BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos, Gabriel Escobar, afirmou que o governo americano tem interesse nos materiais críticos em solo brasileiro. O tema foi debatido nesta semana durante encontro com representantes privados do setor.
No encontro, Escobar demonstrou atenção à Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos que o governo brasileiro está elaborando, bem como às iniciativas parlamentares que tratam do tema. O ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo nesta quarta-feira (23) que o plano deve ser finalizado neste semestre.
Os representantes das empresas já ouvem o interesse dos EUA nesses materiais desde o governo Biden, e três meses atrás tiveram uma reunião semelhante também com Escobar. Os materiais interessam aos americanos para diferentes propósitos, inclusive para a indústria da defesa.
Os participantes privados da reunião não ouviram nas falas de Escobar uma ligação direta entre o interesse mineral e a negociação sobre o tarifaço anunciado por Donald Trump. Mesmo assim, veem uma chance de o assunto entrar nas negociações sobre a pauta de importações e exportações.
Representantes do setor lembram que a China chegou a restringir a exportação de terras raras aos EUA em meio às tensões com a gestão Trump. Depois, voltou atrás em um acordo comercial com os americanos.
De qualquer forma, os representantes empresariais ressaltaram que qualquer interesse do governo americano no assunto deve ser relatado diretamente ao governo brasileiro. Isso porque a União, pela Constituição, é quem decide sobre o uso do subsolo nacional.
Questionado por jornalistas sobre a possibilidade de um acordo com os americanos envolvendo minerais críticos, o vice-presidente Geraldo Alckmin tergiversou dizendo que existe uma pauta muito longa que pode ser “explorada e avançada”.
“O setor minerário é um que nós recebemos. É outro setor que exporta para os Estados Unidos apenas 3%, mas importa em máquinas e equipamentos mais de 20%. O que mostra, de novo, enorme superávit [dos EUA] na balança comercial”, disse.
A princípio, os representantes empresariais relatam que não há impedimento para que empresas americanas atuem na mineração no Brasil. Já há diversas companhias privadas estrangeiras fazendo esse trabalho, como chilenas e argentinas -embora não governos de forma direta.
O encontro entre Escobar e o Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) tratou também de uma possível missão empresarial brasileira aos Estados Unidos, mas prevista para ocorrer somente entre setembro ou outubro. Isso porque uma viagem em agosto pode se tornar pouco produtiva graças ao período de férias escolares nos EUA e um consequente impedimento nas agendas para as conversas.
O início da sobretaxa americana de 50% aos produtos brasileiros, anunciada por Trump, está previsto para 1º de agosto.
Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, disse ter conversado com o secretário do Comércio dos EUA, Howard Lutnick, no último sábado (19), quando reiterou a disposição do governo brasileiro de negociar para evitar a sobretaxa de 50% a produtos brasileiros.
“O Brasil nunca saiu da mesa de negociação, não criamos esse problema, mas queremos resolver. Estamos empenhados em resolver”, disse, sem demonstrar que houve um avanço concreto nas tratativas com os americanos.
A jornalistas, o vice-presidente evitou detalhar a posição de Lutnick na reunião. “A conversa foi boa, tanto foi boa que foram quase 50 minutos, foi proveitosa. Vamos aguardar, são conversas institucionais, devem ser reservadas, mas tivemos contato e essa é a disposição do governo brasileiro”, afirmou. “Diálogo não é monólogo, diálogo são duas partes.”
Segundo Alckmin, Lula tem orientado que as conversas não tenham contaminação política nem ideológica, e que sejam voltadas à busca de uma solução comercial. “[Para] ao invés de ter um perde-perde, com inflação nos Estados Unidos e diminuição das nossas exportações para o mercado americano, nós invertermos isso”, disse o vice-presidente.
“[Para] resolvermos problemas, aumentarmos complementariedade econômica, integração produtiva, investimentos recíprocos, discutirmos a não bitributação, enfim, avançarmos em uma agenda extremamente positiva”, disse ele, que afirmou ter conversado também com senadores que integrarão uma missão aos EUA sobre o assunto.
