BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A declaração do americano Donald Trump de que está disposto a conversar a qualquer momento sobre o tarifaço com o presidente Lula (PT) foi recebida com uma dose de ceticismo entre integrantes do governo e aliados do petista.
Um ministro do núcleo político próximo do presidente, um dirigente do PT e um integrante do Itamaraty ouvidos pela Folha de S.Paulo avaliaram que uma discussão nesse nível só deve acontecer depois uma extensa preparação pelas vias diplomáticas tradicionais.
Mesmo os mais céticos, no entanto, não descartam um telefonema entre os dois presidentes em algum momento para discutir as tarifas impostas por Trump.
Lula vinha sendo pressionado, principalmente pelo empresariado, a entrar pessoalmente nas negociações sobre o tarifaço. O petista vinha dizendo publicamente, porém, que o governo Trump não queria conversa.
Com a nova declaração do americano, na sexta-feira (1º), esses mesmos empresários passaram a enxergar um caminho aberto para esse diálogo e um desgaste maior para Lula caso ele optasse por manter distância de Trump.
No início de julho, o presidente americano anunciou que imporia uma sobretaxa de 50% a produtos brasileiros vendidos no mercado americano e vinculou a medida às investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O ato foi considerado, dentro do governo brasileiro, uma intervenção indevida na política interna do país.
A medida é parte de um grande pacote de sobretaxas impostas por Trump a produtos de diversos países, incluindo aliados históricos dos Estados Unidos, como Canadá, México, Coreia do Sul e União Europeia parte deles conseguiu acordos para minimizar os danos. O Brasil foi o mais atingido.
Empresários e políticos passaram a pressionar o governo Lula. O esforço de negociação vem sendo liderado pelo vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin. Nos últimos dias, os Estados Unidos oficializaram o tarifaço, mas excluíram diversos produtos da nova taxação.
“Ele [Lula] pode falar comigo quando quiser”, afirmou Trump a jornalistas no gramado da Casa Branca na sexta-feira.
O presidente americano também disse que ama o povo brasileiro e que “as pessoas que lideram o Brasil fizeram coisa errada”, em provável referência ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, alvo de sanções do governo americano, e responsável por investigações contra Bolsonaro.
Lula respondeu por meio das redes sociais horas depois, sem mencionar Trump.
“Sempre estivemos abertos ao diálogo. Quem define os rumos do Brasil são os brasileiros e suas instituições. Neste momento, estamos trabalhando para proteger a nossa economia, as empresas e nossos trabalhadores, e dar as respostas às medidas tarifárias do governo norte-americano”, escreveu o presidente brasileiro no X, antigo Twitter.
A menção aos rumos do Brasil e às instituições do país é uma forma de Lula reafirmar que não negociará nada relacionado à atuação do STF, onde correm os processos contra Bolsonaro.
Nos bastidores, setores do governo federal citam o histórico de desrespeito de Trump a líderes de outros países. Em fevereiro, ele bateu boca com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, em público. Os americanos cobravam um agradecimento do ucraniano pelas armas fornecidas pelos Estados Unidos na guerra do país contra a Rússia.
Trump também teve uma reunião tensa em público com o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, em maio. O americano disse, sem apresentar provas ou evidências, que havia um “genocídio branco” no país. Ele usou a história para tentar encurralar Ramaphosa.
Dispensar um tratamento como esse a Lula poderia ampliar o atrito entre Brasil e Estados Unidos, segundo aliados do presidente. Os governistas ressalvam, porém, que o risco no caso atual seria menor porque a possível conversa entre o brasileiro e americano seria por telefone, não pessoalmente e nem transmitida ao vivo.
Na visão de integrantes da diplomacia brasileira, houve um distensionamento nas relação entre os dois países nos últimos dias. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, conseguiu se reunir com o secretário de Estado americano, Marco Rubio, no mesmo dia da confirmação do tarifaço com exceções.
Além disso, há a expectativa de uma reunião entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent. Ainda não houve, no entanto, recuo em relação à sobretaxa ou a abertura de negociações mais amplas.
Haddad disse ter achado ótima a declaração de Trump. “A recíproca eu tenho certeza que é verdadeira. O presidente Lula estaria disposto a receber um telefonema dele quando ele quisesse também”, afirmou Haddad a jornalistas na sexta-feira. A fala remete, indiretamente, ao fato de Trump também não ter procurado Lula para discutir a relação comercial entre os países.
O chefe da equipe econômica mencionou a necessidade de preparação prévia para uma eventual conversa entre os dois presidentes, “uma vez que o Brasil está numa situação, um ponto fora da curva em relação ao resto do mundo por razões políticas”.