar a solvência da companhia e de honrar compromissos operacionais e trabalhistas.
Procurada, a Eletronuclear afirma que quaisquer saídas darão alívio ao caixa, mas não resolvem a equação maior. “O custo de R$ 1 bilhão por ano de Angra 3 é insustentável e ameaça corroer a geração de caixa das demais usinas. A tarifa atual está dimensionada apenas para Angra 1 e 2. Sem uma definição clara sobre o projeto, a Eletronuclear segue em risco iminente de desequilíbrio estrutural”, diz.