Os minerais críticos são insumos considerados essenciais para diferentes áreas estratégicas e enfrentam riscos elevados de escassez ou interrupção no fornecimento. Isso ocorre, em boa parte, porque sua produção está concentrada em poucos países, além da dificuldade de substituição por outros materiais e da alta demanda em setores como energia limpa, tecnologia, defesa e mobilidade elétrica.
Esses minerais são fundamentais, por exemplo, para a fabricação de baterias, turbinas eólicas, veículos elétricos, equipamentos eletrônicos e sistemas militares.
Entre os principais minerais críticos frequentemente citados estão lítio, cobalto, níquel, grafite, nióbio, terras raras, tântalo, cobre e urânio. O lítio, um dos que mais atrai interesse, é vital para baterias recarregáveis de veículos elétricos.
Já as terras raras, outro interesse dos EUA no mundo todo, compreendem um grupo ainda mais restrito de 17 minérios críticos, como neodímio, disprósio e praseodímio. Eles são essenciais para ímãs de alta performance usados em turbinas e motores elétricos -componentes, por exemplo, de caças e mísseis.
Embora as terras raras não sejam consideradas raras, a concentração delas muitas vezes não é suficiente para tornar o local economicamente viável para mineração. O que é raro nesses materiais é justamente a alta concentração, o que torna a extração um processo caro e complicado.
Os EUA têm buscado diversificar seus fornecedores desses minerais, especialmente para reduzir sua dependência da China, que domina a cadeia. Os chineses vêm investindo em refino e processamento de terras raras há 30 anos e controlam 90% da capacidade global de processamento, segundo a Agência Internacional de Energia.
O Brasil é dono de reservas de minerais estratégicos como nióbio, grafite, terras raras e lítio. Por isso, é visto como um parceiro estratégico nas cadeias globais de fornecimento. Por outro lado, tem pouca capacidade de refino e processamento.
Os EUA respondem por 4% das compras de minérios do Brasil e se situam como o 12º maior importador de minérios do país em tonelagem. Os EUA importam do Brasil ouro (os americanos compraram 4,9% da exportação brasileira do material em 2024), pedras naturais e rochas ornamentais (31,4%), caulim (18,3%); e nióbio (7,1%).
Na entrevista à Folha, Silveira afirmou que agregar valor dentro das fronteiras nacionais aos minerais extraídos em solo brasileiro é uma diretriz do governo no novo plano voltado à exploração de materiais críticos.
O Ibram afirmou que tem acompanhado o tema do tarifaço anunciado por Trump com atenção. “Desde que os EUA comunicaram este fato ao governo brasileiro, o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) tem mantido consulta junto às mineradoras associadas para avaliar os possíveis impactos”, declarou o instituto, que é presidido pelo ex-ministro Raul Jungmann.
“A conclusão é que essa imposição unilateral, sem embasamento técnico ou econômico convincente, fere o ambiente de negociação que tem se perpetuado no comércio internacional de minérios, razão pela qual este IBRAM apresenta publicamente seu repúdio à atitude do governo norte-americano, e espera que tal anúncio não se concretize”, afirmou o Ibram, em nota.
Ao incluir os minérios entre os alvos do tarifaço, declarou o Ibram, os EUA “surpreendem negativamente” e “obrigam o Brasil a buscar novos parceiros no mercado mundial, abandonando uma parceria histórica com os EUA, que beneficia ambos os países”.
Na avaliação do Ibram, os impactos dessas novas tarifas vão além do setor mineral porque esta indústria responde por 47% do saldo positivo da balança comercial, conforme dados de 2024. E abalos na exportação de minérios sempre são preocupantes sob este aspecto.
A embaixada americana no Brasil confirmou que Escobar participou de reunião com o Ibram, mas disse que “não divulga conteúdo de reuniões privadas”.