Especialistas contestam fala de Haddad sobre inflação 'apenas 0,2' mais alta com Selic em 12%

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BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A declaração do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que a inflação estaria apenas 0,20 ponto percentual mais alta se a taxa de juros estivesse em 12% contraria as projeções do Banco Central e escancara o aumento da tensãoo entre o comandante da política econômica do governo Lula e o presidente da autoridade monetária, Gabriel Galípolo, em torno do patamar atual de 15% da taxa Selic.

A Folha ouviu especialistas sobre a projeção citada por Haddad, que afirmam que o ministro fez um exercício simplista sem citar o modelo e as hipóteses usadas. Eles projetam uma inflação de 0,75 a 0,90 ponto percentual mais alta num cenário de juros em 12% ao ano.

Procurada pela reportagem desde a última sexta-feira (14), a assessoria de Haddad não respondeu ao pedido de informações sobre os modelos e o prazo no tempo para se chegar à projeção de inflação citada.

Haddad contou em entrevista que tinha rodado dois modelos respeitados pelo mercado de previsão de inflação, um com juros a 15% e outro com 12%. “Eu falei: roda os dois e vê o que acontece. Deu 0,2 ponto porcentual a diferença de inflação no fim do horizonte relevante, de 3,3% contra 3,1%. Por isso que a trajetória é tão importante”, disse em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo publicada na quinta-feira (13).

A inflação oficial do Brasil, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), registrou 4,68% no acumulado de 12 meses até outubro. O alvo central perseguido pelo BC é 3%, com intervalo de tolerância entre 1,5% (piso) a 4,5% (teto).

A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do IBRE-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), avalia que o exercício citado pelo ministro é um “autoengano”.

“Reduzir os juros para 12% seria algo similar ao cavalo de pau dado em agosto de 2011 pelo ex-presidente do BC, Alexandre Tombini. Desancoraria tudo”, afirma Matos.

Ela faz referência à decisão do BC de 14 anos atrás, quando o Copom (Comitê de Política Monetária) reduziu a taxa de juros em 0,5 ponto percentual para 12% de forma surpreendente, quando os analistas do mercado financeiro esperavam mais um aumento da taxa básica de juros ou, no mínimo, sua manutenção, devido às pressões inflacionárias.

Segundo a pesquisadora do IBRE, a inflação corrente e as expectativas futuras subiriam rapidamente com a queda da taxa Selic de 15% para 12%, e a inflação não subiria apenas 0,2 ponto porcentual.

“Não dá para fazer este exercício simples. Tem que levar em conta todos os canais de transmissão: expectativa, que é um canal crucial em um regime de meta de inflação, câmbio, credibilidade etc.”, afirma.

Matos diz que é hoje custoso para o BC trazer a inflação na meta de 3% devido a dois canais de transmissão de alta dos preços. O primeiro é o excesso de demanda (quando a quantidade de um bem ou serviço que os consumidores desejam comprar é maior do que a quantidade disponível), que tem forçado a economia a operar acima da sua capacidade.

“A taxa de desemprego está em nível histórico baixo, com salários crescendo muito acima da produtividade, o que vai virar inflação. Aí, precisamos de juros de 15%, um juro real [descontado da inflação] próximo de 10% em um ano.”

O segundo canal de risco citado por ela é a alta da dívida pública, que faz com que os investidores exijam um prêmio maior para rolar a dívida pública.

Fabio Kanczuk, ex-diretor de Política Monetária do BC, afirma que o resultado da conta apresentada pelo ministro depende de quanto depois da mudança nos juros se avalia o impacto na inflação, o que não foi explicitado por Haddad.

“Esse impacto vai subindo no tempo. Se for só um trimestre depois da mudança nos juros daí o impacto é pequeno mesmo, em linha com a fala do ministro. Mas se olhar um ano ou dois anos depois o impacto fica enorme”, diz.

No Relatório de Inflação de junho de 2024, o BC considerou que a variação de 1 ponto percentual na Selic, mantida por quatro trimestres, tem impacto na inflação medida pelo IPCA de 0,24 ou 0,27 ponto percentual, respectivamente, nos dois modelos utilizados pela autoridade monetária.

Com base nesse dado, o corte da taxa básica de 15% para 12% ao ano elevaria o IPCA em algo em torno de 0,75 ponto percentual, destaca outro ex-diretor do BC, Alexandre Schwartsman. “A projeção de inflação subiria 0,75 ponto porcentual. Não é 0,2”, afirma Schwartsman.

O ex-diretor também destaca que o ministro da Fazenda, com essa fala, está dizendo que o BC estaria equivocado nos seus cálculos. “O Banco Central faz, supostamente, o melhor trabalho possível a esse respeito. O modelo é perfeito? Não, exatamente porque é um modelo. Mas é o que o BC tem à disposição.”

Schwartsman ressalta que o modelo utilizado pela autoridade monetária nas reuniões do Copom considera como hipótese para calcular a inflação a trajetória da taxa de juros da pesquisa Focus, realizada com diversos economistas.

O dado mais recente, segundo ele, aponta para uma inflação de 3,3% em meados de 2027. Ele afirma que a atualização mais recente do BC sobre o chamado “impulso-resposta”, uma forma de medir a sensibilidade da inflação à taxa básica, aponta um valor bem mais elevado do que os 0,2 ponto percentual citado pelo ministro.

A avaliação de outro economista de um banco, que conta um dos modelos econométricos de projeção de inflação mais bem avaliados no mercado e falou à reportagem na condição de anonimato, é que os modelos utilizados pelo ministro estão bem desequilibrados.

Ele cita que os modelos que o BC e o mercado usam apontam para um impacto da Selic sobre a inflação bem maior, de 0,82 a 0,90 ponto porcentual em um ano. O especialista ressalta que com juros em 12% o PIB (Produto Interno Bruto) estaria cerca de 0,70 ponto porcentual maior.

Nesse cenário, o PIB cresceria em torno de 3% neste ano novamente, o que impulsionaria desequilíbrios na economia brasileira: aumento do déficit externo, câmbio mais depreciado, uma queda adicional da taxa de desemprego e aumento das pressões salariais. Tudo isso com potencial mais inflacionário. Neste ano, a queda do dólar foi o principal vetor desinflacionário.

O diagnóstico dos especialistas é que o BC atuou como um bombeiro e conseguiu segurar a alta da taxa de câmbio observada no final do ano passado, com uma desaceleração gradual da atividade, que tem permitido a inflação começar a cair.

Os especialistas destacam que a política fiscal do Haddad ainda é muito expansionista, com a regra fiscal, o arcabouço fiscal, garantindo um crescimento dos gastos de 2,5%. Fora o aumento das exceções às regras do arcabouço, que aumentam a dívida pública.

Outro ex-diretor do BC projeta inflação entre 0,90 e 1 ponto porcentual mais alta em um ano e meio com a Selic em 12%. Para esse diretor, a fala de Haddad foi muito mais uma provocação política a Galípolo ou imperícia técnica.

Ele ressalta a preocupação de o ruído entre os dois prejudicar a escolha dos dois novos diretores do BC, que vão substituir Renato Gomes (Organização do Sistema Financeiro) e Diogo Guillen (Política Econômica), que deixam o cargo em 31 de dezembro.

Faltando menos de dois meses para o fim de 2025, o Palácio do Planalto ainda não deu sinais de quando fará as duas indicações ao Senado, que precisa sabatinar e votar os nomes escolhidos por Lula.

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