SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As empresas brasileiras de capital aberto possuem US$ 45 bilhões (cerca de R$ 240 bilhões) em lucros acumulados que ainda não foram repassados a seus sócios, valor que precisaria ser pago até 2028 para que seus principais acionistas escapem do Imposto de Renda Mínimo.
Os dados fazem parte de levantamento inédito da Abrasca (associação das companhias abertas), que estima que 60% seriam destinados a investidores estrangeiros.
O período em que o pagamento precisa ser feito para garantir a isenção é alvo de controvérsia, e há pelo menos três interpretações em relação ao texto aprovado pelo Congresso, que possui dispositivos que estão em conflito com a Lei das Sociedades Anônimas em relação a essa questão.
Por isso, a associação tenta mobilizar o governo e o Congresso para afastar a tributação adicional em relação aos lucros gerados até este ano, independentemente da data de pagamento.
Diante da dúvida, algumas empresas avaliam se endividar ou esvaziar o caixa para fazer a distribuição aos sócios ainda em 2025. Se a maior parte do valor pago a estrangeiros for remetida ao exterior, poderia haver pressão sobre o câmbio, diz a Abrasca.
O patamar atual da taxa de juros faz com que, para algumas empresas, seja mais vantajoso deixar que os principais sócios paguem o imposto. Tributaristas também apontam a possibilidade de que os valores sejam reinvestidos nas companhias, via aumento de capital ou empréstimo do acionista –o que evitaria uma descapitalização.
O projeto de reforma do Imposto de Renda ainda precisa ser sancionado pelo presidente Lula (PT). Ele prevê o aumento da faixa de isenção, bancada pelo imposto mínimo de até 10% para cerca de 150 mil pessoas com renda acima de R$ 600 mil que estão pagando menos do que isso.
O principal alvo da proposta são os dividendos, que são isentos de IR desde 1996. Pequenos acionistas e governos estão entre aqueles que não estão sujeitos ao novo tributo.
O projeto aprovado diz que não serão tributados lucros e dividendos apurados até 2025, desde que a distribuição tenha sido aprovada até 31 de dezembro deste ano. Também é necessário que “o pagamento, o crédito, o emprego ou a entrega” do dinheiro ocorra até 2028.
A Abrasca diz que muitas empresas avaliam fazer o pagamento ainda em 2025, pois a Lei das S.A.s manda entregar o valor aos sócios no ano da deliberação. No caso das empresas de capital fechado, seria possível desembolsar o dinheiro posteriormente.
Alguns advogados avaliam que é possível esperar até 2026 para fazer o pagamento, pelo menos em relação ao resultado de 2025. Uma terceira interpretação é que vale o prazo até 2028 que está escrito expressamente na reforma do IR, que abriria uma exceção à Lei das S.A.s.
“Estamos em um momento de insegurança jurídica. As empresas não têm clareza do que devem fazer. Boa parte está adotando a postura mais conservadora possível [pagar neste ano], mas isso vai ter efeitos no câmbio e também no mercado de crédito”, afirma Pablo Cesário, presidente-executivo da Abrasca.
Rafael Santos, sócio da área tributária do Souto Correa Advogados, diz que a maioria dos clientes tem pensado em pagar imediatamente, se beneficiar dos três anos (no caso das empresas fechadas) ou transformar os valores em uma dívida com o acionista.
“Tem cliente pensando em converter esse saldo de lucro acumulado em uma espécie de mútuo com a própria empresa, deixar esse capital ali e remunerá-lo”, diz o advogado, apontando que não faria sentido usar todo o caixa em dezembro e em poucos meses ter de contrair uma dívida de capital de giro.
Ele afirma que outro ponto que tem gerado discussão é se o prazo até 2028 se aplica a investidores estrangeiros, pois essa data está fixada no trecho que trata dos pagamentos feitos a pessoas físicas brasileiras. Nesse caso, eles precisariam receber o dinheiro ainda neste ano para escapar do imposto. Há também a tese oposta, de que não residentes estão livres do limite e poderiam receber o dinheiro com isenção até depois dessa data.
Além das questões societárias, há o desafio contábil de apurar o lucro de 2025 até 31 de dezembro deste ano. Algumas empresas tentam garantir pelo menos a deliberação sobre o resultado até novembro. Nesses casos, há dúvidas sobre o que fazer se o valor for posteriormente corrigido, para baixo ou para cima, e se isso gera risco de autuação.
“Tais requisitos apresentam incompatibilidade com a Lei das S.A.s e com as regras gerais presentes nos contratos sociais e estatutos”, afirma Joanna Rezende, sócia do escritório Peluso, Guaritá, Borges e Rezende Advogados, que cita também o desafio em atender as regras de convocação prévia da assembleia extraordinária, especialmente para as empresas cujo capital é pulverizado.
Cristina Camara, sócia na área tributária do SiqueiraCastro Advogados, avalia que a lei não pode retroagir para alcançar os lucros até 2025, uma vez que a nova tributação só começa a valer em janeiro de 2026. Para ela, o projeto também está tentando regulamentar atos societários que não lhe competem.
“Há uma série de barreiras que empurram o contribuinte com muita força e até as empresas para a evasão fiscal.”